Por REGINA ALVES DA SILVA
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O Empreendedor e o Assédio Moral no Trabalho
Regina
Alves da Silva
Resumo
Um
ideal compartilhado por empreendedores é formar um ambiente
empresarial produtivo e harmônico. Contudo, observa-se um
crescente desenvolvimento do assédio moral dentro do trabalho,
sendo este entendido como qualquer atitude abusiva que, por sua
repetição e intencionalidade, tende a desestabilizar as vítimas
de suas insídias. Isto têm gerado um ambiente de trabalho
hostil, coibindo o direito de liberdade e o sucesso profissional
dos funcionários, podendo até conduzi-los à morte. Diante da
gravidade deste ato, é mister a conscientização de todos acerca
do referido tema, como medida preventiva para evitar o surgimento
de atitudes que caracterizam o assédio moral no local de
trabalho, bem como proporcionar as vítimas, subsídios para que
as mesmas quando agredidas, possam tomar medidas coerentes para
que o agressor seja devidamente punido.
Palavras
– chaves: cultura competitiva, violência invisível,
conscientização.
Abstract
An
idealism which is shared by undertakers it’s make an harmonic
and successful work’s place. However it’s perfect an highest
development of work siege mentality that meaning every abusive
action because of the repetition and the purpose to take off the
stability of victims. These actions become the place of work
unfriendly and suppress the liberty and possibilities of
successful to employees. Also it could take them to death. With
the danger that act can do
it’s important to those people awake to the problem like a king
of prevention to avoid those similar actions happening in the work’s
place. Like this it’s possible that victims behave against these
actions and guilty be punished.
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Introdução
Atualmente
o empreendedorismo mostra-se como uma importante característica exigida administração.O
empreendedor, segundo Shumpter (1949), é aquele que destrói a ordem econômica
existente instaurando mudanças inovadoras, através da introdução de
novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização,
ou pela exploração de novos recursos e materiais.
Portanto,
um empreendedor deve apresentar as seguintes características: saber tomar
decisões importantes, ter determinação, ser dinâmico, otimista,
independente, bem-relacionado (networking), organizado, apaixonado pelo
que faz, ser líder e formador de equipes, possuir conhecimentos, ter
ampla visão de mercado para assumir riscos calculados criando valores
para a sociedade, deve saber antever as oportunidades, prever os riscos e,
por fim, fazer a diferença em seu trabalho (DORNELLAS, 2001).
Porém,
o que se observa hoje é que o profissional que apresenta tais características,
destacando-se dos demais, pode, muitas vezes, incomodar seu superior e
colegas de trabalho por suas habilidades e então defrontar-se com um
inesperado oponente: o assédio moral. Hirigoyen (2002) afirma que o assédio
moral no local de trabalho é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra,
comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização,
contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando
seu emprego ou degradando o clima de trabalho.
A
vítima assediada é, em geral, escolhida porque tem características que
perturbam os interesses do elemento assediador por suas habilidades,
destreza, conhecimento, desempenho e exemplo, ou simplesmente, por
desajustamento sexual ou psíquico por parte do assediador (Ramires
apud Salvador, 2002, p. 8). Conforme a juíza do trabalho Schmidt
(2002) o novo perfil exigido do trabalhador favorece o desenvolvimento de
situações de assédio moral, pois de um lado estabelece-se que este deve
ser competitivo, capaz, qualificado, criativo e polivalente. De outro
lado, esse novo trabalhador sabe que não estar “apto” a essa nova
realidade pode significar a perda do emprego.
