Shopping
Primitivo:
Um
Estudo
de Caso
em Turismo e Identidade Regional
Resumo:
Esse artigo
analisa aspectos da produção cultural e identidade regional, em
um restaurante popular, o Shopping
Primitivo, localizado na cidade de Itabuna, no sul da Bahia. O Shopping
atende a uma freguesia local, formada por trabalhadores que,
diariamente, buscam seu restaurante popular; e a uma freguesia de
turistas, nacionais e estrangeiros, que, principalmente nos meses
de novembro a fevereiro, passam de carro em frente à loja, para
chegar às praias de Ilhéus, Itacaré e Canavieiras.Sua
estratégia de comunicação com os turistas baseia-se na construção
de um simulacro do imaginário do discurso colonial eurocêntrico.
Entretanto, ao reafirmar esse discurso num contexto de mera
propaganda comercial, ele o hibridiza, isto é, fragmenta sua
autoridade pois
incorpora nele o que tal discurso
nega: o olhar e os saberes do colonizado. A classificação do Shopping
Primitivo nas categorias de arcaico,
residual e emergente, torna-se problemática em razão da heterogeneidade do
seu público. O estereótipo colonial das frutas tropicais e da
“sensualidade bestial”, associado aos países periféricos,
pode estar reverberando nas estratégias de comunicação do Shopping
Primitivo.
Palavras-chave:
comunicação,
cultura, identidade.
Abstract:
this paper analyses aspects of the cultural production, regional
identity, communication and tourism in a popular restaurant. The
Primitivo Shopping, placed in Itabuna city, at state Bahia’
south. The Shopping has local workers costumers and tourists,
national and foreigners, costumers. Its communication strategy to
tourists is based in a colonial discourse simulacrum Eurocentric.
At do this, the colonial discourse becomes hybrid because it
incorporates which denies: the colonized knowledge. Classifies
Shopping as archaic, residual or emergent depends of the relation
to local public or tourists. The stereotype of tropical fruits and
“bestial sensuality”, associated to peripherical countries can
be present in the communication strategies of the Primitivo
Shopping.
Key
words: culture,
identity, communication. |
Introdução
O
objetivo desse trabalho é analisar aspectos da produção cultural,
identidade regional, comunicação e turismo em um restaurante popular, o Shopping Primitivo, localizado na cidade de Itabuna, no sul da
Bahia. Trata-se de uma micro-empresa que articula produção cultural,
para um público popular local, com produção cultural para turistas,
usando elementos da identidade regional e meios artesanais de comunicação.
Edílson
Primitivo Matos Santos, 58 anos, mais conhecido como Primitivo, nasceu em
Itabuna, de família de classe média e estudou até a 5ª. série. Há 15
anos, Primitivo
abriu
uma mercearia na Av. Juracy Magalhães, no Bairro de Fátima, em Itabuna.
A mercearia vendia gêneros de primeira
necessidade à vizinhança local. No
entanto, estava localizada na única via de saída de Itabuna para Ilhéus
e para a faixa litorânea mais próxima, incluindo Olivença, Canavieiras
e Itacaré. Ao abrir a mercearia, logo Primitivo se deu conta do enorme
fluxo de turistas, nacionais e estrangeiros, que, principalmente entre os
meses de dezembro e fevereiro, passava em frente ao seu comércio. Para
atraí-los, pendurou palhas secas de banana e frutas regionais, na frente
da mercearia, além de oferecer carvão, churrasqueiras artesanais e
carne-de-sol. Na frente da loja, entre as duas vias da Avenida Juracy
Magalhães, colocou uma tabuleta anunciando a “batida sex
de cacau”. Diz ele, em entrevista ao autor:
Eu
não tinha dinheiro e, aí, a gente precisa ser criativo. Sou o único que
decora a loja com palha seca de banana. E aí eu pendurei cacau, jaca e
coisas da região. Tudo o que se faz é incentivado pela mídia. Todo
mundo copia. E você tem
que ser ousado: não copiar a Globo, mas a Globo é que tem de copiar você.
No verão a loja é mais aberta, a mercadoria na porta, por chover pouco.
O importante no comércio é a vitrine.
