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Por MARCOS CLAIR BOVO
Professor
colaborador do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de
Maringá, Coordenador Pedagógico de Geografia da Secretaria Municipal de
Maringá, mestre em Geografia pela UEM.
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Interdisciplinaridade e Transversalidade como Dimensões
da Ação Pedagógica
Resumo:
Este
artigo tem por finalidade apresentar uma reflexão sobre a
interdisciplinariedade e transversalidade como dimensões pedagógicas
da ação docente. Na primeira parte, discutiremos a
interdisciplinaridade procurando contextualiza-lá no ambiente
escolar. Em seguida daremos, ênfase à transversalidade sugerida
pelos PCNs e suas propostas para o trabalho do professor, na visão
de diferentes estudiosos.
Palavras-chave:
Interdisciplinaridade, transversalidade. Parâmetros Curriculares
Nacionais.
Abstract
This
article is aimed at reflecting on the intedisciplinarity andon the
transversality as pedagogical dimensions of the teaching action.
At firstt, we argue about interdisciplinarity and we try to
contextualize it in the school environment. Secondly,
we argue about the Parâmetros Curriculares Nacionais (National
Curricular Parameters) and their proposals to help teachers
improve their
teaching. These Parameters are based on different
scientists points of view.
Key
words:
interdisciplinarity, transversality, National Curricular
Parameters |
Inúmeras
vezes, na atividade educacional, temos feito referências à
interdisciplinaridade
e à transversalidade, principalmente por ocasião da elaboração dos
planejamentos escolares anuais. Falamos na integração de disciplinas.
Todavia, nunca chegamos a um consenso. Quase sempre a não efetivação
dessas práticas decorre do equívoco na interpretação dos PCNs e dos
conceitos de interdisciplinaridade e transversalidade. Para discutir essas
duas dimensões do conhecimento, apresentaremos este capítulo em duas
partes. Na primeira parte, discutiremos a interdisciplinaridade,
procurando contextualizá-la dentro do ambiente escolar. No segundo
momento, daremos ênfase à transversalidade sugerida pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais e suas propostas para o trabalho do professor.
Interdisciplinaridade
A
interdisciplinaridade surgiu no final do século XIX, pela necessidade de
dar uma resposta à fragmentação causada pela concepção positivista,
pois as ciências foram subdivididas surgindo, várias
disciplinas. Após longas décadas convivendo com um reducionismo
científico, a idéia de interdisciplinaridade foi elaborada visando
restabelecer um diálogo entre as diversas áreas dos conhecimentos científicos.
No
livro “Práticas Interdisciplinares na Escola”, organizado por Ivani
Fazenda (1993), Ferreira ressalta que no idioma latino
O
prefixo ‘inter’ dentre as diversas conotações que podemos lhes
atribuir, tem o significado de ‘troca’, ‘reciprocidade’, e
‘disciplina’, de ‘ensino’, ‘instrução’, ‘ciência’.
Logo, a interdisciplinaridade pode ser compreendida como sendo a troca, de
reciprocidade entre as disciplinas ou ciências, ou melhor áreas do
conhecimento. (FEREIRA in FAZENDA, 1993, p. 21-22)
Podemos,
entretanto, perceber que a interdisciplinaridade pretende garantir a
construção de conhecimentos que rompam as fronteiras entre as
disciplinas. A interdisciplinaridade busca também envolvimento,
compromisso, reciprocidade diante dos conhecimentos, ou seja, atitudes e
condutas interdisciplinares.
No
entanto, para que o trabalho interdisciplinar possa ser desenvolvido pelos
professores, há que se desenvolver uma metodologia de trabalho
interdisciplinar que implica: na integração dos conhecimentos; passar de
uma concepção fragmentada para uma concepção unitária de
conhecimento; superar a dicotomia entre o ensino e pesquisa, considerando
o estudo e a pesquisa a partir da contribuição das diversas ciências e
um processo de ensino aprendizagem centrado numa visão de que aprendemos
ao longo da vida.
