Por REGINA ALVES DA SILVA

Acadêmica do curso de Administração da Universidade Estadual de Maringá e Pesquisadora / Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC / CNPq-UEM.

 

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O Empreendedor e o Assédio Moral no Trabalho

Regina Alves da Silva*

 

Resumo

Um ideal compartilhado por empreendedores é formar um ambiente empresarial produtivo e harmônico. Contudo, observa-se um crescente desenvolvimento do assédio moral dentro do trabalho, sendo este entendido como qualquer atitude abusiva que, por sua repetição e intencionalidade, tende a desestabilizar as vítimas de suas insídias. Isto têm gerado um ambiente de trabalho hostil, coibindo o direito de liberdade e o sucesso profissional dos funcionários, podendo até conduzi-los à morte. Diante da gravidade deste ato, é mister a conscientização de todos acerca do referido tema, como medida preventiva para evitar o surgimento de atitudes que caracterizam o assédio moral no local de trabalho, bem como proporcionar as vítimas, subsídios para que as mesmas quando agredidas, possam tomar medidas coerentes para que o agressor seja devidamente punido.

Palavras – chaves: cultura competitiva, violência invisível, conscientização.

Abstract

An idealism which is shared by undertakers it’s make an harmonic and successful work’s place. However it’s perfect an highest development of work siege mentality that meaning every abusive action because of the repetition and the purpose to take off the stability of victims. These actions become the place of work unfriendly and suppress the liberty and possibilities of successful to employees. Also it could take them to death. With the danger that act can  do it’s important to those people awake to the problem like a king of prevention to avoid those similar actions happening in the work’s place. Like this it’s possible that victims behave against these actions and guilty be punished.

 

Introdução

Atualmente o empreendedorismo mostra-se como uma importante característica exigida Fonte: http://www.sjsc.org.br/pj_online/pj_40/ administração.O empreendedor, segundo Shumpter (1949), é aquele que destrói a ordem econômica existente instaurando mudanças inovadoras, através da introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização, ou pela exploração de novos recursos e materiais.

Portanto, um empreendedor deve apresentar as seguintes características: saber tomar decisões importantes, ter determinação, ser dinâmico, otimista, independente, bem-relacionado (networking), organizado, apaixonado pelo que faz, ser líder e formador de equipes, possuir conhecimentos, ter ampla visão de mercado para assumir riscos calculados criando valores para a sociedade, deve saber antever as oportunidades, prever os riscos e, por fim, fazer a diferença em seu trabalho (DORNELLAS, 2001).

Porém, o que se observa hoje é que o profissional que apresenta tais características, destacando-se dos demais, pode, muitas vezes, incomodar seu superior e colegas de trabalho por suas habilidades e então defrontar-se com um inesperado oponente: o assédio moral. Hirigoyen (2002) afirma que o assédio moral no local de trabalho é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

A vítima assediada é, em geral, escolhida porque tem características que perturbam os interesses do elemento assediador por suas habilidades, destreza, conhecimento, desempenho e exemplo, ou simplesmente, por desajustamento sexual ou psíquico por parte do assediador (Ramires apud Salvador, 2002, p. 8). Conforme a juíza do trabalho Schmidt (2002) o novo perfil exigido do trabalhador favorece o desenvolvimento de situações de assédio moral, pois de um lado estabelece-se que este deve ser competitivo, capaz, qualificado, criativo e polivalente. De outro lado, esse novo trabalhador sabe que não estar “apto” a essa nova realidade pode significar a perda do emprego.

Em vista disso, o medo do desemprego favorece o aparecimento da submissão e, a conseqüente impunidade dos agressores, visto que, na maioria das vezes a vítima desconhece a existência do assédio moral, não sabe as medidas que podem ser tomadas para coibi-lo e, teme tomar qualquer atitude que possa o prejudicar diante do competitivo mercado de trabalho. Somado a este fato, tem-se ainda a competição existente entre os próprios empregados, a hierarquização rígida que impossibilita a comunicação e o diálogo franco, além da terceirização e a horizontalidade do processo produtivo, que tem por finalidade o aumento de competitividade, propiciando o nascimento de compartimentos produtivos estanques, mais propícios ao desenvolvimento de “micro-impérios”, onde a lei que impera é a daquele que “governa”. Deste modo, tem-se então um ambiente propício ao surgimento do assédio moral, com o desencadeamento de uma série de humilhações, fortalecidas pela submissão.