A
cidade de Itabuna é um entroncamento rodoviário, onde se cruzam a BR-101
e a BA-116. Pela primeira, ao sul, têm acesso a Itabuna, os municípios
de Mascote, Pau Brasil, Santa Luzia, Camacã, Jussari, São José da Vitória
e Buerarema, além de outros; ao norte, pela mesma estrada, ligam-se a
Itabuna os municípios de Itajuípe, Coaraci, Almadina, Itapitanga, Uruçuca,
Aurelino Leal, Ubaitaba, Ubatã, Gongogi, Ibirapitanga, Barra do Rocha,
Ipiaú, Aiquara, Dário Meira, Jequié, além de outros. A BR-101, construída
ao longo do litoral brasileiro, é também a via de acesso a Itabuna e Ilhéus,
de turistas vindos de todas as regiões do país. Pela BA-116, estão
ligados a Itabuna os municípios de Lomanto Júnior, Itapé, Ibicaraí,
Floresta Azul, Santa Cruz da Vitória, Itamirim, Itororó, Ibicuí, Iguaí,
Itapetinga e Vitória da Conquista, além de outros. Como essa estrada
liga o interior com o
O
discurso colonial híbrido
Quando
percebeu o fluxo turístico no verão, passando em frente à sua
mercearia, decidiu Primitivo:
Vou
atrair os turistas: e aí pendurei cacau, jaca e coisas da região e da
estação, inclusive a palha de banana. É preciso ser criativo. No verão,
a loja é mais aberta, a mercadoria na porta, por chover pouco. O
importante no comércio é a vitrine. A idéia da palha de banana é
porque eu não tinha dinheiro. (Entrevista ao Autor)
E
assim conseguiu fazer “um
japonês parar o carro e filmar minha placa do cala
boca, um americano parar e pedir pra tirar foto”. Além da decoração
para atrair, Primitivo tem ainda uma estratégia de relacionamento com os
turistas estrangeiros:
O
importante é fazer com que o turista, em um minuto, já se sinta em casa.
É preciso ter habilidade e os gringos saem tudo do ônibus para vim
visitar minha loja. Boto a gringalhada para entrar e comer a farinha na mão,
pimenta, carne... O gringo sabe quando você está mentindo. (Ibidem)
A
condição híbrida da cultura nacional tem contribuído para que o
brasileiro venha tendo um olhar eurocêntrico, de origem colonial, sobre
sua cultura. É comum, diante de notícias negativas sobre nosso
comportamento, como, por exemplo, notícias de corrupção política,
ouvir-se comentários do tipo: “Só no Brasil acontece isso!”, “Se
fosse nos Estados Unidos ou na Europa, os políticos não roubariam!”
etc.
Esse
olhar eurocêntrico colonial sobre nossa própria cultura está ao alcance
de todos, principalmente através da mídia e da escola. Portanto, além
de ser uma solução barata, o uso das palhas de banana e das frutas
regionais, na decoração do Shopping
Primitivo, pode estar relacionado ao “exótico”, uma das características
desse olhar eurocêntrico colonial sobre as regiões periféricas da Ásia,
África e América Latina.
Dessa
forma, a estratégia de Edílson Primitivo para comunicar-se com o turista
nacional e estrangeiro pode estar calcada
em satisfazer as expectativas do imaginário colonial sobre nossa
cultura. Pendurar, na entrada da loja, frutas regionais e palhas de
banana, além de anunciar a “batida sex”,
é oferecer ao turista eurocêntrico o “exótico” que ele espera ver
nos países periféricos. Mas, ao utilizar esse discurso colonial como uma
estratégia de venda, O Shopping Primitivo
hibridiza, questiona e fragiliza a autoridade desse discurso, tomando-o já
fraturado, em si mesmo, pois incorporou nele o que tal
discurso nega: o olhar e os saberes do colonizado.
O
hibridismo é uma problemática de representação e de individuação
colonial que reverte os efeitos da recusa colonialista, de modo que outros
saberes "negados" se infiltrem no discurso dominante e tornem
estranha a base de sua autoridade
– suas
regras de reconhecimento. (BHABHA, 2003, p. 165)
Assim,
o discurso do Shopping Primitivo
sobre o turista, estrangeiro e nacional, pode ser visto como um discurso
colonial híbrido, porque a base da autoridade desse discurso, suas regras
de reconhecimento do “exótico”,
são assumidas como estratégia de venda pelo colonizado, como um feitiço
virando contra o feiticeiro. É como se Primitivo dissesse ao turista colonial:
“Você não quer ver o exótico, o selvagem, o natural? Então venha ver
e comprar aqui!”, oferecendo, com sua decoração, um simulacro dessa
visão eurocêntrica dos países colonizados. Se, antes, os colonizadores
ofereciam bugigangas aos índios, em trocas comerciais, agora são os
colonizados que oferecem bugigangas da visão colonial aos próprios
colonizadores. Segundo Primitivo,
O
importante é fazer com que o turista, em um minuto, já se sinta em casa.
É preciso ter habilidade e os gringos saem tudo do ônibus para vim
visitar minha loja. Boto a gringalhada para entrar e comer a farinha na mão,
pimenta, carne... O gringo sabe quando você está mentindo.
