Por SANDRA MARIA PEREIRA DO SACRAMENTO

Professora Titular de Teoria da Literatura da Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC; Integrante do Grupo de Pesquisa  Identidade Cultural e Expressões Regionais –ICER; Coordenadora do Mestrado em Cultura e Turismo. Sandra Maria Pereira do Sacramento é professora Titular de Teoria da Literatura da Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus-Ba. Premiada na categoria ensaio do 4º Festival Universitário de Literatura, Xerox/Livros Aberto, São Paulo, em 2001. Publicou os livros: O perfil feminino na Obra de José Lins do Rego: Opressão e discernimento. São Paulo: Livro Aberto,2001 e Nação, identidade e gênero na literatura brasileira . Rio de Janeiro: Caetés,2004.

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Viagem e turismo cultural

Sandra Maria Pereira do Sacramento

   

 

Um dia

Ainda eu hei de morar nas terras do fim do mundo.

Cobra Norato Raul Bopp

 

Resumo:

Este trabalho vincula o tema viagem ao turismo cultural, na medida em que países colonizados, como o Brasil, superaram  a condicionante existencial que estabelecia uma cartografia balizadora capaz de não levar em conta a alteridade.

Palavras-chave: Turismo cultural – Alteridade e Literatura.

Abstract

This work ties to the subject trip with the cultural tourism, in the measure where colonized countries, as Brazil, had surpassed the existencial condicionante that established a cartography maker capable not to take in account the alteridade

Key-Words: Cultural tourism - Alteridade and Literatura

 

Odisséia - Cavalo de Tróia1. A recorrência do tema viagem na literatura

Os estudos acerca da identificação de identidades  em culturas de países colonizados, como o Brasil, lidam, a partir do arcabouço teórico dos estudos culturais e pós-coloniais, dimensionando as nossas idiossincrasias , em uma perspectiva de dispersão, contrária às abordagens passadas  centradas em um conceito de brasilidade que em nada nos representava.

O tema da viagem na literatura esteve presente desde as produções da Antigüidade. Na epopéia homérica Odisséia, encontramos a narração das desventuras de Ulisses em sua volta a Ítaca. Após a guerra de Tróia, Odisseu singrou os mares por vinte anos até chegar à sua terra natal, tendo passado por toda sorte de intempéries; entretanto, como a fase retratada encerra um cunho mítico-trágico, o herói agia movido pelo comando dos deuses pagãos, nunca questionados, que lhe conduziam o caminho. Nesta dimensão, o herói encarna a noção de super-homem (Übermensch) nietzschiana. Para Nietzsche, em Genealogia da moral (1988) e em   Além do bem e do mal (1992), a divisão entre o pensamento trágico-mítico e o racional socrático-platônico instaurou a moral dos escravos, de rebanhos, dos homens acovardados, porque renega a vida, na medida em que subjuga os instintos em nome da paz e do repouso; tornando-os assim enfraquecidos, ressentidos e impotentes diante da vida. Essa moral é falsa e subsidiou a tradição religiosa judaico-cristã.

A questão mítica em Homero justifica-se no pensamento pré-racional e refuta o conceito dualista entre bem/mal, pois bom e belo são os heróis protegidos pelos deuses, uma vez que estão condicionados à Moira ou Destino. Mesmo fora de equilíbrio psíquico, Agamenon reconhece o domínio da vontade divina como condutora de seu destino:Ninguém me lançará ao Hades contra as ordens do destino! Garanto-te que nunca homem algum, bom ou mau, escapou ao seu destino, desde que nasce.

Assim, o herói não possuía vontade pessoal, uma vez que lhe faltava o livre-arbítrio, preso ao racional. Por outro lado, o homem-fera, domesticado pelo ascetismo, condicionado ao controle racional das paixões, torna-se desconfiado. Por isso, Nietzsche propõe uma perspectiva além do bem e do mal, entretanto: “A dimensão das forças, dos instintos, da vontade de potência, permanece fundamental. O que é bom ? Tudo que intensifica no homem o sentimento de potência, a vontade de potência, a própria potência. O que é o mau? Tudo que provém da fraqueza”. (MACHADO, 1984, p.77)

Nesta perspectiva, mau é o desprezível e não o troiano inimigo. Na Odisséia, como na Ilíada também, todos os valores correntes na época se fazem presentes. Têm uma função didática e estão comprometidas com os referenciais gregos da civilização micênica, que vai do segundo milênio a. C ao século XII a. C, ligada à importância da cidade de Micenas. O espaço relatado evoca o estabelecimento dos gregos na costa da Ásia, do mundo conhecido, não indo a viagem além do Mar Egeu. Tal período forma simbolicamente o imaginário ideológico dos conquistadores helenos e sua empresa expansionista. O mundo grego do período micênico, narrado por Homero, circunscrevia-se a pequenos e grandes reinos de Esparta, Atenas, Pilos, Micenas e Tebas. Estes eram independentes, com o poder centralizado em grandes palácios, subordinados ao reino de Agamenon, em Micenas.