Para
Ivani Fazenda (1994), no seu livro “Interdisciplinaridade: História,
Teoria e Pesquisa”, a metodologia interdisciplinar requer:
uma
atitude especial ante o conhecimento, que se evidencia no reconhecimento
das competências, incompetências, possibilidades e limites da própria
disciplina e de seus agentes, no conhecimento e na valorização
suficientes das demais disciplinas e dos que a sustentam. Nesse sentido,
torna-se fundamental haver indivíduos capacitados para a escolha da
melhor forma e sentido da participação e sobretudo no reconhecimento da
provisoriedade das posições assumidas, no procedimento de questionar.
Tal atitude conduzirá, evidentemente, a criação das expectativas de
prosseguimento e abertura a novos enfoques ou aportes. E, para finalizar,
a metodologia interdisciplinar parte de uma liberdade científica, alicerça-se
no diálogo e na colaboração, funda-se no desejo de inovar, de criar, de
ir além e suscita-se na arte de pesquisar, não objetivando apenas a
valorização técnico-produtiva ou material, mas sobretudo,
possibilitando um acesso humano, no qual desenvolve a capacidade criativa
de transformar a concreta realidade mundana e histórica numa aquisição
maior de educação em seu sentido lato, humanizante e libertador do próprio
sentido de ser no mundo (FAZENDA, 1994, p. 69-70).
Nesse
sentido, a ação pedagógica da interdisciplinaridade aponta para a
construção de uma escola participativa, que deriva da formação do
sujeito social, em articular saber, conhecimento e vivência. Para que
isso se efetive, o papel do professor é fundamental no avanço
construtivo do aluno. É ele, o professor, que pode perceber
necessidades do aluno e o que a educação pode proporcionar ao
mesmo. A interdisciplinaridade do professor pode envolver e instigar o
aluno a mudanças na busca do saber.
A
interdisciplinaridade perpassa todos os elementos do conhecimento
pressupondo a integração entre eles. A interdisciplinaridade está
marcada, ainda por um movimento ininterrupto, criando ou recriando outros
pontos para a discussão.
Diante
disso, podemos afirmar que a
“interdisciplinaridade não se ensina, não se aprende, apenas vive-se,
exerce-se e por isso exige uma nova pedagogia, a da comunicação”
(FAZENDA, 1979, pp. 10-18), nessa perspectiva cabe ao professor, no
momento certo articular teoria e prática, numa forma interdisciplinar sem
contudo perder os interesses próprios de sua disciplina.
Bellini
e Ruiz (1998) em seu artigo “interdisciplinaridade e epistemologia: uma
leitura pela ‘ótica’ piagetiana”, analisam dois pensadores: Jean
Piaget e Edgar Morin. Segundo os autores, para Piaget há “interdisciplinaridade
quando a solução de um determinado problema é buscada recorrendo-se a
diversas disciplinas, ocorrendo reciprocidade capaz de gerar
enriquecimento mútuo” (BELLINI e RUIZ, 1998, p. 55). Na concepção
de Edgar Morin podemos entender que “interdisciplinaridade
como decorrente de uma atitude intelectual não-simplificadora de
abordagem da realidade. Essa atitude implica em admitir que em cada situação
existem múltiplas variáveis interferindo simultaneamente” (BELLINI
e RUIZ, 1998, p. 55).
Os
autores analisam os dois pensadores e procuram através da reflexão,
discutir as possibilidades e limites do pensamento interdisciplinar no
ensino formal.
A
reflexão sobre a interdisciplinaridade na escola, precisa nascer do
pensamento sobre o pensamento que orienta o fazer educacional.
Identificando as crenças epistemológicas que orientam o seu fazer e,
nesse processo, buscar eliminar os procedimentos destinados a economizar
pensamento, nascendo daí, talvez, uma cultura escolar que privilegie o
direito de pensar (BELLINI e RUIZ, 1998, p. 63-64).
Nesse
sentido, os autores questionam: “É possível a interdisciplinaridade na
escola?” Para Ruiz e Bellini é possível, mas o principal problema é a
cultura escolar, na qual o educando aprende do mais simples para o mais
complexo, com avanços lentos que exigem pouco pensamento. Então é
necessário superar essa cultura, ter uma visão mais ampla, e não
fragmentada, para isso é preciso que a escola torne-se um espaço de
pensamento, acabando com a fragmentação do conhecimento, pois somente
assim teremos uma cultura interdisciplinar.
Como
sabemos, os PCNs diferenciam a transversalidade e a interdisciplinaridade.