A
estratégia que Primitivo usa, na comunicação com seus fregueses
estrangeiros, é resumida pelo princípio: “fazer com que o turista, em
um minuto, já se sinta em casa”. A expressão “sentir-se em casa”
significa estar familiarizado, estar acostumado, deparar-se com algo já
esperado, não estranho, algo que não é uma surpresa. Para conseguir
isso, é preciso justamente oferecer ao turista que chega um simulacro
daquilo que ele já esperava encontrar na cultura nativa: frutas exóticas,
palhas de bananas selvagens, bebidas afrodisíacas, expressões
pitorescas. Ao deparar-se com o que já esperava ver, o turista se sente
em casa. E aí é só prosseguir com o espetáculo autóctone:
“Boto a gringalhada para entrar e comer a farinha na mão, pimenta,
carne...” Primitivo oferece uma encenação espontânea
do discurso colonial, porque o “gringo sabe quando você está
mentindo”, isto é, o gringo sabe quando você não simula adequadamente
a visão do discurso colonial.
A
experiência de compreender outras culturas assemelha-se "mais a
entender um provérbio, captar uma alusão, perceber uma piada [ou, como já
sugeri, ler um poema] do que a alcançar uma comunhão" (BHABHA,
2003, p. 96). Primitivo não busca compreender as culturas dos turistas,
mas busca alcançar com estes uma “comunhão”:
Um
japonês parar o carro e filmar minha placa do cala
boca, americano pára e pede pra tirar foto. E eu faço com que o
turista, em um minuto, já se sinta em casa. É preciso ter habilidade e
os gringos saem tudo do ônibus e vêm visitar minha loja.
Essa
“comunhão” com o turista Primitivo a consegue via discurso colonial.
Através do simulacro do exótico e do selvagem na decoração, ele torna
a si mesmo o simulacro de um “nativo”, com sua fala profusa e difusa,
seu jeito aparentemente estabanado, colocando as mercadorias nas mãos dos
turistas, “comer farinha na mão, pimenta, carne”, sem discutir preço
antes, como se fosse um selvagem “inocente” do discurso colonial de
Caminha: “Andam nus, sem nenhuma cobertura. Não fazem caso de cobrir ou
mostrar suas vergonhas. E o fazem com tanta inocência, como mostram o
rosto” (SIMÕES, 2000, p. 40)
Arcaico,
residual ou emergente?
Segundo
Canclini (2000, p. 198), um dado elemento cultural pode ser considerado arcaico,
residual ou emergente.
O
arcaico é o que pertence ao
passado e é reconhecido como tal por aqueles que hoje o revivem, quase
sempre “de um modo deliberadamente especializado”. Ao contrário, o residual
formou-se no passado, mas ainda se encontra em atividade
dentro dos processos culturais. O emergente
designa os novos significados e valores, novas práticas e relações
sociais.
O
Shopping Primitivo pode ser
considerado como um residual,
uma vez que utiliza elementos característicos da tradição regional,
como a palha, a jaca, a banana e o cacau, mantendo-os em atividade, como
decoração ou mercadoria, em seu comércio com os moradores locais e com
os turistas. Porém, simultaneamente, ele pode ser considerado emergente,
uma vez que cria novos significados e valores, ao anunciar, em letreiros,
a “jaca orgânica”, “banana orgânica”, “batida sex”,
“cala boca”, “como pouco” etc., em novas práticas de comércio,
decoração, e comunicação. Assim, a classificação rígida de
Primitivo numa das categorias propostas por Canclini apresenta
dificuldades, justamente pelo caráter heterogêneo de seu público
consumidor: fregueses locais e turistas. O Shopping
Primitivo não é somente uma “barraca exótica”, montada para atrair
os turistas, ele é também um restaurante popular, com freguesia local
fixa diária. Portanto, seus produtos, suas estratégias de venda e sua
comunicação estão dirigidos simultaneamente ao consumo desses dois públicos
tão diversos. As expressões “cala boca” e “como pouco”, geradas
na barganha com os fregueses populares locais, adquirem significados
pitorescos para os turistas, sob a forma de letreiros, na fachada da loja.
As palhas de banana e as frutas regionais, expostas na entrada para atrair
os turistas que passam de carro, despertam também a atenção dos
moradores locais. Se, pelos turistas, Primitivo pode ser visto como residual,
pelo seus fregueses cotidianos pode ser visto como emergente.
Uma
coisa é certa: o Shopping
Primitivo não pode ser considerado arcaico,
autêntico, no sentido de ser um “genuíno” produtor artesanal
da cultura regional. Seus produtos não resultam de uma tradição
cultivada, mas são criados para atender a uma estratégia comercial
imediata. No entanto, “a atual circulação e consumo dos bens simbólicos
limitou as condições de produção que em outro tempo tornaram possível
o mito da originalidade, tanto na arte de elites e na popular, quanto no
patrimônio cultural tradicional” (Ibidem).
Assim, o critério da “autenticidade”, na forma tradicional de pensar
o patrimônio cultural, não leva em conta a atual circulação e consumo
dos bens simbólicos. O Shopping
Primitivo está situado não apenas numa esquina, isto é, num cruzamento
de ruas, mas também num cruzamento de consumidores populares locais e de
turistas nacionais e internacionais. Nesse contexto diversificado atual de
circulação e consumo dos bens simbólicos, não se pode mais encontrar o
artesão “autêntico”, numa comunidade isolada, com valores e
significados originários.