Antes de alcançar as praias da Feácia, para finalmente encontrar sua esposa Penélope e seu filho Telêmaco, Odisseu sofre o seu último impedimento imposto por Poseidon, uma vez que o guerreiro havia cegado o único olho de seu filho, o Ciclope Polifemo.

Mal terminara de falar, descomunal vaga desprendendo-se sobre ele, atingiu a jangada e a voltou. Ulisses foi arrojado longe da embarcação, e deixou o leme fugir das mãos; o mastro fendeu-se em dois, devido à terrível violência dos ventos, que de todos os lados o acossavam , e espalharam ao longe os restos; o castelo da popa desmoronou-se no mar. (HOMERO,1979, p.56)

Entretanto, Odisseu se salva com a interferência da ninfa Ino que lhe oferece um véu com o qual deveria cingir sua cintura. Esse assim o faz, abandonando o barco e nadando por dois dias até a foz de um rio, quando finalmente encontra a praia. Antes, porém devolve o véu ao mar para que a ninfa pudesse recolhê-lo.

No início da Idade Moderna, há a expansão da cartografia planetária e Os Lusíadas de Luís de Camões promovem o mapeamento etnográfico e político, preso ao ideário do metalismo corrente. Os Lusíadas narram a viagem de Vasco da Gama às Índias, dimensionando a ampliação dos domínios portugueses na Ásia e, posteriormente, na África, legitimando o Absolutismo e os interesses europeus, postos sobre as terras recém-alcançadas. Em narração in medias res, tomamos contato com o início da viagem, relatada, após esta já estar em pleno desenvolvimento.

Já no largo Oceano navegavam,

As inquietas ondas apartando:

Os ventos brandamente respiravam,

Das naus as velas côncavas inchando; (Canto 1; estância 19)

 

A frota segue no Mar Índico, próximo a Madagascar, e chega a Moçambique. Ainda que o governador de Moçambique trabalhasse  contra os portugueses, e contasse com o apoio de Baco, entretanto, os lusos saem vitoriosos. Continuam a viagem, contornando Quiloa e chegam a Mombaça.

No mar, tanta tormenta e tanto dano,

Tantas vezes a morte apercebida;

Na terra, tanta guerra, tanto engano,

Tanta necessidade aborrecida!  (Canto 1, estância 106)

 

É interessante notar que a visão do outro se faz presente  em Os Lusíadas.No Canto 2, quando a armada ancora em Mombaça, o rei manda a seguinte mensagem aos viajantes:

E porque está em extremo desejoso

De te ver, como cousa nomeada,

Te  roga que, de nada receoso,

Entres  a barra, tu com toda a armada. ( estância 3)

 

Ser cousa nomeada é ser conhecida. De alguma forma o  rei conhecia o espaço delimitado por seu reino e o contato com a esquadra significava a ampliação do limite territorial. Em outra passagem, já na canto 4, reportando à saída da Torre de Belém, aparece o Velho do Restelo. Essa fala alinha-se à voz da alteridade, que vislumbra outra intenção dos navegadores, além da expansão da fé e a suposta correção civilizatória que soia aos povos que se encontravam mais avançados como os europeus. Camões na Proposição de Os Lusíadas coloca as intenções virtuosas do povo lusitano:

As armas e os Barões assinalados

Que, da Ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca dantes navegados

Passaram ainda além da Trabobana,

Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram:

 

E também as memórias gloriosas

Daqueles Reinos que forma dilatando

A Fé, o império e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando.

E aqueles que por obras valorosas

Se vão da lei da Morte libertando:

 

Ora, o povo civilizador detém todos os atributos  hegemônicos do etnocentrismo. Suas obras são valorosas, dilataram a Fé e o império, enquanto que  as terras viciosas de África e de Ásia necessitavam de correção. Essa empreitada ensejou a expansão colonialista do mercantilismo e do imperialismo, não menos colonialista, do capitalismo. Sua duração foi estendida à guerra fria, após a Segunda Guerra Mundial; quando o neo-colonialismo se impôs, disseminando o american way of life .

Tal visão, porém, ganha em Montaigne, em seus Ensaios um distanciamento do referencial imposto pelo colonizador diante do novo. Montaigne critica a certeza racionalista do logos vigente e, ao colocar suas indagações em forma de ensaios, instaura também uma nova forma de pensar o mundo que dispensa  o definitivo dos discursos hegemônicos e funda a noção de incompletude.