A
interdisciplinaridade é definida nos PCNs como a dimensão que
(...) questiona a
segmentação entre os diferentes campos do conhecimento produzida por uma
abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre
eles, questiona a visão compartimentada (disciplinar) da realidade sobre
a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constituiu
(BRASIL, 1998, p. 30).
Já
a transversalidade diz respeito a:
... à possibilidade de
se estabelecer, na prática educativa uma relação entre aprender
conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e
as questões da vida real e de sua transformação (aprender a realidade
da realidade) (BRASIL, 1998, p. 30).
Se
tomarmos as afirmações de Japiassu (1976), como referências veremos que
a interdisciplinaridade consiste em um trabalho comum, tendo em vista a
interação de disciplinas científicas, de seus conceitos básicos,
dados, metodologias, com base na organização cooperativa e coordenada do
ensino. Trata-se do redimensionamento epistemológico das disciplinas
científicas e da reformulação total das estruturas pedagógicas de
ensino, de forma a possibilitar que as diferentes disciplinas se interajam
em um processo de intensiva reflexão.
Essa
concepção pressupõe educadores imbuídos de um verdadeiro espírito crítico,
aberto para a cooperação, o intercâmbio entre as diferentes
disciplinas, o constante questionamento ao saber arbitrário e
desvinculado da realidade. Por outro lado, exige a prática de pesquisa, a
troca e sistematização de idéias, a construção do conhecimento, em um
processo de indagação e busca permanente. Mas, acima de tudo, pressupõe
a clareza dos fins, a certeza dos objetivos da interdisciplinaridade. À
medida que fica claro o seu sentido com a prática que possibilita a
escola investir coletivamente na elaboração de conhecimentos
significativos, torna-se possível uma nova atitude pedagógica e a luta
pela reformulação das estruturas de ensino.
Portanto,
a transversalidade e a interdisciplinaridade são nesse sentido, modos de
trabalhar o conhecimento que visam reintegração de dimensões isoladas
uns dos outros pelo tratamento disciplinar. Com isso, pretendemos
conseguir uma visão mais ampla da realidade que, tantas vezes, aparece
fragmentada pelos meios de que dispomos para conhecê-la.
A
interdisciplinaridade permite questionar a fragmentação dos diferentes
campos de conhecimento. Nessa perspectiva, procuramos tecer os possíveis
pontos de convergência entre as várias áreas e a relação epistemológica
entre as disciplinas. Com a interdisciplinaridade adquirimos mais
conhecimentos dos fenômenos naturais e sociais, que são normalmente
complexos e irredutíveis ao conhecimento obtido quando são estudados por
meio de uma única disciplina. As interconexões que acontecem nas
disciplinas facilitará a compreensão dos conteúdos de uma forma
integrada, aprimorando o conhecimento do educando.
Existem
temas cujo estudo exige uma abordagem particularmente ampla e
diversificada, que foram denominados temas transversais que tratam de
processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas
comunidades, pelas famílias, pelos alunos e educadores em seu cotidiano.
São discutidos em diferentes espaços sociais, em busca de soluções e
de alternativas, confrontando posicionamentos diversos tanto em relação
a intervenção no âmbito social mais amplo quanto a atuação pessoal. São
questões urgentes que interrogam sobre a vida humana, sobre a realidade
que está sendo construída e que demandam transformações macro-sociais
e também atitudes pessoais, exigindo, portanto, ensino e aprendizagem de
conteúdos relativos a essas duas dimensões. Estes temas envolvem um
aprender sobre a realidade e da realidade, destinando-se também a um
intervir para transformá-la. Na verdade, os temas transversais prestam-se
de modo muito especial para levar à prática a concepção de formação
integral da pessoa.
Ao
referirmos ao ensino de Geografia no final do século XX e início do século
XXI, esta vem deixando de ser uma ciência de síntese e vem buscando a
interdisciplinaridade com outras ciências sem perder sua identidade.
Nesse sentido o Parâmetro Curricular Nacional de Geografia ressalta que
ao pretender o estudo das paisagens, territórios, lugares e regiões, o
professor poderá exercer uma relação da Geografia com a Literatura,
proporcionando um trabalho que provoca interesse e curiosidade sobre a
leitura desse espaço. Dessa forma podemos aprender Geografia mediante a
leitura de autores brasileiros consagrados (Érico Veríssimo, Graciliano
Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa e outros), cujas obras retratam
diferentes paisagens do Brasil, em seus aspectos sociais, culturais e
naturais. Também as produções musicais, a fotografia e até mesmo o
cinema são fontes que podem ser utilizadas por professores e alunos para
obter informações, comparar, perguntar e inspirar-se para interpretar as
paisagens e construir conhecimentos sobre o espaço geográfico.