O
estereótipo
O
discurso colonial estabiliza a visão do outro em estereótipos, conotando
rigidez e ordem social imutável.
Estereótipos sobre a duplicidade do asiático ou a bestial liberdade
sexual do africano, são repetidos exaustivamente, embora sem provas (BHABHA,
2003, p. 105). A “fixidez” do discurso colonial, tendo o estereótipo
como sua principal estratégia discursiva, permite explicar por que,
separados no tempo por meio século e em circunstâncias tão diversas,
Primitivo e a cantora Carmen Miranda usam o mesmo elemento, como
representação cultural do
Brasil para os “gringos”. O recurso das frutas tropicais, ornamentando
os chapéus com que se apresentava, foi usado pela cantora Carmen Miranda,
nos Estados Unidos, justamente para sugerir um clima selvagem, primitivo,
exótico, associado às músicas brasileiras que cantava. É com
semelhante finalidade que Primitivo pendura essas mesmas furtas na porta
de sua loja.
Assim,
conforme já visto, as estratégias de venda e de comunicação de
Primitivo, em relação aos turistas podem estar fundamentadas, em grande
parte, no discurso colonial eurocêntrico. O letreiro que anuncia a
“batida sex” pode ser associado à longa tradição do estereótipo
colonial de que nas culturas africanas, asiáticas e americanas o sexo é
praticado sem qualquer restrição. As gravuras e relatos sobre os índios
brasileiros, feitas por viajantes coloniais, manifestam curiosidade e fixação
sobre a nudez dos “selvagens”, referidas à exaustão na Carta de
Caminha, conforme Simões (2000, p. 38-58):
Pardos,
nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas... [...] Andam nus,
sem nenhuma cobertura. Não fazem caso de cobrir ou mostrar suas
vergonhas. E o fazem com tanta inocência, como mostram o rosto. [...] E
então estiraram-se de costas na alcatifa a dormir sem ter nenhuma maneira
de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas, e as cabeleiras
deles estavam bem rapadas e feitas. [...] Fomos assim de frecha diretos à
praia. Ali acudiram logo obra de 200 homens, todos nus com arcos e setas
na mão. [...] Ali andavam entre eles
três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito
pretos e compridos, pelas espáduas e suas vergonhas tão altas e tão
cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de nós muito bem as
olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. [...] E uma daquelas moças era
toda tingida, de fundo acima, daquela tintura a qual é certo era tão bem
feita e tão redonda a sua vergonha, que ela não tinha, tão graciosa que
a muitas mulheres de nossa terra vendo-lhes tais feições, fizera a
vergonha por não terem a sua como ela. [...] Também andavam entre eles
quatro ou cinco mulheres moças assim nuas que não pareciam mal entre as
quais andava uma com a coxa do joelho até o quadril e a nádega toda
tinta, daquela tintura preta, e o resto todo da sua própria cor. Outra
trazia ambos os joelhos com as curvas assim tingidas e também os colos
dos pés. E suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas
que não havia nisso nenhuma vergonha. E também andava outra mulher moça
com uma menina ou menino no colo, atado com um pano não sei de quê, aos
peitos que não apareciam senão as perninhas.Mas nas pernas da mãe e nas
outras coisas não traziam nenhum pano. [...] Entre todos estes que hoje
vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à
missa, a quem deram um pano com que se cobrisse puseram-lhe ao redor de
si. Mas ao assentar não
fazia memória de o muito entender para se cobrir. Assim, Senhor, que a
inocência desta gente é tal que a de Adão não seria mais, quanto à
vergonha. Ora veja Vossa Alteza, quem em tal inocência vive,
ensinando-lhe o que para sua salvação pertence, se se converterão ou não?
Observa-se
que, mesmo numa carta formal, dirigida a “El-Rei”, a curiosidade
excessiva do europeu sobre a nudez dos índios, especialmente a das índias,
não é contida e se espalha, ao longo das páginas em, pelo menos, oito
citações diretas. Esses trechos, escritos por um homem que estava há
meses no mar, sem ter contato com mulheres, traem um erotismo aguçado no
olhar: “cabeleiras bem rapadas e feitas”, “vergonhas tão altas e tão
cerradinhas e tão limpas das cabeleiras”, “tão bem feita e tão
redonda a sua vergonha”, “a coxa do joelho até o quadril e a nádega
toda tinta”.
Mas,
ao mesmo tempo, os trechos mostram a cultura cristã européia que envolve
esse mesmo olhar: “vergonhas”, “inocência”:
Assim,
Senhor, que a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria
mais, quanto à vergonha. Ora
veja Vossa Alteza, quem em tal inocência vive, ensinando-lhe o que para
sua salvação pertence, se se converterão ou não?” (Idem, p.