As causas

Existem diversos fatores que conduzem ao desenvolvimento do assédio moral e contribuem para a sua impunidade. Têm-se como causas e motivações desse mal que assola o trabalho, primeiramente, a perversidade do ser humano e, somado a esta, a competitividade desenfreada; o individualismo exacerbado; o medo de perder o emprego ou o posto de trabalho para colegas mais capazes, ou experientes; o receio em ver falhas descobertas, ilegalidades; a resistência ao novo, ao diferente, ou até ao tradicional (MENEZES, 2003).

O crescimento do individualismo em meio ao processo de globalização reafirma o perfil do novo trabalhador, autônomo, flexível, capaz, competitivo, criativo, qualificado, e empregável. Estas características o qualificam para a demanda do mercado. Estar “apto” significa responsabilizar os trabalhadores pela formação/qualificação e culpabilizá-los pelo desemprego, aumento da pobreza urbana e miséria, desfocando a realidade e impondo aos trabalhadores um sofrimento perverso ( www.assediomoral.org ).

Tal condição facilita o surgimento de formas nocivas de tratamento por parte de gestores, que fazem uso de seu poder para humilhar as pessoas sob seu comando isso porque, segundo Salvador (2002), o empregador está ciente que:

É longo o tempo de demora na solução de causas trabalhistas;

O trabalhador intimida-se por medo de utilizar o direito constitucional de ação, por causa das conhecidas listas negras, que ainda imperam;

O risco do desemprego, diante de um mercado instável, com um desemprego estrutural mundial assustador.

O empregado teme retaliações, como mudanças desvantajosas de função e local.

Além disso, denúncias podem tornar pública a humilhação pela qual passaram as vítimas, aumentando ainda mais o sofrimento destas.

Assim, tem-se o silêncio diante do assédio moral que favorece ao surgimento e desenvolvimento do mesmo frente sua impunidade. Permitindo a constituição de “impérios empresariais”, onde a lei que vigora é a que o agressor determina, com total alvedrio para desrespeitar o direito de liberdade, privacidade e respeito das demais pessoas que trabalham em sua organização.

Os efeitos

Heloani (2003) argumenta que o assédio moral no trabalho costuma gerar patologias em suas vítimas, na medida em que faz com que elas acreditem ser exatamente o que seus agressores pensam, ou desejam que sejam. Embora seus agressores tentem desqualificá-las, as vítimas não costumam ser indivíduos doentes ou frágeis. São pessoas que tomam, de forma consciente ou inconsciente, posições de enfrentamento algumas vezes questionando privilégios ou situações injustas. Isso ocorre justamente por não se deixarem dominar, por não se curvarem ou por não aceitarem práticas de desrespeito ou exploração.

Na verdade, as vítimas são alvos do assediador por se destacarem no exercício de suas funções, sendo extremamente competentes e capacitadas, por isso o empreendedor pode figurar tanto como vítima, quanto como “vilão” em uma situação de assédio moral. Primeiramente, pode ser vítima de seu superior ou de colegas de trabalho, devido ao seu destaque em empreender mudanças controladas de forte impacto positivo à organização. Em contrapartida, visto sua capacidade de visão, pode visualizar colegas que vêem progredindo rapidamente em sua carreira profissional e que futuramente poderão representar a este uma ameaça a seu posto de trabalho.

Todavia, por ser um processo sistemático e repetitivo, o assédio moral acaba por ferir o espírito do assediado mesmo se as palavras tóxicas forem mentirosas, formando na vítima uma ferida ainda mais profunda, pois é acrescida de um sentimento de injustiça. Neste contexto Salvador (2002) apresenta os efeitos desta violência moral como um processo destruidor que pode conduzir a vítima a uma incapacidade permanente e mesmo à morte: o chamado bullicidio. A agressão tende a desencadear ansiedade e a vítima se coloca em atitude defensiva (hipervigilância) por ter a sensação de ameaça, além disso, sentimentos de fracasso, impotência, baixa auto-estima e humilhação tornam-se freqüentes.

