Por ZACARIAS JAEGGER GAMA

Zacarias Jaegger Gama é mineiro de Manhumirim / Martins Soares (MG) e Doutor e Mestre em Educação (UFRJ) com tese e dissertação discutindo aspectos da avaliação educacional. Durante anos foi Coordenador Pedagógico do Colégio São Vicente de Paulo-Cosme Velho, RJ. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor titular Mestrado em Ciências Pedagógicas do Instituto Superior de Estudos Pedagógicos (ISEP). É autor de “Avaliação na Escola de 2º Grau” (Papirus, SP), “Retrato de Professores Cariocas: revelação feita a partir do SAEB/1995” (INEP, Brasília) e co-autor de “Professor ou Pesquisador: o processo de reestruturação dos cursos de pós-graduação no Rio de Janeiro” (Quartet, RJ).

 

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FERREIRA, Rodolfo. (2003). O Professor Invisível: imaginário, trabalho docente e vocação. Rio de Janeiro, RJ, Brasil: Quartet Editora. 160 p.

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Tornando visível o mistério do Professor Invisível

 

Zacarias Jaegger Gama

 

 

Hoje em dia, estamos sabendo cada vez mais sobre os professores brasileiros, “uma categoria que ganha pouco, mas se diverte”. A pesquisa que nos faz essa revelação é patrocinada pela UNESCO. Sua recente divulgação nos revela ainda que a maioria do professorado é casada, do sexo feminino, com pais com baixa escolaridade, ganha entre cinco e dez salários mínimos, não tem computadores domésticos nem navega na internet. Também ficamos sabendo ser alto o nível de satisfação dos professores com boa parte do tempo de serviço cumprido; que mais da metade declara sua aspiração de permanecer na função atual, e que somente um pequeno porcentual (10,7%) pensa se dedicar a outra atividade. .

É surpreendente que 63,4% dos professores entrevistados estão satisfeitos com a opção de carreira. Porém, talvez mais surpreendente ainda seja o fato de muitos conseguirem superar a situação de vida dos seus familiares, o que quer dizer, segundo a mesma pesquisa, que o magistério é também uma das poucas carreiras a permitir movimentos de ascensão social.

Estas revelações da UNESCO são importantes e oportunas. Elas tanto mostram um retrato atualizado do professorado, às vezes colocando por terra alguma verdade cujo escopo é o senso comum, como também servem para confirmar determinadas tendências de investigações feitas nos campi das universidades brasileiras. Dentre as quais se encontra a pesquisa de Rodolfo Ferreira, professor-pesquisador da Faculdade de Educação da UERJ, relatada no excelente livro: “O professor invisível: imaginário, trabalho docente e vocação”, lançado pela Quartet Editora.  Nesse livro, com estilo e eloqüência, discute as razões da perseverança de muitos professores “em atividades sobre as quais a maior parte das informações que circulam no meio social atestam desprestigio e baixa remuneração”.

Antes, em seu livro “Entre o sagrado e o profano: o lugar social do professor” (Quartet, 2000), Ferreira tinha suas preocupações voltadas para os alarmantes índices de abandono da carreira docente; agora, com mais amadurecimento e ousadia metodológica, quer saber por que muitos professores escolhem a docência e por que permanecem nesta carreira até se aposentarem. Ele quer saber quem são, como encaram o mundo e articulam seus desejos. Se eles são inocentes, acríticos, incompetentes, se têm baixa estima, ou se, simplesmente, são pessoas despolitizadas e alienadas. Se são professores por profissão, sem coragem para investir em outras carreiras, ou se são professores por vocação, em certo sentido atendendo a um chamado particular.

Em tese, Ferreira não acredita que a escolha de carreira esteja “apenas relacionada a alguns valores que circulam nas sociedades capitalistas”, ou à ingenuidade e à alienação; em sua perspectiva há muitas escolhas que são influenciadas pelo imaginário das pessoas, em particular pelo mito da vocação. Em função desse seu pressuposto, seu objetivo de estudo é o de perscrutar os mistérios que envolvem a vocação, porém, não como destino predeterminado, mas como “uma das dimensões de humanidade que não nega qualquer outra”. Sua investigação incide, então, sobre seu objeto central, isto é, sobre as relações entre estes mistérios e o exercício do magistério, conjecturando ser falso o dilema que opõe a vocação e o mestre,  de um lado, e a profissão e o professor, de outro.