A
Geografia ao trabalhar noções e conceitos de natureza e sociedade poderá
articulá-los por meio da interdisciplinaridade, pois não é muito
correta a separação entre ciências do homem e da natureza, pois o
homem, como animal, faz parte da natureza em que vive, lutando
permanentemente com ela, transformando-a de acordo com os seus interesses.
Nesse sentido cabe um trabalho relacionando Geografia Física e Geografia
Humana.
Além
disso, a Geografia pode articular de forma interdisciplinar com a História
e Economia, para tratar de questões ligadas aos processos da formação
da divisão internacional do trabalho e da formação dos blocos econômicos.
O estudo da espacialização dos problemas ambientais possibilita uma
interação com a Biologia, Química, Economia, Ecologia etc. Nesse
sentido percebemos que a Geografia é uma disciplina que tem um caráter
interdisciplinar, que a relaciona às demais ciências, pois o espaço é
interdisciplinar.
Transversalidade
O
Ministério da Educação e Desporto (MEC) do Brasil, está promovendo
desde 1995 um debate a nível nacional referente aos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), que é uma
proposta de conteúdos que referenciem e orientem a estrutura
curricular do sistema educacional do país.
A
maior ênfase desse documento são os ‘Temas transversais’:
Ética, Meio Ambiente, Educação Sexual, Pluralidade Cultural, Saúde,
Trabalho e Consumo. No livro “Temas Transversais em Busca de uma Nova
Escola” de Rafael Yus, (1998) p. 17, encontramos a seguinte definição
de temas transversais:
Temas
transversais são um conjunto de conteúdos educativos e eixos condutores
da atividade escolar que, não estando ligados a nenhuma matéria
particular, pode se considerar que são comuns a todas, de forma que, mais
do que criar novas disciplinas, acha-se conveniente que seu tratamento
seja transversal num currículo global da escola. (YUS, 1998, p. 17)
Sendo
assim, esses temas expressam conceitos e valores fundamentais à
democracia e à cidadania e correspondem a questões importantes e
urgentes para a sociedade brasileira de hoje, presentes sob várias formas
na vida cotidiana. São amplos o bastante para traduzir preocupações de
todo o país, são questões em debate na sociedade atual.
Diante
desse contexto optou-se por integrá-las no currículo por meio do que se
chama transversalidade,
ou seja, pretende-se que “esses
temas integrem as áreas convencionais de forma a estarem presentes em
todas elas, relacionando-os às questões da atualidade e que sejam
orientadores também do convívio escolar” (BRASIL, 1998, p. 27).
O
que significa trabalhar transversalmente esses temas?
Na
apresentação do seu livro “Temas Transversais em Educação: bases
para uma formação integral” de Maria Dolors Busquets, o educador
Ulisses Ferreira de Araújo ressalta que:
... entende que os
conteúdos curriculares tradicionais formam um eixo longitudinal do
sistema educacional e, em torno dessas áreas de conhecimento, devem
circular, ou perpassar, transversalmente esses temas, mais vinculados ao
cotidiano da sociedade. Assim, nessa concepção, se mantém as
disciplinas que estamos chamando de tradicionais do currículo (como a
Matemática, as Ciências e a Língua), mas os seus conteúdos devem ser
impregnados com os temas transversais (BUSQUETS, 2000, p. 13).
Com
base na citação anterior, o educador aborda três formas diferentes de
entender como deve ser a relação entre os conteúdos tradicionais e os
transversais, que são:
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Entender
que essa relação com os temas transversais deve ser intrínseca, ou
seja, não tem sentido existir distinções claras entre conteúdos
tradicionais e transversais;
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Entender
que a relação com os temas transversais pode ser feita pontualmente,
através de módulos ou projetos específicos, ou seja, priorizando o
conteúdo específico de sua área de conhecimento, mas abriria espaço
também para outros conteúdos;
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Conceber
essa relação e integrar interdisciplinarmente os conteúdos
tradicionais e os temas transversais. Nesse sentido a transversalidade
só faz sentido dentro de uma concepção interdisciplinar do
conhecimento.