58)
No
olhar do europeu, diante da cultura diferente, pode-se ver a tensão entre
o instinto e a visão religiosa: a parte do corpo das índias que mais o
atrai é justamente aquela que a religião chama de “vergonha”. Para
compreender o costume diferente do outro diante da nudez, o europeu vai
buscar, também na religião, a expressão “inocência”. Em suma, ele
vê a cultura do outro através de valores e expressões de sua própria
cultura: “vergonha” e “inocência”.
O
discurso colonial é essencialmente masculino, uma vez que, sobretudo em
seu início, a colonização foi uma empresa feita por homens. A expressão
“vergonha”, na carta de Caminha, refere-se, na maioria das vezes, ao
sexo das índias e reflete o olhar dividido do europeu sobre si mesmo: de
um lado, a repetição obsessiva dessa expressão indica que ele se vê
atraído por aquele sexo exposto que, por estar nu, lhe parece facilmente
alcançável e oferecido, livre de qualquer restrição cultural nativa;
de outro lado, a palavra com que nomeia esse mesmo sexo exposto,
“vergonha”, manifesta a repressão de sua própria cultura a essa atração
“livre”, fazendo-o ver-se como culpado de um comportamento vergonhoso.
Assim, contraditoriamente, a palavra “vergonha” significa a atração
do sexo nu, sobre o olhar e o instinto do europeu e, simultaneamente, a
culpa e o remorso em que é atirado, por sentir tal atração. Dessa
forma, para justificar a si mesmo a insistência com que seu olhar se
prende no sexo das índias, ele lança mão da “inocência” atribuída
a elas, “E suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência
descobertas”, para argumentar em favor da urgência com que os indígenas
devem ser convertidos ao
cristianismo: “Ora veja Vossa Alteza, quem em tal inocência vive,
ensinando-lhe o que para sua salvação pertence, se se converterão ou não?”.
Em outras palavras, o instinto sexual em excitação do europeu é
reprimido e sublimado pelo desejo missionário de catequese e salvação.
Esse
desejo colonial envergonhado pelo sexo das nativas pode ser visto até
hoje nos apelos eróticos da propaganda turística do Brasil, da Bahia e,
especificamente, em nossa região, através da figura de Gabriela,
personagem criado por Jorge Amado, conforme esse olhar colonial do
europeu. Os países periféricos passaram a funcionar como casas de
prostituição, isto é, lugares onde o europeu se permite a
licenciosidade sexual vergonhosa,
discreta e oculta, num lugar distante e remoto, sem afetar seus costumes
cristãos: “Não existe pecado do lado de baixo do Equador”, como diz uma música
popular.
Além
disso, a cultura brasileira, especialmente na Bahia, apresenta fortes
marcas da cultura africana. No discurso colonial, os negros estão
associados ao estereótipo da “bestial liberdade sexual” (BHABHA,
2003, p. 105). Assim, o Brasil, com suas índias nuas e negras sexualmente
livres, tem fomentado um imaginário eurocêntrico de ser um desses
lugares distantes, “paradisíacos”, onde as relações sexuais
estariam livres de qualquer restrição cultural. No sul da Bahia, esse
estereótipo do discurso colonial foi alimentado pelo personagem Gabriela,
do romance de Jorge Amado, uma mulata que se entrega livremente ao prazer
sexual, sem respeitar qualquer delimitação imposta pelos costumes, nem
mesmo a do casamento formal. Tal personagem, com larga difusão no
exterior por meio do romance, cinema e telenovela, encarna muito mais o
estereótipo colonial da “bestial liberdade sexual” dos negros do que
os valores da cultura popular regional, presa a rígidos padrões
tradicionais de moralidade e de dominação da mulher.
Esse
estereótipo do discurso colonial pode ser visto no discurso híbrido da
tabuleta que Primitivo expõe na Avenida Juracy Magalhães, em Itabuna,
anunciando sua afrodisíaca “batida sex
de cacau”. Por meio de um eco, uma alusão distante, ele insinua,
reafirmando o discurso colonial de uma
visão paradisíaca da nudez selvagem dos índios e da bestialidade
sexual dos negros, mas, ao mesmo tempo, na medida em que toma esse
discurso como pressuposto de uma propaganda comercial, já fragmenta sua
autoridade. A tabuleta, anunciando a bebida afrodisíaca, pode insinuar o
“paraíso”, com índias nuas e negras sexualmente livres, conforme o
discurso colonial, mas, ao mesmo tempo, já desqualifica a autoridade
desse discurso, por tomá-lo como pressuposto de uma propaganda comercial.
É como se um bordel usasse o discurso bíblico em sua fachada: “Deus
perdoa sempre!” A autoridade do discurso bíblico aparece aí cindida:
de um lado, reafirma o perdão divino, mas, de outro, o local e as
circunstâncias em que é dito, sugerem uma ironia, uma chacota, que põe
em cheque a autoridade desse discurso. Assim, quando Primitivo anuncia a
“batida sex de cacau”, ele
pode estar se colocando na corrente secular do discurso colonial do sexo
selvagem e bestial nos países periféricos, mas, o próprio gênero
discursivo em que tal discurso é insinuado, o gênero da propaganda
comercial, provoca uma ruptura na autoridade desse discurso.