Em A arte de viajar, o relativismo cultural se faz presente porque, para ele, cada uso tem a sua razão e adverte: Penso que há mais barbárie em comer um homem vivo do que morto, em destroçar por tormentos e torturas um corpo cheio de sentimentos. (cap.xxxi,p.239). Entretanto, Todorov insiste em encontrar uma aporia no pensamento de Montaigne, na medida em que este utiliza o termo bárbaro, tanto do ponto de vista positivo e histórico, quanto negativamente e ético, isto é, aquele capaz de causar o mal por sua crueldade. Subjacente ao texto de Camões, encontramos aquilo que Said afirma em Cultura e Imperialismo ( 1995):

Na expansão dos grandes impérios ocidentais, o lucro e a perspectiva de mais lucro foram, evidentemente, de enorme importância, como provam amplamente os atrativos das especiarias, açúcar, escravos, borracha, algodão, ópio, estanho, ouro e prata ao longo dos séculos.(p.41)

Tal mecanismo ideológico radicava-se na necessidade de construção imaginária da realidade, como viu Benedict Anderson, em Comunidades Imaginadas (2001), cujos efeitos influenciadores exerceram, subsidiariamente, um instrumento precioso para a interpretação histórica das terras recém-descobertas, empenhada em cimentar uma consciência coletiva de pertencimento. Ainda em Os Lusíadas, fazemos menção à cena idílica da Ilha dos Amores, quando os navegadores folgam com as nereidas, no retorno da Índia:

Três formosos outeiros se mostravam

Erguidos som soberba graciosa,

Que de gramíneo esmalte se adornavam,

Na formosa ilha alegre e deleitosa. ( Canto 9, estância 54)

 

E Vasco da Gama é conduzido por Tétis a um monte em amorosa  entrega:

Sereis entre os Heróis esclarecidos

E nesta Ilha de Vênus recebidos. ( Canto 9, estância 95)

 

Mesmo que o relato guarde a dimensão do maravilhoso pagão, há  toda uma pronta acolhida aos grandes feitos heróicos, com a recepção das deidades marinhas a conduzi-los à ira honesta (Canto 9, estância 83). A permanência desse discurso vai se manter na literatura informativa de viagem do início da nossa colonização. Tanto na Carta de Caminha, no Tratado da Terra do Brasil de Pero de Magalhães Gândavo, no Tratado da terra e gente do Brasil de Fernão Cardim, como em História da América portuguesa de Rocha Pita encontramos uma leitura pormenorizada do local e de seus muitos atrativos  à espera de alguma intervenção.

Em nenhuma outra região se mostrou o céu mais sereno, nem madrugada mais bela a aurora; o sol em nenhum  outro hemisfério tem raios tão dourados, nem reflexos noturnos tão brilhantes; (... ) é enfim o Brasil terrenal Paraíso descoberto, onde têm nascimento e cursos os maiores rios, domina salutífero clima, (...), que fazem fértil e povoado de inúmeros habitantes. (PITA,1965:12)

Não menos paradisíaca é a terra descrita pelos demais. Quanto aos seus habitantes, estes foram definidos sempre pela falta, pelo exotismo de seus costumes se comparados aos do europeu.

[...] E em tal maneira é graciosa que querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que vossa alteza em ela deve lançar. (Pero Vaz de Caminha) ( grifo nosso )

A formação discursiva se repete também em Gândavo:

A língua deste gentio toda plea Costa he, huma: carece de três letras – scilicet , não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente.Estes índios andão nus sem cobertura alguma, assi machos como fêmeas, não cobrem parte nehuma de seu corpo, e trazem descoberto  quanto a natureza lhes deu. [...] ( 1980:18)

Todorov, em Nous et les outres (1989), fala acerca do paradoxo constitutivo que caracteriza o olhar europeu diante da terra recém-descoberta. Trata-se de um conhecimento meramente superficial que não caracteriza de fato aquilo que lhe era desconhecido. Por isso, contradições nos enfoques se fazem presentes, sendo o índio, muitas vezes, elogiado e, ao mesmo tempo, chamado de selvagem (aquele que habita a selva), mas também de canalha e de muitos adjetivos negativos que em nada contribuíram para entender o habitante da terra. O canibalismo,  por exemplo, não era visto pelos europeus como um ritual em que só os inimigos corajosos eram devorados, em situações especiais, sendo em muitos relatos visto como algo costumeiro, violento e banal.

Houve o imperativo da legitimação da posse, isso porque ao real descoberto  (sem-sentido), colocavam-se prementes a fantasia (imaginação) e, enquanto legitimação da posse (imaginário), a ideologia (imaginário). Em Discurso de Fundação (2003), organizado por Eni Orlandi, há a seguinte afirmação:

Todo o percurso em busca do Eldorado é uma relação com a loucura, com a conquista, com os sentidos do sem-sentido. Romper com o Velho Mundo e instalar o Novo a partir “ daquilo” que encontravam. Nomes eram dados arbitrariamente, assim como eram arbitrários os limites que impunham ao acaso para ter um “ país” configurado: as terras da margem esquerda pertencem ao país, as da margem direita, não. Porque dar sentido é construir limites, é desenvolver domínios, é descobrir sítios de significância, é tornar possíveis gestos de interpretação. ( p.15)

As narrativas dos viajantes,assim, no início de nossa colonização, constituem relatos preciosos que explicitam o olhar etnocêntrico europeu diante do desconhecido. A noção de classificação e a absolutização dos lugares enunciativos, ancoravam-se em discursos legitimadores em que o dissenso e a fragmentação eram banidos em nome da ordem e da exclusão. O mito da construção da nação também se faz presente nas construções discursivas das nações colonizadas, que, em um determinado momento de suas histórias, precisavam balizar suas culturas e seus territórios e, no caso da Literatura brasileira, ocorre durante a Independência política em relação a Portugal.