Em
vista disso, o medo do desemprego favorece o aparecimento da submissão e,
a conseqüente impunidade dos agressores, visto que, na maioria das vezes
a vítima desconhece a existência do assédio moral, não sabe as medidas
que podem ser tomadas para coibi-lo e, teme tomar qualquer atitude que
possa o prejudicar diante do competitivo mercado de trabalho. Somado a
este fato, tem-se ainda a competição existente entre os próprios
empregados, a hierarquização rígida que impossibilita a comunicação e
o diálogo franco, além da terceirização e a horizontalidade do
processo produtivo, que tem por finalidade o aumento de competitividade,
propiciando o nascimento de compartimentos produtivos estanques, mais propícios
ao desenvolvimento de “micro-impérios”, onde a lei que impera é a
daquele que “governa”. Deste modo, tem-se então um ambiente propício
ao surgimento do assédio moral, com o desencadeamento de uma série de
humilhações, fortalecidas pela submissão.
As
causas
Existem
diversos fatores que conduzem ao desenvolvimento do assédio moral e
contribuem para a sua impunidade. Têm-se
como causas e motivações desse mal que assola o trabalho, primeiramente,
a perversidade do ser humano e, somado a esta, a competitividade
desenfreada; o individualismo exacerbado; o medo de perder o emprego ou o
posto de trabalho para colegas mais capazes, ou experientes; o receio em
ver falhas descobertas, ilegalidades; a resistência ao novo, ao
diferente, ou até ao tradicional (MENEZES, 2003).
O
crescimento do individualismo em meio ao processo de globalização
reafirma o perfil do novo trabalhador, autônomo, flexível, capaz,
competitivo, criativo, qualificado, e empregável. Estas características
o qualificam para a demanda do mercado. Estar “apto” significa
responsabilizar os trabalhadores pela formação/qualificação e
culpabilizá-los pelo desemprego, aumento da pobreza urbana e miséria,
desfocando a realidade e impondo aos trabalhadores um sofrimento perverso
( www.assediomoral.org ).
Tal
condição facilita o surgimento de formas nocivas de tratamento por parte
de gestores, que fazem uso de seu poder para humilhar as pessoas sob seu
comando isso porque, segundo Salvador (2002), o empregador está ciente
que:
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É
longo o tempo de demora na solução de causas trabalhistas; |
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O
trabalhador intimida-se por medo de utilizar o direito constitucional
de ação, por causa das conhecidas listas negras, que ainda imperam; |
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O
risco do desemprego, diante de um mercado instável, com um desemprego
estrutural mundial assustador. |
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O
empregado teme retaliações, como mudanças desvantajosas de função
e local. |
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Além
disso, denúncias podem tornar pública a humilhação pela qual
passaram as vítimas, aumentando ainda mais o sofrimento destas. |
Assim,
tem-se o silêncio diante do assédio moral que favorece ao surgimento e
desenvolvimento do mesmo frente sua impunidade. Permitindo a constituição
de “impérios empresariais”, onde a lei que vigora é a que o agressor
determina, com total alvedrio para desrespeitar o direito de liberdade,
privacidade e respeito das demais pessoas que trabalham em sua organização.
Os
efeitos
Heloani
(2003) argumenta que o assédio moral no trabalho costuma gerar patologias
em suas vítimas, na medida em que faz com que elas acreditem ser
exatamente o que seus agressores pensam, ou desejam que sejam. Embora seus
agressores tentem desqualificá-las, as vítimas não costumam ser indivíduos
doentes ou frágeis. São pessoas que tomam, de forma consciente ou
inconsciente, posições de enfrentamento algumas vezes questionando
privilégios ou situações injustas. Isso ocorre justamente por não se
deixarem dominar, por não se curvarem ou por não aceitarem práticas de
desrespeito ou exploração.
Na
verdade, as vítimas são alvos do assediador por se destacarem no exercício
de suas funções, sendo extremamente competentes e capacitadas, por isso
o empreendedor pode figurar tanto como vítima, quanto como “vilão”
em uma situação de assédio moral. Primeiramente, pode ser vítima de
seu superior ou de colegas de trabalho, devido ao seu destaque em
empreender mudanças controladas de forte impacto positivo à organização.
Em contrapartida, visto sua capacidade de visão, pode visualizar colegas
que vêem progredindo rapidamente em sua carreira profissional e que
futuramente poderão representar a este uma ameaça a seu posto de
trabalho.