O
regional e a globalização
Para
Hall (1997, p. 9), a globalização é um dos processos da modernidade
tardia que mais tem exercido impacto sobre a identidade cultural. Tal fenômeno
tem provocado “o deslocamento-descentração dos indivíduos tanto de
seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos” . O avanço da
indústria cultural de massa no Brasil, TV, cinema, discos fonográficos,
editoras etc. não tem provocado a dominação do mercado interno por
produtos estrangeiros.
As
estatísticas revelam que nos últimos anos cresceu sua cinematografia e a
proporção de filmes nacionais nas telas: de 13,9% 1971 a 35% em 1982. Os
livros de autores brasileiros, que ocupavam 54% da produção editorial em
1973, subiram para 70% em 1981. Também se escutam mais discos e fitas
nacionais, enquanto decaem os importados. Em 1972, 60% da programação de
televisão era estrangeira; em 1983, baixou para 30%. Ao mesmo tempo que
ocorre essa tendência à nacionalização e autonomia da produção
cultural, o Brasil se transforma em um agente muito ativo do mercado
latino-americano de bens simbólicos exportando telenovelas. Como também
consegue penetrar amplamente nos países centrais, chegou a transformar-se
no sétimo produtor mundial de televisão e publicidade, e o sexto em
discos. (CANCLINI, 2000, p. 311)
Nessa
perspectiva, a produção cultural do Shopping
Primitivo pode ser analisada do ponto de vista do seu público externo, os
turistas, e do ponto de vista do seu público interno, os fregueses
cotidianos do restaurante popular. Curiosamente, o próprio nome da loja já
sugere a bipolarização dos tipos de fregueses.
Para
os turistas, conforme já visto, a produção cultural material está
orientada para o regional, com frutas, batidas, churrasqueiras artesanais,
carvão e comida caseira, enquanto a produção cultural simbólica está
submetida ao viés do discurso colonial. Ou seja, as frutas penduradas, as
palhas de banana e a batida sex são produtos culturais da região, articulados num simulacro do
“exótico” nativo, conforme a visão do discurso colonial. O cardápio, estampado em letreiro na porta da loja, Prato
Feito, Cala Boca, Como Pouco e
Biscateiro, faz parte do “exótico”, tendendo ao pitoresco.
Para
os fregueses cotidianos do restaurante popular, a produção cultural
material é constituída de pratos da comida caseira local: frango, fígado,
cozido de músculos, e, aos sábados, sarapatel. A produção cultural
simbólica é constituída pelo cardápio:
Prato Feito, Cala Boca, Como Pouco e Biscateiro; pelo uso de referenciais geográficos da região: galinha
caipira de Itajuípe, carne-de-sol de Itororó e cozido
de Buerarema”; pelos adjetivos usados como slogans
das mercadorias: cozido sem
colestero, banana orgânica e
jaca orgânica; e pelas
qualidades afrodisíacas atribuídas à batida sex
de cacau: “Tome o mel ou a batida de cacau que, de noite, você tá em
cima da véa, igual um bicho!”, diz Primitivo.
Embora
influenciado pela mídia, longe de abrir uma lanchonete de fast
food, Primitivo preferiu a produção cultural regional, seja com seus
clientes locais, seja com os turistas, transformando-se num agente ativo e
exportador da produção
cultural, material e simbólica, de caráter local, seguindo a tendência
de nacionalização e autonomia da produção cultural brasileira. Como
diz ele mesmo: “temos de valorizar o lugar onde vivemos”.
A
produção cultural de Primitivo relativiza o paradigma binário e polar
na análise das relações intcrculturais, isto é, o paradigma segundo o
qual o popular estaria associado ao nacional e em oposição ao
internacional:
(...)
mas a radical alteração dos cenários de produção e consumo, assim
como o caráter dos bens que se apresentam, questiona a associação
"natural" do popular com o nacional e a oposição igualmente
apriorística com o internacional. (CANCLINI, 2000, p. 311)
Na
produção cultural do Shopping Primitivo,
o popular tanto está associado ao nacional quanto ao internacional. As
frutas regionais, como jaca e banana, de consumo popular, penduradas na
porta, e o cardápio,
gerado na barganha com clientes do restaurante popular e transformado
em letreiro pitoresco na porta da loja, se tornam atrativos para os
turistas nacionais e internacionais. Além disso, nessa produção
cultural, tanto na comida caseira e na exposição das frutas, quanto no cardápio
e na batida sex, as classes
populares são as únicas representadas e dela se beneficiam, ao lado dos
turistas.
O culto moderno
A
produção cultural do Shopping Primitivo
tem sido objeto de atenção da mídia local, em artigos de jornal e
reportagens na TV. Ser culto não è apenas ligar-se às vanguardas artísticas
e aos avanços tecnológicos, mas é também incorporar matrizes
tradicionais de privilégio social e distinção simbólica (CANCLINI,
2000, p. 74).