Ainda sendo, os efeitos dessas agressões sofridas pelos trabalhadores no próprio ambiente de trabalho redundam nos já conhecidos distúrbios físicos e psíquicos duradouros e que desencadeiam o desenvolvimento de patologias múltiplas que podem até matá-lo no trabalho e levá-lo ao suicídio. De uma forma sistemática, Schmidt (2002) enumera então os efeitos do assédio moral como:

Endurecimento e esfriamento das relações no ambiente de trabalho;

Dificuldade para enfrentar as agressões e interagir em equipe;

Isolamento e internalização;

Sentimento de pouca utilidade, de fracasso e de “coisificação”;

Falta de entusiasmo pelo trabalho;

Falta de controle emocional;

Diminuição da produtividade;

Aumento do absenteísmo;

Demissão;

Desemprego;

Enfraquecimento da saúde;

Tensão nos relacionamentos afetivos;

Desenvolvimento de doenças físicas ou psíquicas;

Suicídio.

Por fim, no seio da sociedade, Salvador (2002) expõe que as conseqüências provocadas por esse processo destruidor e aniquilador do sentimento de utilidade da pessoa humana, não servem a ninguém. É nefasto à própria empresa que o praticou por seus prepostos, como nefasto a toda a sociedade no geral, ficando onerada com os custos das despesas previdenciárias decorrentes das incapacidades geradas para o trabalho, pela perda, quer da produção da vítima, quer do próprio emprego que ocorre na maioria das vezes.

O agressor

Traçar o perfil do agressor é imprescindível para que o assediado possa identificá-lo em meio às insinuações cotidianas do mesmo. Deste modo, Menezes (2003) apresenta que, quem assedia busca desestabilizar a sua vítima e, para tanto, utiliza um processo continuado, ou seja, um conjunto de atos e procedimentos destinados a expor a vítima a situações incômodas e humilhantes. O referido autor demonstra que, de regra, o assediador é sutil, pois a agressão aberta permite um revide e desmascara sua estratégia indiciosa.

Daí a preferência pela comunicação não-verbal, através de gestos, fofocas, ironias, sarcasmos ou de até mesmo, ignorar a existência da vítima. Tais estratégias permitem ao assediador, quando questionado, afirmar não haver intencionalidade, não assumir seus atos, alegando ser estes apenas brincadeiras sem qualquer intenção e, possibilitando a troca de papéis, isto é, coloca-se na condição de vítima, pede desculpas e acusa o assediado de estar paranóico.

Em vista desta estratégia sutil e subjetiva, Heloani (2003) caracteriza o assédio moral como uma “violência invisível” na medida em que, paulatinamente, faz com que as vítimas acreditem ser exatamente o que seus agressores pensam ou desejam que sejam. Normalmente, o agressor é uma pessoa que está aparentemente muito satisfeita com ela mesma e raramente se questiona sobre suas atitudes, sendo incapaz de sentir empatia, disfarça uma baixa auto-estima que traz insegurança, tornando difícil a vida dos que são capazes de trabalhar melhor do que ele (SCHMIDT, 2002).

Dentro deste contexto a explicitação do assédio moral ocorre através de inúmeras situações, conforme explanado por Menezes (2003): rigor excessivo, confiar tarefas inúteis ou degradantes, desqualificação, críticas em público, isolamento, inatividade forçada, ameaças, exploração de fragilidades psíquica ou física, limitação ou coibição de qualquer inovação ou iniciativa do trabalhador, obrigação de realizar autocríticas em reuniões públicas, exposição ao ridículo, divulgação de doença e problemas pessoais, gestos agressões verbais, comportamentos obsessivos e vexatórios, humilhações públicas e privadas, amedrontamento, ironia, exposição ao ridículo, sorrisos, suspiros, indiferença à presença do outro, instruções confusas, trabalho superior às forças do empregado...