Uma obra do Romantismo brasileiro que foge completamente  ao ideário de construção de um mapeamento simbólico da nação, na qual se faz presente a temática da viagem é O navio negreiro de Castro Alves. Esta obra dialoga com as epopéias ocidentais como a Odisséia de Homero e Os Lusíadas de Camões, quando narram as viagens empreendidas por Odisseu, em sua volta à Ítaca e pela esquadra lusa rumo às Índias. Nas três obras os fatos ocorrem em pleno mar, entretanto, o tom épico se dilui em O navio negreiro em nome da denúncia travada contra o escravismo.

Desce do espaço imenso. ó águia do oceano!

Desce mais... inda mais... não pode olhar humano

Como o teu mergulhar no brigue voador!

Mas que vejo aí... Que quadro d’ amarguras !

Que cena infame e vil... Meu Deus! Meus Deus! Que horror! (p.184)

 

O Oceano singrado é o Atlântico e não há possibilidade de impor uma visão idílica dos acontecimentos. A viagem é, ao mesmo tempo, fator de desagravo aos valores postos de civilidade e a reivindicação, por parte de um colonizado, em que se faça valer o imperativo categórico, preso à trilogia do liberalismo Liberdade, Igualdade e Fraternidade, em questionamento. Há, na verdade, uma indagação ao ideário da Modernidade que pregava o livre arbítrio e a razão com reguladora do espaço público e do privado. Em O navio negreiro o tom continua grandiloqüente da épica, entretanto, há a presença da indignação do eu poético.

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Ò mar, por que não apagas

Co’o esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! Noites! Tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!

 

Quão distante se encontra esta obra das indianistas, de cunho ufanista e ajustada ao  conteúdo programático da construção da nação. Em nenhum momento encontramos o endosso da tradição, com ocorria nas epopéias  anteriores, em que o poeta colocava-se como porta-voz da nação e defensor dos referenciais legitimados coletivamente. Há a clara apreensão de que a verdade, como qualquer valor, tem o seu caráter contingente assim como a sua representação como algo historicamente constituído.

Se recorrermos ao discurso da ciência, no processo interpretativo da realidade sócio-histórica, veremos que quase sempre são discursos amparados em uma racionalidade constitutiva que disfarçam arbitrariamente os cortes e são incapazes de redimensionar algumas escalas, legitimadas em valores perenes. O discurso do estruturalismo, presente em Antropologia Estrutural, texto de 1958, por exemplo, que esteve na base da antropologia, tem o mérito de ter aberto de alguma forma a possibilidade de ver o significado em uma dimensão social e histórica, quando Lévi-Strauss defende as raízes das estruturas no próprio cérebro humano, mas, ao mesmo tempo, em  uma dimensão não-histórica, pouco circunstanciada, universaliza as leis da mente, usando noções como  paralelismo, oposições, inversões... Tal prática se deve à dificuldade de dissociar pensamento conceitual de progresso.

Tristes Trópicos, publicado primeiramente em 1955, é livro de viagem, contendo a descrição das impressões do antropólogo sobre o Brasil, quando veio como professor convidado da USP. Nesse apanhado, o olhar esquematizador, científico se faz presente. Calcado em um princípio epistemológico, Strauss atribui ao pensamento mítico dos chamados povos primitivos uma organização da realidade estabelecida à bricouler, isto é, distanciado da noção de progresso teleológico, posto pela ciência naquele momento. Tal visada evidentemente não contempla a multiplicidade dos eventos. Em Saudades do Brasil (1994), por outro lado, o sentido da diferença já se coloca e, questionando  qualquer pretensão auto-centrada, quebra a hierarquia dos valores eurocêntricos.  Essa obra cobre o período entre 1935 e 1939, quando a industrialização  se expandia em nosso país e a fase modernista de 1922 já havia instaurado o repensar da nação em perspectiva bastante heterodoxa, se levado em conta o  ponto de vista do colonizador.

Eneida Maria de Souza em Crítica Cult (2002) destaca o distanciamento operado pela última obra em relação aos Tristes Trópicos, em um processo deliberado de valorização do saber plural e o culto do convívio em espaço amplo pautado na bricolagem.