Todavia,
por ser um processo sistemático e repetitivo, o assédio moral acaba por
ferir o espírito do assediado mesmo se as palavras tóxicas forem
mentirosas, formando na vítima uma ferida ainda mais profunda, pois é
acrescida de um sentimento de injustiça. Neste contexto Salvador (2002)
apresenta os efeitos desta violência moral como um processo destruidor
que pode conduzir a vítima a uma incapacidade permanente e mesmo à
morte: o chamado bullicidio. A agressão tende a desencadear ansiedade e a
vítima se coloca em atitude defensiva (hipervigilância) por ter a sensação
de ameaça, além disso, sentimentos de fracasso, impotência, baixa
auto-estima e humilhação tornam-se freqüentes.
Ainda
sendo, os efeitos dessas agressões sofridas pelos trabalhadores no próprio
ambiente de trabalho redundam nos já conhecidos distúrbios físicos e psíquicos
duradouros e que desencadeiam o desenvolvimento de patologias múltiplas
que podem até matá-lo no trabalho e levá-lo ao suicídio. De uma forma
sistemática, Schmidt (2002) enumera então os efeitos do assédio moral
como:
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Endurecimento
e esfriamento das relações no ambiente de trabalho; |
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Dificuldade
para enfrentar as agressões e interagir em equipe; |
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Isolamento
e internalização; |
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Sentimento
de pouca utilidade, de fracasso e de “coisificação”; |
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Falta
de entusiasmo pelo trabalho; |
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Falta
de controle emocional; |
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Diminuição
da produtividade; |
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Aumento
do absenteísmo; |
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Demissão; |
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Desemprego; |
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Enfraquecimento
da saúde; |
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Tensão
nos relacionamentos afetivos; |
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Desenvolvimento
de doenças físicas ou psíquicas; |
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Suicídio. |
Por
fim, no seio da sociedade, Salvador (2002) expõe que as conseqüências
provocadas por esse processo destruidor e aniquilador do sentimento de
utilidade da pessoa humana, não servem a ninguém. É nefasto à própria
empresa que o praticou por seus prepostos, como nefasto a toda a sociedade
no geral, ficando onerada com os custos das despesas previdenciárias
decorrentes das incapacidades geradas para o trabalho, pela perda, quer da
produção da vítima, quer do próprio emprego que ocorre na maioria das
vezes.
O
agressor
Traçar
o perfil do agressor é imprescindível para que o assediado possa
identificá-lo em meio às insinuações cotidianas do mesmo. Deste modo,
Menezes (2003) apresenta que, quem assedia busca desestabilizar a sua vítima
e, para tanto, utiliza um processo continuado, ou seja, um conjunto de
atos e procedimentos destinados a expor a vítima a situações incômodas
e humilhantes. O referido autor demonstra que, de regra, o assediador é
sutil, pois a agressão aberta permite um revide e desmascara sua estratégia
indiciosa.
Daí
a preferência pela comunicação não-verbal, através de gestos,
fofocas, ironias, sarcasmos ou de até mesmo, ignorar a existência da vítima.
Tais estratégias permitem ao assediador, quando questionado, afirmar não
haver intencionalidade, não assumir seus atos, alegando ser estes apenas
brincadeiras sem qualquer intenção e, possibilitando a troca de papéis,
isto é, coloca-se na condição de vítima, pede desculpas e acusa o
assediado de estar paranóico.
Em
vista desta estratégia sutil e subjetiva, Heloani (2003) caracteriza o
assédio moral como uma “violência invisível” na medida em que,
paulatinamente, faz com que as vítimas acreditem ser exatamente o que
seus agressores pensam ou desejam que sejam. Normalmente, o agressor é
uma pessoa que está aparentemente muito satisfeita com ela mesma e
raramente se questiona sobre suas atitudes, sendo incapaz de sentir
empatia, disfarça uma baixa auto-estima que traz insegurança, tornando
difícil a vida dos que são capazes de trabalhar melhor do que ele
(SCHMIDT, 2002).