Para realizar a investigação que se propõe, Ferreira rompe, entretanto, com alguns limites definidos pela ciência moderna adjetivada por Morin (2001) como “elucidativa, enriquecedora, conquistadora e triunfante”, mas que do ponto de vista das ciências humanas deixa de pensar os seres humanos como seres vivos biológicos, dotados de espírito e consciência. Com a ousadia e os riscos próprios destes tempos de pós-modernidade, vai “atrás dos arquétipos que podem estar mobilizando esses professores que reafirmam cotidianamente uma relação com o magistério que parece extrapolar as tentativas de compreensão realizadas até o momento”, acreditando ser o imaginário uma das chaves importantes para compreender os “diferentes caminhos que cada ser humano trilha”, bem como as suas vinculações a certos trabalhos ao longo de suas vidas. Não por acaso, seus referenciais teóricos vão de Jung a Hilman, de Durand a Campbell, de Darwin a Pearson e Fétizon a Gusdorf, entre outros. Não por acaso ainda, ele próprio, assume publicamente o desejo de ultrapassar o discurso “moderno” que em sua ótica “se apresenta desgastado semanticamente”.

Assim, com o intuito de compreender o mistério (essa coisa que considera abstrata e desprezada pelos paradigmas da ciência clássica), ou o mito pessoal dos professores-jequitibás que perseveram e permanecem no magistério até se aposentarem, mas sem revelar tal mistério, Ferreira desenha um caminho metodológico rebuscado que procura englobar elementos da mitocrítica (considerando-se que vai trabalhar com motivos e situações pessoais, com “diferentes lições e sua correlação com outros mitos de um dado espaço cultural” e, finalmente, com imagens), da mitoanálise (dada sua intenção de considerar a amplitude das narrativas, os mitologemas, as narrativas canônicas, as variações e as derivações do mito, a constelação de afinidades) e do arquétipo teste de 9 elementos (AT-9), muito embora, com relação a este último tenha optado por “um caminho que constitui enquanto hermenêutica”,  na medida em que lhe possibilita, com base em pressupostos dos hermeneutas de Éranos e Grenoble, interpretar e compreender os textos, a história (e não uma simples estória) de vida da professora Teresinha, aquela que se torna central em seu estudo. Ferreira pouco se importa com o fato de que seja do sexo feminino, ou mesmo de não ter sujeitos masculinos em sua pesquisa-livro “O Professor Invisível”. O que lhe importa é que em Teresinha estão “o fruto do carvalho” e o mito pessoal. Teresinha, pelo menos nas representações típicas do meio social, é uma das professoras de ensino fundamental que se encontra entre os que “enfrentam os maiores desestímulos” sem qualquer prognose de se aposentar.

As entrevistas de Ferreira com Teresinha tiveram o tom das conversas gostosas e reveladoras. No transcurso delas a mestra diz ser carioca, nascida no Méier, aposentada, ainda estar trabalhando nas salas de leitura de duas escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro, e que desde criança brincava de dar aulas para as suas bonecas. Agora, 36 anos depois, com o maior prazer, vai passando seus dias com os alunos sentados na roda, no chão, na contação de histórias com a ajuda de tapetes-cenários que ela mesma costura e manipula. “É uma viagem na fantasia”, conforme diz.

Aos poucos Teresinha se revela para Ferreira, o qual, especulando, intuindo e baseando-se em suas referências teóricas, vai tornando visível o mistério da professora. Fica sabendo que “seu mito pessoal é o de que é possível fazer algo para melhorar a vida das pessoas”. Que vive sob a influência de quatro dos arquétipos de Pearson: Inocente, Guerreiro, Mártir e Mago. Que na perspectiva das deusas gregas Ártemis, Atenas, Héstia, Hera, Deméter, Perséfone e Afrodite, vive “sob algum tipo de influência de Deméter”. Que seu modo de ser professora confunde-se com sua própria vida. Que professores como Teresinha buscam, por vocação, viver seus mitos, “senão como um exercício de humanidade, ao menos como uma busca por essa humanidade”.

Por tudo isto, “O Professor Invisível” é um convite ao leitor, em particular aqueles que têm interesse em dar visibilidade aos “frutos do carvalho”, ou melhor, conhecer os professores que se distanciam de outros que, noutra tipologia, mesmo em face da possibilidade de se revelarem mestres ainda assim podem ser denominados de “profissionais, eucaliptus, gigolôs”.

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Sobre o autor do livro: Rodolfo Ferreira é Doutor em Educação Brasileira (USP) e professor adjunto do Departamento de Estudos Gerais em Educação da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É também PROCIENTISTA, Chefe de Departamento e Pesquisador do Núcleo de Gestão e Avaliação (NUGA/UERJ). Seus estudos são desenvolvidos na área de Formação de Professores. É autor do livro “Entre o sagrado e o profano: o lugar social do professor” e co-autor de “Bacharel ou professor? O processo de reestruturação dos cursos de formação de professores no Rio de Janeiro”.

 

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 26 abril, 2005.