Por meio destas táticas o Assédio Moral é então compreendido por Heloani (2003) como a constante e deliberada desqualificação da vítima, levando-a uma posição de fragilidade com o intuito de neutralizá-la em termos de poder.Trata-se, portanto, de um processo disciplinador, no qual se busca anular a vontade daquele que, para o agressor talvez se apresente como ameaça.

Tratamento do assédio moral

Consciente do conceito de Assédio Moral, das causas e motivações que favorecem o mesmo, dos efeitos destes sobre as vítimas e, das características do agressor, o assediado deve, então, montar uma estratégia para vencer o assediador. Neste             contexto, Heloani (2003) entende que identificar o fenômeno é o primeiro passo para combatê-lo, por isso é importantíssimo o estabelecimento de um bom diagnóstico.

Schmidt (2002) discute que é preciso definir quem seja o autor do assédio, procurar encontrar o objetivo perseguido pelo mesmo e saber o porquê do assédio. Feito o balanço da situação é possível saber se as coisas podem se ajeitar ou se a ruptura do contrato de trabalho é a única saída. Deste modo, diagnosticado o assédio moral, a etapa seguinte é a procura de uma solução adequada.

Uma meia-solução que costuma ser vislumbrada é a transferência de local de trabalho de um dos protagonistas do assédio. Contudo, ainda que isso seja possível, trata-se, geralmente, de transferência da vítima... E essa solução contribui ainda mais para aumentar seu sentimento de injustiça (SCHMIDT, 2003).

Quando a hipótese de transferência não é possível, então deve-se optar pela ruptura do contrato. Neste caso torna-se de fundamental importância que a vítima reúna o maior número de provas possíveis do assédio, para poder fazer o assediador ser punido por suas atitudes de abuso de poder.

Nesse momento, Schmidt (2002) descreve que comunicar torna-se então a palavra-chave, o assediado deve então conversar francamente com o agressor na presença de terceiros; informar ao superior hierárquico do agressor a respeito do assédio (desde que este demonstre-se imparcial quanto a ambos, não tendo predileções); dirigir-se ao sindicato ou ao representante do sindicato, se houver dentro da empresa; consultar o médico do trabalho, se a empresa dispõe de algum; dirigir-se a fiscalização do trabalho; consultar um especialista em tratamentos psicológicos; consultar um advogado; procurar os conselhos seccionais da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), em cada estado da federação; consultar uma associação especializada.

Além disso, esta autora relata que o assediado pode, também, recolher provas acerca de outras vítimas do mesmo agressor. É a freqüência de incidentes que indicará o intento. Um atestado informando o mal psicológico também poderá ajudar. E, certamente, serão valiosos os testemunhos favoráveis de colegas de trabalho que presenciaram os atos de assédio. Nesse passo, é importante ter sempre em mente evitar conversar com o agressor sem testemunhas.

Exemplificando o assédio moral

Embora as vítimas de assédio moral sejam, na maioria das vezes, pessoas que obtêm destaque por suas habilidades, estas pela repetição e sistematização da agressão moral, tornam-se, com facilidade, frágeis e adoentadas podendo ser conduzidas desde a uma incapacidade permanente, até a morte.

Dentro deste contexto, futuros empreendedores devem conscientizar-se acerca desta forma de violência “invisível”, da qual estes, por seu dinamismo e flexibilidade, podem tornar-se vítimas. Por isso, é relevante que os mesmos tenham conhecimento do referido tema para prevenir atitudes de assédio moral quando munidos de poder.

Para esclarecer o tema e torná-lo mais palpável, em meio ao cotidiano empresarial, apresenta-se a seguir alguns casos verídicos de assédio moral no trabalho, primeiramente envolvendo executivos vítimas do assédio moral devido a sua competência profissional e, posteriormente descrevendo casos em que os executivos fazem uso do assédio moral para alcançar os mais variados objetivos: superar cotas de venda, impulsionar o trabalhador a pedir demissão, desacreditar a vítima perante seus colegas de trabalho etc.