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Diante
disso podemos perceber que há diferentes formas de trabalhar com os
temas transversais, mas o que há em comum é que todas elas mantêm
disciplinas curriculares tradicionais como eixo principal
dentro do sistema educacional, trabalhar os temas transversais em
torno de cada área do conhecimento.
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Nos
Parâmetros Curriculares são quatro as propostas quanto a organização
dos conteúdos a serem trabalhados na transversalidade, que são as
seguintes:
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Os
temas não constituem novas áreas, pressupondo um tratamento
integrado nas diferentes áreas.
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A
proposta de transversalidade traz a necessidade de a escola refletir e
atuar conscientemente na educação de valores e atitudes em todas as
áreas, garantindo que a perspectiva político-social se expresse no
direcionamento do trabalho pedagógico, influencia a definição de
objetivos educacionais e orienta eticamente as questões epistemológicas
mais gerais das áreas, seus conteúdos e, mesmo, as orientações didáticas;
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A
perspectiva transversal aponta uma transformação da prática pedagógica,
pois rompe o confinamento da atuação dos professores às atividades
pedagogicamente formalizadas e amplia a responsabilidade com a formação
dos alunos. Os Temas Transversais permeiam necessariamente toda a prática
educativa que abarca as relações entre os alunos, entre os
professores e alunos e entre diferentes membros da comunidade escolar;
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A
inclusão dos temas implica a necessidade de um trabalho sistemático
e contínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que possibilitará
um tratamento cada vez mais aprofundado das questões eleitas...
(BRASIL, 1998, p. 28-29).
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Tomamos
como ponto de partida as idéias de Moreno (in BUSQUETS, 2000, et al.
p 39) que defende uma abordagem construtivista dos temas transversais.
Para ela,
(...) o verdadeiro
conhecimento é aquele que é utilizável, é fruto de uma elaboração
(construção) pessoal, resultado de um processo interno de pensamento
durante o qual o sujeito coordena diferentes noções entre si,
atribuindo-lhes um significado, organizando-as, relacionando-as com outros
anteriores. Este processo é inalienável e intransferível, ninguém pode
realizá-lo por outra pessoa (MORENO in BUSQUETS et al. 2000, p. 39).
Neste
contexto o ensino contribui para novos conhecimentos, facilita o acesso a
novas aprendizagens e estratégias intelectuais que serão úteis para
aprendizagens futuras, para a compreensão de situações novas e de
propostas para soluções de problemas do educando.
Nessa
perspectiva, MORENO (In BUSQUETS et al.,
2000) comenta:
Os temas transversais,
que constituem o centro das atuais preocupações sociais, devem ser o
eixo em torno do qual devem girar a temática das áreas curriculares, que
adquirem assim, tanto para o corpo docente como para os alunos, o valor de
instrumentos necessários para a obtenção das finalidades desejadas.
(MORENO in BUSQUETS et al., op.cit.,2000 p. 37)
Assim,
Moreno (In BUSQUETS, op.cit.), propõe um conceito totalmente diferente de
ensino, que permitira encarar as disciplinas atualmente obrigatórias do
currículo não mais como fins em si mesmas, mas como “meio” para
atingir outros fins, mais de acordo com os interesses e necessidades da
maioria da população. Os temas transversais seriam trabalhados nessa
perspectiva.
Essas
transformações da realidade escolar precisam passar necessariamente por
uma mudança de perspectiva, na qual conteúdos escolares tradicionais
deixem de ser encarados como “fins” na educação. Eles devem ser
“meio” para a construção da cidadania e de uma sociedade mais justa.
Esses conteúdos tradicionais só farão sentido para a sociedade se
estiverem integrados em um projeto educacional que almeje o
estabelecimento de relações interpessoais, sociais e éticas de respeito
às pessoas, à diversidade e ao meio ambiente. Nesse sentido, comenta
MORENO (In BUSQUETS et al.2000,)
sobre o processo de aprendizagem.
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O
ponto de partida, ou seja, as idéias dos alunos e alunas têm sobre a
temática a estudar e que constituem uma espécie de moldes através
dos quais eles formam e dão sentido às novas informações.