Lévi-Strauss se entrega à árdua tarefa de percepção das estruturas inconscientes que regem os esquemas mentais e à abertura para a alteridade. Estava para sempre selada uma das maiores contribuições que o estruturalismo podia oferecer aos estudos das ciências humanas, ao serem quebradas as fronteiras etnocêntricas e dado início ao processo de descolonização cultural. (p.28)

Neste momento, há a releitura do estatuto cultural do índio, desconstruindo, assim, a imagem etnocêntrica delineada pela colonização européia.

2. A assimetria discursiva :

Oswald de Andrade, da mesma forma que Mário de Andrade, enquanto produtores de cultura local, na década de 20 do século passado estavam imbuídos da necessidade de repensar o conceito de brasilidade e conseqüentemente, de identidade nacional. O tema da viagem na obra de ambos, tanto no plano artístico, quanto no ensaístico, não deixa de estar comprometido com indagações acerca de nossa gênese, na condição de ser brasileiro

Antonio Cândido em Oswald viajante, publicado em Vários Escritos (1995) reforça o raciocínio de que:

Na sua obra, talvez as partes mais vivas e resistentes sejam as que se ordenam conforme a fascinação do movimento e a experiências dos lugares. Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande se desenrolam em torno do deslocamento de personagens entre o Novo Mundo e o Velho Mundo, experimentando a posição do homem americano, que ele viveu com intensidade, ao adquirir consciência da revisão de valores tradicionais em face das novas experiências de arte e de vida (p.61)

Essa revisão de valores da nacionalidade tem no tema viagem, enquanto busca e ânsia pelo novo, pelo desconhecido, a chave da descoberta. Neste momento, os intelectuais brasileiros já haviam superado qualquer sentimento de inautenticidade  que nos caracterizou, por sermos colonizados. O deslocamento, como procura do ser brasileiro, ocorre com a volta à Europa, não para colocá-la como redentora de nossa identidade. Em Serafim Ponte Grande, fica a mensagem de que não é no porto que deve estar o sentido, mas no caminho.

Passaram a fugir o contágio policiado dos portos, pois que eram a humanidade liberada. Mas como radiogramas reclamassem, El Durasno proclamou pelas antenas, peste a bordo. E vestiu avessas ceroulas e esquecidos pijamas para figurar numa simulada quarentena em Southampton. Todos os passageiros se recusaram a desembarcar... (1975,p. 264)

Tal desiderato também se faz presente em Macunaíma, sendo o tema da viagem recorrente nesta obra. Aí, como em Oswald, a viagem significa não só o deslocamento físico dos personagens, como também o questionamento de uma tradição identitária da nação, com a construção de seu imaginário. Reivindicam-se, neste instante, as imagens enunciativas, recriando incessantemente os enunciados de formação, que instauraram a noção de pertencimento em gestos de interpretação.

Macunaíma, em sua busca libertária, em uma lógica das mitologias dos povos ágrafos, exercita aquilo que Gilda de Mello e Souza atribui, a Demanda do Santo Graal carnavalizada, isto é, a muiraquitã nada mais é do que a necessidade de encontrar algo de fato importante para a cultura do colonizado com foi o Santo Graal para a Idade Média Cristã. Dessa forma, em seu arcaísmo à bricouleur, como diria Lévi Strauss, Macunaíma atualiza um locus enunciativo, através da rapsódia, enquanto narrativa fantástica, dos chamados povos primitivos, em um processo crítico-revisionista de nossa formação.

É interessante notar que a busca da muiraquitã coloca Macunaíma em deslocamento constante pelo país. Sai do Norte para São Paulo, passando por muitas situações e passeando por nossa cultura. Tal viagem concretiza a coordenada histórica que nos caracteriza, não podendo estar atrelada à visão teleológica do progresso que determinou o olhar etnocêntrico e essencialista, raciocinando sempre à luz de um sistema totalizador. Mário de Andrade, em carta a Carlos Drummond de Andrade, volta a sublinhar a necessidade do mergulho no nacional e faz  a seguinte advertência :

[...] Carlos, devote-se ao Brasil, junto comigo. Apesar de todo o ceticismo, apesar de todo o pessimismo e apesar de todo o século 19, seja ingênuo, seja bobo, mas acredite que o sacrifício é lindo. [...] N´s temos de dar ao Brasil o que ele não tem e que por isso até agora não viveu, nós temos de dar uma alma ao Brasil e para isso todo sacrifício é grandiosos, é sublime. (ANDRADE,1988, p.22-3)

E mais adiante, afirma: Eu também já sofri da moléstia de Nabuco. (idem). O paulista estava se referindo ao texto de Minha Formação de Joaquim Nabuco em que encontramos:

O sentimento em nós é brasileiro; a imaginação é européia. As paisagens todas do Novo Mundo, a floresta Amazônica ou os pampas argentinos não valem para mim um trecho da via Áppia , uma volta da estrada de Salermo e Amálfi, um pedaço do cais do Sena à sombra do velho Louvre. (1977, p.44)

O que o grupo modernista defendia era exatamente a superação da doença de Nabuco. Tanto Oswald quanto Mário defendem um conceito fluido de tradição. Em Serafim Ponte Grande ocorre aquilo que Antonio Cândido chama de a estética transitiva do viajante. Ambos desconfiam do porto seguro da tradição, da identidade e a fatura estética acaba por incorporar esta posição. No primeiro caso, a errância a bordo de El Durasno é a grande saída, em que a Lei é posta em suspenso.