Assim, Heloani (2002) apresenta a história de Silva e de Celso. Silvia é uma executiva bem preparada que cursou diversas especializações e fez um MBA no exterior. Bonita, com aproximadamente quarenta anos, trabalha em um grande banco nacional como analista de sistemas. Recentemente separada e mãe de um único filho, portador de paralisia cerebral, depende fortemente do trabalho para subsistir. Devido à condição do filho, ocasionalmente precisa de seu superior para levar o menino a uma clínica de tratamento. Seu chefe constantemente a sobrecarrega com inúmeras tarefas em curto espaço de tempo, contribuindo para uma condição de permanente estresse. Embora não negue as autorizações solicitadas, o chefe de Silvia não perde a oportunidade de rebaixá-la. Em várias ocasiões, questiona rudemente sua liderada: “Se você não quer trabalhar, por que não dá lugar para outro?”. A situação permanente de pressão e constrangimento faz com que Silvia viva em constante estado de angústia, próximo da depressão.

Celso é um jovem ambicioso, diplomado em computação e em administração de empresas por uma conceituada universidade. Por não possuir experiência, experimentou dificuldade para obter seu primeiro emprego. Percorreu várias agências de empregos passou por numerosas entrevistas, até que foi chamado para integrar a equipe de marketing de uma grande empresa da área de bebidas. Começou a trabalhar com entusiasmo, porém seu ânimo foi arrefecendo à medida que seu chefe passou a tratá-lo rudemente com frases constantemente repetidas: “Bem se vê que você não tem experiência!”; “Puxa você é mesmo difícil!”; “Não consegue aprender as coisas mais simples!”; “Até uma criança faz isso, só você não consegue!”; “Você me enganou mesmo com seu currículo. Não consegue fazer metade do que colocou no papel”. Celso vem se esforçando, mas já se encontra sob tal pressão que perde sua habilidade natural para realizar com presteza suas funções. Se chefe não perde a oportunidade para desqualificá-lo ainda mais, aparentemente com o objetivo de fazê-lo deixar o emprego: “É melhor você desistir! É muito difícil e isso é para quem tem gana, não é para gente como você!”. Celso começa a sentir cansaço e tensão constantes no trabalho, como momentos de lapso de memória. Em casa evita conversar com a esposa sobre o trabalho e, à noite, sofre de insônia. Anseia pelos finais de semana e sente uma forte depressão quando a segunda-feira se aproxima.

Estes são casos de vítimas de assédio moral que são alvo de seus superiores por destacar-se profissionalmente. O estabelecimento de metas impossíveis à equipe ou a um funcionário é uma outra forma comum de assédio neste tempo de crise. Como exemplo, Salvador (2002) reporta o assédio moral ocorrido em uma multinacional conhecida no ramo de cerveja, que estabelecia metas de quotas a serem atingidas por seus empregados.

Antes de terminar o mês a referida empresa fazia uma averiguação e, constatando que o empregado estava próximo de atingir a quota então estabelecida, a alterava para que o objetivo não pudesse ser alcançado no mês seguinte. Assim, diante das reclamações dos vencedores as respectivas chefias eram orientadas a admoestar, proferindo palavras de alto calão na frente dos colegas de trabalho, do tipo: “quem não quer trabalhar, que não está satisfeito, que peça demissão ou vá discutir seus direitos na justiça”.

Não bastasse isso, o referido autor acrescenta que, para os empregados que não atingissem as quotas estabelecidas, eram habitualmente chamados de “fracos, incompetentes, incapazes de produzir”, sendo forçados a “dançar na pontinha da garrafa”, ao som da conhecida e popular música cantada em coro pelos demais colegas, que aderiram á política de assédio de seus respectivos chefes.

Outra sistemática cruel de trabalho, adotada por muitas empresas e explanada por Salvador como atitude característica de assédio moral, é o que vem ocorrendo com os trabalhadores que são lesionados no próprio ambiente de trabalho com a doença tragédia do século: “LER” (lesão por esforço repetitivo).