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 |
O
caminho a seguir, constituído pelos diferentes passos ou processos na
aprendizagem.
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A
importância de que os alunos atribuam um significado às
aprendizagens propostas que seja apreciável para eles. (MORENO In
BUSQUETS et al., op.cit. p.
42)
|
O
educando traz para a escola o seu próprio conhecimento de espaço de sua
vivência. Ele é enriquecido das relações construídas junto à família,
ao grupo de amigos e à comunidade. Esse conhecimento deve ser trabalhado
pelo professor como ponto de partida
nas diferentes áreas do conhecimento escolar.
Diante
das pontuações de MORENO (In. BUSQUETS et al op.cit.) é necessário dizer que é vital ao professor conhecer como as
crianças e jovens compreendem várias dimensões de seu mundo. Como
exemplo, podemos falar do relato que a autora faz sobre a compreensão de
um garoto do seguinte problema de Matemática.
Um senhor compra um terreno e constrói uma casa em
cima dele. O terreno custa R$ 6.882,00, e a casa seis vezes mais. Quanto
gastou ao todo?’ No dia seguinte, ela constata com desespero que só um
aluno conseguiu resolver corretamente o problema. Sua surpresa é grande,
porque seus alunos e alunas resolviam com grande facilidade problemas de
adição e, recentemente, tinham aprendido a resolver problemas de
multiplicação. Tratava-se apenas de combinar ambas as operações, e
este tão estrepitoso fracasso não tinha o porque ocorrer. Desolada,
resolveu pedir ao único aluno que tinha acertado que explicasse para o
resto da classe como tinha resolvido o problema, pensando que talvez ele
saberia se fazer compreender melhor do que ela. O brilhante aluno
aproximou-se da lousa e, segurando o giz, começou a explicar: “Era um
homem que comprou uma vaca e construiu uma casa em cima dela...” Como,
uma vaca?, interrompeu a professora assombrada. “Bem..., uma vaca ou um
ternero,
tanto faz, tanto faz...” O fato de se tratar de um “terrano” ou de
um “ternero” carecia de importância para aquele aluno, pois para ele
ambas as coisas estavam enormemente distante
da sua realidade cotidiana. Parecia ter desistido de aplicar a lógica do
bom senso, em prol do “pensamento acadêmico” que costuma conter
tantos mistérios para quem sente como vindo de fora... (MORENO In BUSQUETS et al., 2000, p. 48-49).
Esse
exemplo demonstra que no ensino é preciso considerar a dupla ou mais
dimensões da aprendizagem de crianças e jovens. A compreensão, as noções
das realidades físicas e biológicas, social entre outras decorrem de uma
construção temporal. Assim, a aprendizagem escolar é a aprendizagem do
dia a dia do educando nas ruas, na família e em seu ambiente escolar
devem ser levadas em consideração pelo professor durante o ensino e
aprendizagem.
Na
escola, se o professor conhece essa dinâmica de construção do
conhecimento, ele poderá intervir de modo a facilitar e ou ampliar o
caminho de seus alunos. A sua ação como docente poderá priorizar a
descoberta, a dúvida, as perguntas, as formulações e elaboração
intelectual e evitar a memorização, a repetição de conteúdos
esvaziados de significados. Nesse sentido os temas transversais podem
proporcionar um vínculo entre o científico e o cotidiano.
Na
concepção de MORENO (In BUSQUETS et al., op. cit.) o conhecimento se dá
por meio de uma aprendizagem que:
Caracteriza-se por desencadear processos mentais
que ampliam a capacidade intelectual e de compreensão do indivíduo,
assim, quando é dado e esquecido, a função adquirida permanece, e, com
ela, a possibilidade de readquiri-lo facilmente. Isso não significa, de
modo algum, que rejeitamos a memorização de certos dados necessários,
pois também é importante exercitar esta função, mas que devemos fazê-lo
dentro de um contexto, porque os dados descontextualizados carecem de
sentido e são esquecidos muito mais rapidamente do que o caso de fazerem
parte de um conjunto organizado de pensamento, sendo muito deles inferíveis
a partir do conjunto que lhe outorga um significado.