O
interesse da burguesia e de setores médios de Itabuna pela produção
cultural do Shopping Primitivo
pode estar associado a essa noção de “ser culto moderno”, que
implica saber incorporar “matrizes tradicionais de privilégio social e
distinção simbólica”. A batida sex
de cacau, com a sugestão de uma intensa e variada prática sexual,
pertence à “matriz tradicional de privilégio social e distinção simbólica”
dos coronéis do cacau, exaltados por Jorge Amado, no romance Gabriela,
Cravo e Canela, como freqüentadores do bordel Bataclã,
e como amantes inveterados. Assim, tomar a batida sex seria incorporar o privilégio social e a distinção simbólica
tradicionais dos coronéis do cacau, e, dessa forma, ser uma pessoa culta
moderna.
Na
história regional, conforme apresentada no mesmo romance de Jorge Amado,
a “modernização operou poucas vezes mediante a substituição do
tradicional e do antigo”. Ao contrário, todo o processo de modernização
da cidade de Ilhéus, ocorre simplesmente por uma mudança de líder dos
fazendeiros, que deixam de seguir o Coronel Ramiro Bastos, para apoiarem o
exportador Mundinho Falcão. Apesar de alguns momentos de tensão, na luta
pela hegemonia, a “substituição do tradicional e do antigo”, culmina
com a morte natural de Ramiro Bastos e a pacífica adesão dos fazendeiros
à liderança de Mundinho. As classes populares não têm qualquer
participação significativa nessa mudança e não ocorre qualquer revolução,
ruptura ou “substituição do tradicional e do antigo”: o poder
continua nas mãos dos mesmos coronéis,
sob nova liderança.
Mesmo
nas últimas décadas, as famílias tradicionais, descendentes desses
coronéis, ainda vêm mantendo um certo privilégio social e distinção
simbólica. O patrimônio histórico regional, preservado com verbas públicas,
- Bar Vesúvio, Bataclã e Museu da Casa Verde, além de outros -
está voltado, quase exclusivamente, à memória dessa classe
social, tal como descrita, em sua ascensão e auge de poder, por Jorge
Amado, no romance Gabriela, Cravo e
Canela. Ou seja, quase nenhuma vez, na história regional, a modernização
operou mediante a substituição do tradicional e do antigo, mas sempre
mediante transformações homeopáticas que vão reformando, aos poucos, o
tradicional e o antigo, sem rupturas. Distante dos estudos históricos
acadêmicos, a identidade cultural regional, isto é, o ser grapiúna, tem
sua grande narrativa fundadora,
principalmente, no romance Gabriela, de Jorge Amado.
Isso
pode explicar, pelo menos em parte, porque a burguesia e setores médios
de Itabuna, os chamados “cultos modernos”, têm demonstrado um certo
interesse pela produção cultural do Shopping
Primitivo. Na verdade, quase sempre de modo inconsciente, eles
estariam incorporando matrizes tradicionais de privilégio social e distinção
simbólica: freqüentar um lugar rústico,
decorado com palhas de banana e frutas regionais, comer “galinha caipira
de Itajuípe, carne-de-sol de Itororó ou cozido de Itapé” e beber a
batida sex de cacau seria
incorporar o antigo estilo de vida dos coronéis.
Além
disso, a distinção entre “culto” e “popular”, a partir da
segunda metade do século XX, tende a não se fundamentar mais na separação
entre classes, entre elites instruídas e maiorias analfabetas ou
semi-analfabetas. Enquanto a maior parte das classes altas e médias e a
quase totalidade das classes populares vêm sendo submetidas à programação
massiva da indústria cultural, o culto passou a ser uma área cultivada
por facções da burguesia e dos setores médios. (CANCLINI, 2000, p. 88)
Assim,
as classes altas e médias estão divididas entre o consumo do “culto”
e o consumo da programação massiva da indústria cultural. Longe de ser
um produto dessa indústria, o Shopping
Primitivo só pode ser consumido por “facções da burguesia e dos
setores médios”, que cultivam o “culto” das elites, em oposição
ao “popular”, das “maiorias analfabetas ou semi-analfabetas.”
Indagado sobre os tipos de fregueses do seu restaurante, diz Primitivo:
“Hoje os clientes são diversificados: o doutor, o motorista, o mecânico,
o carpinteiro etc.”
A
presença do “doutor” no Shopping
Primitivo pode indicar o interesse das elites “cultas” por um produto
cultural de consumo das classes populares, isto é, um produto com poucas
possibilidades de ser reservado ao consumo exclusivo de minorias, embora
tais elites procurem se diferenciar dos freqüentadores populares, nos
dias, horários e modo como se apropriam dos serviços oferecidos: os
trabalhadores fazem ali sua refeição diária, o turista e o “doutor”
apenas provam o gosto, “comer a farinha na mão, pimenta, carne”.