Em Macunaíma, por outro lado, não há a intenção da volta a um mundo pré-racional, livre da culpa. O que fica é a falta de coerência em uma única vertente, restando no texto a coexistência do otimismo e do pessimismo, diante da sorte do povo brasileiro. O herói sem nenhum caráter encerra a idiossincrasia do brasileiro, produto de três raças, habitante do Sul da América do Sul, sendo visto, por muitos, como o mais rico dos pobres e, por outros, com o mais pobre dos ricos. Tal condição intervalar, que Bhabha (2003) chama de entre-lugar, constitui o espaço ocupado pelas culturais híbridas, encerra a própria condição de (ex)ilado : fora da ilha, em constante procura por uma identidade acabada, que não sendo a imposta pelo discurso de fundação, constrói-se disjuntivamente, no pacto diuturno da sobrevida. Ainda, segundo Bosi:

O seu destino, aliás, vem a ser precisamente este: não assumir nenhuma identidade constante.O que era percebido por Mário com um nó angustiante e o levara a conferir à rapsódia ao seu quase contemporâneo Clã do Jabuti o significado de fim de uma etapa. (1988, p.141)

Por isso, Macunaíma, em constantes deslocamentos, sabe que sua identidade está em construção e que a origem constitui um discurso que pouco ou nada tem a ver com a realidade histórico-cultural. Longe de encontrar o repouso, ao voltar de São Paulo, em sua viagem de retorno, não encontra a paz, mas a miséria e o desalento, não lhe restando outra opção que não a ida para a “Ursa Maior”.

Ora, enquanto as narrativas hegemônicas valorizam a chegada, como ocorre na Odisséia, de Homero e se repete em Os Lusíadas de Luís de Camões, para não falar dos textos dos viajantes ao Novo Mundo, enquanto comprometimento com o espaço, sua apreensão e limitação. As contra-hegemônicas, por sua vez,  como Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade, Macunaíma de Mário de Andrade e Terras do Sem Fim de Jorge Amado, para ficarmos só com essas obras, vêem a viagem como busca das próprias origens, para entendê-las, aceitá-las tal com se apresentam. Neste sentido, há a valorização não do enunciado da tradição, mas o processo, o discurso performativo da adesão, em enunciações dialógicas que rechaçam o monologismo dos discursos competentes.

Em Terras do sem fim de Jorge Amado ocorre a viagem como busca identitária. Esta obra, no primeiro capítulo detém-se no transcurso de um navio da cidade de Salvador para Ilhéus, no mesmo Estado. Essa última cidade acenava com o enriquecimento daqueles que chegavam devido à plantação e comercialização do cacau. Tal promessa impulsionou a vinda de grandes contingentes de migrantes e imigrantes interessados no lucro e na posse de terras.

Raros lenços deram adeuses, só de uma face correram lágrimas, face jovem de mulher que soluçava arfando o peito. Não existia ainda o novo cais da Bahia e as águas penetravam quase pela rua. O navio foi se afastando devagar, nas primeiras manobras. A moça que chorava sacudia o lenço mas já não distinguia dentre os que respondiam de bordo aquele a quem dera seu coração. (...) Um senhor velho pegou no braço da moça e foi com ela, resmungando palavras de consolo e de esperança. O navio se distanciava. (2002, p.17)

Apesar de o tema viagem ser recorrente  em outras composições, o que ocorre neste texto aproxima-se do escopo de escritores como Mario de Andrade e de Oswald de Andrade na busca de identidade nacional à luz de preceitos que não endossassem noções como: exotismo, ufanismo, quando acentuavam uma brasilidade essencialista e acabada.

Terras do sem fim retoma um poema épico de Raul Bopp chamado Cobra Norato, publicado em 1931, quando faz menção às terras do sem fim, aludindo à floresta amazônica e a seus mitos, em síntese, ao próprio Brasil  como um todo. Bopp em seu ensaio Inventário da antropofagia propõe a valorização dos anais totêmicos e, mais do que isso, uma nova estrutura de idéias, ou seja, a valorização do diverso e, de alguma forma, a saída apresentada pelo colonizado ao projeto de racionalidade excludente. A atualização das idéias de Bopp na obra do baiano encerra a busca da brasilidade a partir dos referencias do brasileiro e não enquanto cópia do mesmo.