Em relação a esse fato, Salvador relata que normalmente os trabalhadores lesionados são atendidos pelo convênio médico que age, no geral, dentro do perfil exigido pela empresa conveniada e não do ponto de vista da necessidade do doente, possibilitando com isso a não emissão do Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT), bem como facilitando as resilições contratuais dos lesionados.

Neste aspecto, Salvador (2002) cita o exemplo de uma cliente sua, que ficou lesionada por “ler” trabalhando em uma multinacional conhecida no ramo de telecomunicações. O médico tal como a própria companhia, tinha conhecimento do estado avançado da doença, mas a empresa não emitiu o Comunicado de Acidente de Trabalho, nem pagou os tratamentos requeridos de fisioterapia.

Com receio de ser despedida, a funcionária mencionada continuou trabalhando, sem mudança de função, onde os esforços repetitivos lhe agravavam o já estágio crônico da doença. Para pressioná-la a continuar trabalhando e produzindo, sua chefia repetia em coro freqüente, quando reclamava das dores insuportáveis: “Que doença profissional que nada... O que na verdade a Maria tem pessoal, sabem o que é? Ela tem é... lerdeza!”.

Dentro desta conjuntura, Schmidt (2002) aponta que inúmeros são os fatores que conduzem ao assédio moral, bem como as formas de manifestação dos mesmos: atitudes como desconsiderar a vítima, isolá-la, impedi-la de se exprimir, desacreditá-la no seu trabalho ou acusá-la de paranóia quando a mesma tenta se defender.

Este conjunto de fatores pode agredir sua personalidade, sua dignidade ou sua integridade física ou moral, degradando o clima social; gozações sobre seu jeito de ser ou sobre pequenos defeitos (supostos ou reais), ofensivas à sua vida privada (família, reputação), ridicularizações, boatos, jogos subentendidos, mas contra os quais é quase impossível de se defender, etc. (SCHMIDT, 2002).

Tais comportamentos trazem consigo objetivos variados, conforme a ambição do agressor, tal como: obter a demissão do empregado evitando, assim, os custos de uma dispensa sem justa causa, repreender um comportamento faltoso da vítima, dar a entender ao empregado que não está satisfeito com ele, destruir o assediado visto que o mesmo apresenta-se como uma ameaça ao assediador por suas habilidades e capacidades, omitir falhas que o assediador possa ter cometido e as quais correm o risco de serem descobertas, ou simplesmente humilhá-lo por perversidade.

Em vista disso, Menezes (2003) reitera outras manifestações de assédio moral:

O assédio ocorrido em circunstâncias em que o empregado goza de estabilidade ou de alguma garantia no emprego;

Ameaças constantes de dispensa, coletiva ou individual, comentários desabonadores, irônicos ou sarcásticos;

Superior hierárquico que põe sempre em dúvida o trabalho e a capacidade do obreiro;

Determinado chefe que trata seus subordinados rudemente, com sistemáticas agressões verbais;

Empregado que é vítima de comentários maldosos de ordem sexual, racial ou social;

Falsas alegações de assédio moral de quem procura, disfarçadamente, desestabilizar, desmoralizar um colega ou um superior. O agressor, caracterizado na maioria das vezes como um superior hierárquico, passa agora à condição de vítima, sendo ferido pelo mesmo meio com que este, através do abuso de poder, comumente agredia seus subordinados.

Assim, observa-se a expansão do assédio moral que, em vista sua impunidade, alastra-se a novos setores, evoluindo sob formas cada vez mais criativas de aplicação do mesmo.

Leis e Medidas Preventivas

O assédio moral não é algo novo, existe há muito tempo em todo o mundo. Contudo, atualmente este tem apresentado algumas novidades quanto a sua gravidade, generalização e banalização do problema. Diante deste fato, muitas têm sido as discussões sobre a criminalização desta conduta na legislação brasileira, visto que, de acordo com Jaloreto (2004), atualmente no Brasil o agressor não pode ser punido criminalmente, uma vez que não existe lei que se define o assédio moral como crime.