(MORENO
In BUSQUETS, et al 2000, p. 49)
As
idéias de MORENO (In BUSQUETS et al., op. cit.) indicam-nos que os temas
transversais e o projeto curricular da escola devem estabelecer um tema
eixo que norteará todos os demais temas transversais bem como todas as áreas
do conhecimento.
Em
nossa perspectiva, entendemos que, no Brasil, a Ética,
seria significativa como eixo norteador dos outros temas para serem
trabalhados numa perspectiva transversal. Entretanto para transformar os
temas transversais em eixos que estruturam a aprendizagem e a adequação
dos objetivos dos conteúdos marcados pelo currículo em cada etapa da
escola, é necessário considerar a realidade educativa, marcada pelo
ambiente sócio cultural predominante no meio onde os alunos estão
inseridos.
Segundo
o PCN o “convívio social e ética”
surgem para reafirmar a função social de a escola formar cidadãos
capazes de intervir criticamente na sociedade. Para tal é importante que
o currículo contemple temas sociais atuais e urgentes que não estão,
necessariamente, presentes explicitamente nas áreas tradicionais do currículo.
Estes temas aparecem transversalizados nas áreas já existentes, isto é,
permeando-as no decorrer de toda a escolaridade obrigatória e não
criando uma nova área (Brasil, 1997).
Na
opinião de Gonzáles Lucini (1994 apud
YUS, 1998, p. 67) é preciso um projeto a
partir de valores como parte essencial do processo educativo da escola por
meio de uma perspectiva moral e ética. No projeto os temas justiça,
solidariedade, igualdade, vida, saúde, liberdade, tolerância, respeito,
paz e responsabilidade são valores presentes em todos os temas
transversais, pois apresentam conteúdos atitudinais
(valores, atitudes e normas).
Nos
Parâmetros Curriculares Nacionais, podemos dizer, que estão sugeridos os
temas Meio Ambiente, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Trabalho e
Consumo, constituídos pela ‘Ética’. É nesse sentido que enfatizamos
a ética como tema transversal nuclear. A Ética é o tema transversal
nuclear inseridos em todas as disciplinas e que impregna todos os demais
temas transversais, contribuindo para a concretização do ensino e da
aprendizagem.
Podemos
afirmar que em todos os temas transversais há
dimensão de valores. Diante dessa perspectiva, poderíamos propor
um projeto de humanização escolar ou seja, um projeto ético para o
presente e futuro de nossos alunos; compromisso ou desafio solidário e
que seja compartilhado por toda comunidade educativa.
Nesse
contexto podemos falar de temas transversais para verificar a presença da
ética como tema eixo. Por exemplo:
a)
Meio
Ambiente. Para administrar a
problemática do lixo, é necessária uma combinação de metas, que vão
da redução dos rejeitos durante a produção, até as soluções técnicas
de destinação, como a reciclagem, a compostagem, o uso de depósitos,
etc. Entretanto para que esse processo ocorra é preciso que condutas
valorativas estejam presentes nos educandos e no educador para desenvolver
atitudes de compromisso com o ambiente.
b)
Saúde:
A analise das condições de vida da população brasileira a partir de
informações como níveis de renda, taxa de escolarização, saneamento básico,
diversidade no acesso ao lazer e ao serviço de saúde é uma forma de
verificar as associações entre qualidade de vida e saúde. Nesse sentido
também é preciso adoção
de condutas éticas nos educandos e no educador.
Após
termos estabelecido as prioridades a serem desenvolvidas com o projeto
curricular da escola, devemos estipular as metas a curto e médio prazos
para planejar a metodologia de trabalho docente.
MORENO
(In BUSQUETS et al., 2000) salienta que os professores ao programarem suas
aulas precisam desenvolver técnicas e procedimentos didáticos que
permitam levar à aprendizagem,
“(...)
se os temas transversais forem
tomados como fios condutores dos trabalhos da aula, as matérias
curriculares girarão em torno deles, desta forma transformar-se-ão em
valiosos instrumentos que permitirão desenvolver uma série de atividades”
(MORENO In BUSQUETS, et al., op. cit., p. 53).
Para
uma melhor compreensão de transversalidade é necessário uma análise do
documento de cada um dos temas transversais, a fim de identificar
elementos que possam ser instigadores, para o professor, no sentido do
ensino do tema, bem como do seu trabalho ou, ao contrário, identificar
elementos que possam atuar como limitadores do encontro desse sentido.
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