Identidade
cultural
O
Shopping Primitivo oferece um
complexo de “desorganização-organização” de experiências
temporais, em articulação heterogênea com o social (CANCLINI, 2000, p.
362). Tal como na indústria cultural massiva, o Shopping
estabelece uma relação fragmentada e heteróclita com o social.
O uso de frutas regionais penduradas na
porta da loja, ao mesmo tempo em que remete ao estereótipo do exótico,
no discurso colonial, visto nos chapéus de Carmen Miranda, também nos
traz o debate ecológico contemporâneo sobre o uso de defensivos agrícolas,
por meio das placas: “banana orgânica”, “jaca orgânica” etc. A
“batida sex”, por sua vez,
pode ser vista como um eco tanto da bestialidade sexual nativa, outro estereótipo do discurso colonial,
quanto da publicidade que sugere o turismo sexual, - inclusive com a
figura de Gabriela O cardápio, com “cala boca” e “como pouco”, sugere uma
temporalidade arcaica popular, mas, usado como estratégia de venda, soa
como um recurso moderno de comunicação. Dessa forma, os produtos
culturais do Shopping Primitivo
não são bens “descartáveis”, propondo “relações instantâneas,
temporalmente plenas” e fugazes. Ao contrário, o inusitado de sua
decoração e de seus letreiros “trabalham
sempre dentro de uma tradição, comentando-se
e se auto-referindo constantemente, isto é, estabelecendo uma prática
hermenêutica básica para sua dinâmica de existência, contribuindo,
justamente para a construção de uma memória coletiva” (CANCLINI,
2000, p. 363-364).
O tom arcaico
da decoração rústica do Shopping Primitivo
pode funcionar como “núcleo simbólico” que expressa “formas de
convivência e visões de mundo” do passado regional. As palhas de
banana podem sugerir as antigas festas juninas nas roças de cacau, com
seus caramanchões, e as barracas improvisadas típicas das feiras
populares, de ontem e de hoje, sustentadas por relações sociais do
passado e da atualidade. Hoje, os antigos folguedos juninos são
continuados pelas festas “de camisa”, com bandas eletrônicas. As
feiras populares, no entanto, constituem ainda hoje na região, o maior
espaço de convivência social. Nessa perspectiva,
o Shopping tanto pode levar à utopia de reviver um passado que não
existe mais, como nas antigas festas juninas; quanto pode reafirmar a
cultura regional popular do presente, ao sugerir as feiras populares. Esse
passado popular regional, aparece em Primitivo num processo de
desenvolvimento e transformação. Das antigas formas, integrando um
complexo definido, como as festas juninas e as feiras populares, aparecem
apenas fragmentos, como as palhas de banana, acrescidos de novos
elementos, como o “orgânico” e a batida sex,
numa reformulação interdiscursiva, que gera novos significados em
“interseções do culto e do popular, do nacional e do estrangeiro”,
fugindo das classificações que “normalmente estabelecem as situações
e posições no espaço cultural” (Idem, p. 366).
Considerações
finais
O
Shopping Primitivo adota uma
estratégia de comunicação com os turistas baseada na construção de um
simulacro do imaginário do discurso colonial eurocêntrico. Entretanto,
ao reafirmar esse discurso num contexto de mera propaganda comercial, ele
o hibridiza, isto é, fragmenta sua autoridade pois incorpora nele
o que tal discurso nega: o
olhar e os saberes do colonizado.
A
classificação do Shopping Primitivo
nas categorias de arcaico, residual e
emergente, torna-se problemática
em razão, mais uma vez, da heterogeneidade do seu público. Enquanto pode
ser considerado como residual
pelos clientes turistas, pode também ser visto como emergente pelos seus clientes populares.
O
estereótipo, principal estratégia do discurso colonial, pode estar
reverberando nas estratégias de comunicação do Shopping
Primitivo, como o das frutas tropicais, associadas à imagem colonial exótica
dos países periféricos, numa visão eurocêntrica. Assim, as frutas
tropicais tornam-se um estereótipo das culturas dominadas. Um outro
estereótipo do discurso colonial é a da suposta ausência de restrições
culturais à prática do sexo, entre os povos da Ásia, África e América
Latina. O letreiro do Shopping Primitivo,
anunciando a batida sex, pode
ser um eco desse estereótipo.
A
produção cultural do Shopping Primitivo relativiza o paradigma binário e polar na análise
das relações intcrculturais, isto é, o paradigma segundo o qual o
popular estaria associado ao nacional e em oposição ao internacional. Em
Primitivo, o popular está associado tanto ao nacional, representado pela
sua freguesia cotidiana local do seu restaurante, quanto ao internacional,
representado pelos turistas atraídos pela sua decoração.
Finalmente,
a decoração do Shopping
Primitivo, evocando os caramanchões típicos das festas juninas e as
barracas improvisadas das feiras populares, apresenta-se como uma expressão
da cultura regional, para turistas e fregueses locais.