No entanto, Silva (www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/15/90/1590) expõe que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde 1943, prevê, como motivos de rescisão indireta (hipótese de rescisão de iniciativa do empregado por  culpa do empregador), dispositivos que podem ser invocados para respaldar eventual ação de indenização por assédio moral: artigo 482, alínea “j” - o empregador pode ser demitido por justa causa por “ato lesivo da honra, ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem”;            artigo 483 - comete falta grave o empregador que exigir serviços superiores às forças do empregado (alínea “a”), tratá-lo  (diretamente ou através de superiores hierárquicos) com rigor excessivo (alínea “b”), colocá-lo em perigo manifesto de mal considerável  (alínea “c”), descumprir as obrigações do contrato  (alínea “d”), praticar contra ele ou pessoas de sua família atos lesivos da honra e da boa fama (alínea “e”) e ofensivas físicas (alínea “f”).

Para Schmidt (2002) no Brasil a CLT ainda não contém dispositivos específicos para a prevenção do assédio moral e, enquanto não houver uma legislação específica a esse respeito, também poderão ser invocados pela vítima os artigos 146 e 147 do Código Penal, que se situam na seção dos crimes contra a liberdade pessoal. O primeiro deles trata do constrangimento ilegal, sendo seu tipo legal assim definido: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”. E o segundo cuida do crime se ameaça, sendo assim tipificado: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico de causar-lhe mal injusto e grave”.

Entretanto, para os defensores da criminalização da conduta no Brasil, a criação de um dispositivo legal contribuiria para a repressão de ações passadas e a prevenção de ações futuras. Deste modo, entendem que, sob a proteção do direito penal, tal conduta nociva tende a diminuir, uma vez que a hipossuficiência da vitima seria suprida pela mão forte da justiça criminal, isto é, a punição auxiliaria a combater o problema, pois “imporia um limite ao indivíduo perverso”.

Muitos são os projetos de lei em âmbito municipal, estadual e federal, que se encontram em trâmite perante o poder legislativo, objetivando introduzir no Código Penal Brasileiro pena de detenção e multa àquele que se enquadrar nessa prática abusiva. No entanto, Jaloreto (2004), compreende que é incabida a criminalização de tal conduta, uma vez que corre grande risco de se ver o direito penal sendo utilizado como instrumento de barganha nas relações de trabalho, bem como em negociações entre patrões e empregados.

Para ele, jamais se deve deixar impune o causador do dano, mas, da mesma forma os objetivos da lei penal não devem ser desvirtuados, tornando-se fonte de favorecimentos diversos. A aparentemente inofensiva condução de um suposto assediador ao banco dos réus, quando o mesmo é inocente, por si só, pode se caracterizar como uma verdadeira injustiça: se absolvido quem reparará tal constrangimento?

Por fim, deduz que algumas condutas características do chamado assédio moral, já são consideradas criminosas na atual legislação, o que torna inviável a criação de um dispositivo legal específico para o assédio moral, uma vez que o risco de proclamarem-se injustiças é proporcional à pluralidade de possíveis interpretações do caso concreto, pelo julgador.

Heloani (2003) concebe que verdadeiramente a maior dificuldade em relação ao tratamento do assédio moral é justamente sua “invisibilidade” e o alto grau de subjetividade envolvido na questão. A comprovação da relação entre conseqüência – o sofrimento da vítima – e sua causa – a agressão -, indispensável na esfera criminal, nem sempre é aparente, na medida em que tais humilhações são, sobretudo cometidas “com luvas”, ou seja, sem deixar as digitais do agressor. Aliás, é certo que a Lei enfrentará o ciclo de medo e terror hoje presente nas relações de trabalho, em vista do desemprego, competição desigual, redução de salários e desvalorização pessoal.

Com base nestes fatos, Heloani (2003) entende que, mais do que a lei é necessário criar consciência geral de transparência, cooperando para que o ambiente de trabalho seja saudável e adequado ao desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos. Destarte, é preciso rever as condições que determinam o exagerado ambiente de competição, passo efetivo no processo de humanização do trabalho.

A discussão do assédio moral deve conduzir as pessoas a refletirem e a compreenderem que não se trata de um problema individual, mas de um problema que envolve interações sociais complexas e a luta por justiça em combate à impunidade.