Há um texto de uma conferência de Silviano Santiago, proferida na FUNART na década de oitenta, quando o autor de Em liberdade,  falando da viagem dos modernistas a Minas em busca da tradição, esposa a idéia da busca do mesmo por analogia, como viu Octavio Paz, contrapondo-se à de Pound do make-it-new glorioso da  analogia por ruptura. O mexicano defende a idéia da continuidade da tradição no modernismo, na medida em que esta guarda o dinamismo da dialética, sem aprisioná-la na síntese, ou na teleologia do progresso.

Em Terras do sem fim de Jorge Amado, por exemplo, identificamos a busca do mesmo por analogia, na medida em que há uma passagem que encerra o processo de hibridação cultural de como ocorreu a resposta do colonizado em relação ao enunciado do colonizador. Senhô Badaró compra uma oleogravura, cuja temática alinha-se ao locus amennus do arcadismo, porém ocorre como que uma realocação, se assim podemos dizer, ao dado europeu em sua inserção no espaço do colonizado.

De onde vinha aquele pinicar de viola na noite sem lua? Era uma canção triste, uma melodia nostálgica que falava em morte. Sinhô Badaró não se demorara nunca em refletir sobre a tristeza das músicas e das letras das melodias que cantavam nas terra do cacau, os negros, os mulatos e os brancos trabalhadores. Mas agora, (...), não sabe por que [recordou] daquelas figuras do quadro que enfeitava a sala da sua casa-grande. A música devia vir de dentro de uma roça, de uma casa qualquer, perdida nos cacaueiros. (2002, p.225)

Assim como o negro, o branco de alguma forma , se sente exilado em sua própria terra e precisa legitimar-se a partir do outro. Neste caso, a quadro de pintura, com temática européia funciona com elemento disparador do hibridismo local. Não ocorre a cópia do mesmo, antes o país responde culturalmente ao modelo imposto, reciclando permanentemente a sua identidade. Esta sempre fluida, não se deixando submeter a um discurso pré-deteminado e auto-refencial.

3.O turismo cultural como afirmação da diferença :

A literatura, ao usar a viagem em suas narrativas, comprometia-se com uma determinada cartografia do espaço territorial. Esse, na Antigüidade, limitava-se ao mundo conhecido até então; no Classicismo, à ampliação de seu domínio. Quanto à literatura produzida em países não hegemônicos, como o Brasil, podemos dizer que, a princípio, reforçou a mesma visão, ainda que em algum momento de sua história, no período da emancipação política de Portugal no século XIX, a delimitação tenha ficado a serviço dos interesses do Estado-Nação da Modernidade.

A negação desta perspectiva ocorre na literatura colonizada, quando esta reivindicou uma dimensão cartográfica que levasse em conta a cultura também, visto transcender a metáfora base-superestrutura.  Desta forma, obras com Macunaíma de Mário de Andrade e Terras do sem fim de Jorge Amado, somente para citarmos estas, ampliaram a busca da identidade nacional através da viagem.

Mas o que nos interessa aqui é perceber de que modo a temática da viagem, através da literatura de país colonizado, pode estar a serviço, de alguma forma, do turismo cultural., enquanto elemento suscitador de interesse pela alteridade. ainda que saibamos que a viagem turística envolve fatores não elencados pela literatura. Para tanto, reportamo-nos à obra  O fotógrafo e o Turista Aprendiz de Mário de Andrade que não sendo literária no sentido pleno, guarda entretanto o compromisso com a valorização de nossa tradição cultural tão cara  à Poesia pau-brasil e à Antropofagia dos modernistas. Isso para não falar da viagem a Minas, já no início do movimento, despertando em Tarcila do Amaral a vontade de ir a Paris não para ver a última moda, antes para aprender a restaurar quadros com o intuito de preservar o acervo barroco mineiro e do Brasil à época completamente abandonado. Esse gesto impulsionou depois a instauração do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em torno da figura de Rodrigo Melo Franco de Andrade,  inspirado na ação empreendida por Gilberto Freyre quando instaurou, um pouco antes, a Secretaria do Patrimônio Histórico do Recife.

Nesta obra, Mário procede a um registro minucioso do que viu e ouviu em uma viagem à Amazônia e ao Nordeste. Neste relato, há um forte comprometimento com a cultura visitada e procura  aquilo que Machado de Assis já havia dito em Instinto de Nacionalidade, texto de 1826, acerca  dos românticos, que procurassem ter o sentimento íntimo em relação a tudo que dissesse respeito ao Brasil e superassem o instinto de nacionalidade, ou seja, evitassem o exotismo como forma de caracterização da nação. Pois bem, é exatamente o que faz o paulista.