Do ponto de vista das empresas, Heloani (2003) defende como medida preventiva à criação de códigos de ética e de mecanismos a serem criados para dar ao funcionário agredido o direito de denunciar a agressão de que tenha sido vítima, por escrito e sigilosamente. Com isso, a vítima poderia utilizar caixas postais ou urnas para ter seu anonimato garantido.

Schmidt (2002) sobrepõe que da mesma forma, poder-se-ia instituir no seio da empresa de médio e grande porte, um Conselho composto de membros eleitos pelos empregados, representativos de todas as categorias profissionais presentes na empresa. Desse Conselho, poderia também fazer parte um representante do Sindicato de Trabalhadores, pessoa alheia ao ambiente de trabalho e que, portanto, estaria mais isenta de eventuais retaliações. Esse Conselho teria por objetivo a discussão e análise de situações denunciadas como sendo de assédio moral, tendo reuniões periódicas e freqüentes, com poder de sugestão ou de co-decisão junto ao empregador.

Contudo, independente do sistema a ser utilizado pela a empresa para coibir a prática do assédio moral é de fundamental importância que se tenha consciência de que a organização, bem como as relações de trabalho, condicionam em grande parte a vida das pessoas, visto que estas devotam a maior parte de seu tempo dentro das mesmas.

Assim, é relevante que o empregador esteja ciente de que é sua obrigação garantir ao trabalhador um ambiente de trabalho sadio, assegurando-lhe o direito de, ao ser demitido, encontrar-se igualmente desfrutando de perfeito estado de saúde física e mental para o seu possível e viável retorno ao mercado de trabalho.Pois é sabido que o trabalhador só conta com sua força de trabalho para retirar o sustento à sua sobrevivência e, que a busca do lucro não pode sobrepor a dignidade do trabalhador como pessoa humana, nem impedi-lo de participar da obra que completa o empreendimento econômico.

Considerações Finais

Diante dos fatos descritos, pode-se arrematar que o assédio moral encontra-se presente na vida de muitos trabalhadores, ferindo a integridade física e/ou psíquica dos mesmos e colocando em perigo sua conduta profissional, o que tem provocado discussões entre profissionais de diversas áreas, como psicólogos, médicos, advogados e administradores.

Portanto, seja através de leis ou medidas preventivas, o assédio moral deve ser coibido das relações de trabalho, pois se constitui em um mal que não é benéfico a nenhum indivíduo da sociedade, sendo prejudicial à empresa, que perde com a queda de produtividade de seu funcionário e, principalmente, à vítima que sofre com as agressões podendo ser conduzida até mesmo à morte.

Em vista de tamanha gravidade, é imprescindível, a conscientização de todos acerca do referido tema, como medida preventiva para evitar o favorecimento do surgimento de atitudes que caracterizam o assédio moral no ambiente de trabalho, bem como proporcionar as vítimas subsídios para que as mesmas, quando agredidas, possam tomar medidas coerentes para que o agressor seja devidamente punido.

Nesta perspectiva, é importante ressaltar que os empreendedores, por suas habilidades e capacidades que os destacam dos demais, são fortes candidatos a serem vítimas de um possível assediador que não disponha de tais qualidades.

Deste modo, empreendedores que utilizem sua capacidade de inovação para empreender mudanças, devem fazê-la também em meio às questões humanas, pois o assédio moral, tem-se revelado com maior intensidade no ambiente empresarial, sendo que suas manifestações expandem-se sob faces cada vez mais inovadoras.

Tal fato agrava-se ainda mais diante da atual cultura competitiva, em que todos procuram vencer a qualquer custo e a solidariedade perde espaço para atitudes como o individualismo, a inveja, as perseguições e o clima de terror.

Nada obstante, as relações existentes no processo produtivo condicionam, de certa maneira, a qualidade de vida dos indivíduos de uma certa sociedade. Assim, calar-se em caso de assédio moral é contribuir para a proliferação deste e para a permanente impunidade dos agressores e, como cidadãos, todos devem lutar pelo exercício concreto e pessoal de todas as liberdades fundamentais.

 

Referências Bibliográficas

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 26 abril, 2005.