À maneira do flâneur baudeleriano, que sorve pelo olhar tudo o que o deambular pode oferecer a  um filisteu culto, o paulista arrebata-se com a natureza, não gosta do que vê quanto à miséria da população, mas registra os usos e costumes, bem como lhe desperta interesse o léxico regional e as manifestações folclóricas encontradas. Muito desta pesquisa foi  utilizada em Macunaíma, quando valoriza o saber local e o ócio criador do amazônico, encerrando o espaço, para ele, da Ursa Maior, para onde migra Macunaíma, ao optar pela saída da terra. Em 1928 faz também uma viagem ao Nordeste, à qual chama de viagem etnografia. Nesta, participa de festas populares, recolhe documentação de cantos, de feitiçaria, de benditos, romances, aboios, bumba-meu-boi,chegança, reisados, maracatu e cocos.

Mario de Andrade, na sua busca pelos bens imaterias da nação, comporta-se como um turista cultural ao perscrutar a cultura do país somente comprometido com o conhecimento. Prática ligada hoje ao chamado terceiro setor da economia e operacionalizada através da prestação de serviços.

Claude Origet du Cluzeau em Le tourisme culturel, afirma que: “O turismo cultural é portanto uma prática cultural que necessita de um deslocamento ou que esse possa favorecer a interação com a cultura [local]. (1998, p.4-5). Sendo a motivação principal daquele que se desloca, alargar seus horizontes, pesquisar outras culturas, ter acesso a emoções novas, através da descoberta de um patrimônio e de seu território”.

A globalização acena com trânsitos multiculturias, em escala mundializada, entretanto, nunca, na história da humanidade, a procura pela alteridade foi tão valorada, a partir da perspectiva mesma da diferença. Não podemos dizer o mesmo acerca das crônicas de registro de  viagem do século XVI e mesmo dos relatos científicos do século XIX, voltados para países do Novo Mundo, em que o olhar do estrangeiro estava comprometido com a diferença, enquanto cópia do mesmo, em discursos que silenciavam a enunciação, em nome de um único dispositivo de verdade.

A sociedade pós-industrial concretiza, de certa sorte, o sonho aristotélico de libertação do trabalhador da sujeição à máquina, como fala Marx em O capital (1867).

(...) se cada instrumento pudesse executar automaticamente, ou melhor, por si mesmo, sua função própria, tal como as obras-primas de Dédalo que se moviam por si mesmas ou como os tripés de Vulcano que se punham em movimento no seu labor sagrado; se, por exemplo, as lançadeiras tecessem por si mesmas, o mestre de tecelagem não teria necessidade de ajuda, nem o senhor de escravos. (MARX, 1988:91)

Longe de o paraíso ter-se instaurado na Terra, o fato é que, apesar de todas as dificuldades impostas ao gênero humano pelo neo-liberalismo, com sua economia globalizada e sustentada no terceiro setor, já que a fase industrial respondeu pelo setor secundário; nosso cotidiano está marcado pelo consumo de: publicidade, comunicação, pesquisa, empresas de comércio, finanças, saúde, educação, lazer etc.

Assistimos à intensificação do turismo cultural, na medida em que, contando com a infra-estrutura proporcionada pela economia globalizada, essa prática oferece entretenimento de boa qualidade, não massivo, àqueles que entendem que o global é produto da soma diferenciada das partes e não a negação destas em nome do controle.

Desse modo, ao procurar a diferença, o turista cultural propõe-se o consumo não-alienado, desautomatizado do pós-fordismo. Oposto, portanto, àquele da fase da industrialização, quando o trabalhador distanciava-se completamente do produto de seu trabalho, devido ao princípio de racionalidade, negando, em síntese, a sua condição de sujeito e sua dimensão de ser crítico diante do mundo.

4. Considerações finais:

O turismo cultural, por se tratar de um lazer ativo, demanda a participação integral do turista, permitindo a reorganização da sua  experiência, enquanto ganho cultural, de forma ativa e interventiva, diante do novo.

A tematização da viagem na literatura ocidental esteve, quase sempre, comprometida com uma determinada forma de ver o mundo, presa a uma única cartografia, tanto geográfica quanto cultural. Assim, a literatura de países não hegemônicos, como o Brasil, pode ensejar a prática do turismo cultural na medida em que, tendo já superado todas as amarras em relação a preconceitos pertinentes às nações colonizadas, oferece, como veiculadora de bens simbólicos imateriais, como atrativo, a cultura local. A construção imaginária da nação, vista a partir de uma visão não-hegemônica,  impõe-se como um modo interpretativo, em que o simbólico dimensiona-se em uma rede inextrincável de relações, tendo como fulcro conceitual o fato de que modo de produção, meios de produção e relações de produção não podem ser vistos dissociados de uma dimensão aplicativa e  semantizada do simbólico.

Nesta perspectiva, a clivagem imposta ao dado colonizador impõe uma coordenada outrativa em margens deslizandes, como diria Bhabha (2003). A cultura local coloca-se proporcionando uma alteração cartográfica, que leva em conta a ressemantização de sentido, feita esta pela tomada da palavra em várias práticas enunciativas do colonizado. O locus de enunciação migrante, sendo híbrido, não almeja por sínteses definitivas por ou identidades estáveis.

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 26 abril, 2005.