Dentro
deste contexto a explicitação do assédio moral ocorre através de inúmeras
situações, conforme explanado por Menezes (2003): rigor excessivo,
confiar tarefas inúteis ou degradantes, desqualificação, críticas em público,
isolamento, inatividade forçada, ameaças, exploração de fragilidades
psíquica ou física, limitação ou coibição de qualquer inovação ou
iniciativa do trabalhador, obrigação de realizar autocríticas em reuniões
públicas, exposição ao ridículo, divulgação de doença e problemas
pessoais, gestos agressões verbais, comportamentos obsessivos e vexatórios,
humilhações públicas e privadas, amedrontamento, ironia, exposição ao
ridículo, sorrisos, suspiros, indiferença à presença do outro, instruções
confusas, trabalho superior às forças do empregado...
Por
meio destas táticas o Assédio Moral é então compreendido por Heloani
(2003) como a constante e deliberada desqualificação da vítima,
levando-a uma posição de fragilidade com o intuito de neutralizá-la em
termos de poder.Trata-se, portanto, de um processo disciplinador, no qual
se busca anular a vontade daquele que, para o agressor talvez se apresente
como ameaça.
Tratamento
do assédio moral
Consciente
do conceito de Assédio Moral, das causas e motivações que favorecem o
mesmo, dos efeitos destes sobre as vítimas e, das características do
agressor, o assediado deve, então, montar uma estratégia para vencer o
assediador. Neste
contexto, Heloani (2003) entende que identificar o fenômeno é o
primeiro passo para combatê-lo, por isso é importantíssimo o
estabelecimento de um bom diagnóstico.
Schmidt
(2002) discute que é preciso definir quem seja o autor do assédio,
procurar encontrar o objetivo perseguido pelo mesmo e saber o porquê do
assédio. Feito o balanço da situação é possível saber se as coisas
podem se ajeitar ou se a ruptura do contrato de trabalho é a única saída.
Deste modo, diagnosticado o assédio moral, a etapa seguinte é a procura
de uma solução adequada.
Uma
meia-solução que costuma ser vislumbrada é a transferência de local de
trabalho de um dos protagonistas do assédio. Contudo, ainda que isso seja
possível, trata-se, geralmente, de transferência da vítima... E essa
solução contribui ainda mais para aumentar seu sentimento de injustiça
(SCHMIDT, 2003).
Quando
a hipótese de transferência não é possível, então deve-se optar pela
ruptura do contrato. Neste caso torna-se de fundamental importância que a
vítima reúna o maior número de provas possíveis do assédio, para
poder fazer o assediador ser punido por suas atitudes de abuso de poder.
Nesse
momento, Schmidt (2002) descreve que comunicar torna-se então a
palavra-chave, o assediado deve então conversar francamente com o
agressor na presença de terceiros; informar ao superior hierárquico do
agressor a respeito do assédio (desde que este demonstre-se imparcial
quanto a ambos, não tendo predileções); dirigir-se ao sindicato ou ao
representante do sindicato, se houver dentro da empresa; consultar o médico
do trabalho, se a empresa dispõe de algum; dirigir-se a fiscalização do
trabalho; consultar um especialista em tratamentos psicológicos;
consultar um advogado; procurar os conselhos seccionais da Organização
dos Advogados do Brasil (OAB), em cada estado da federação; consultar
uma associação especializada.
Além
disso, esta autora relata que o assediado pode, também, recolher provas
acerca de outras vítimas do mesmo agressor. É a freqüência de
incidentes que indicará o intento. Um atestado informando o mal psicológico
também poderá ajudar. E, certamente, serão valiosos os testemunhos
favoráveis de colegas de trabalho que presenciaram os atos de assédio.
Nesse passo, é importante ter sempre em mente evitar conversar com o
agressor sem testemunhas.
Exemplificando
o assédio moral
Embora
as vítimas de assédio moral sejam, na maioria das vezes, pessoas que obtêm
destaque por suas habilidades, estas pela repetição e sistematização
da agressão moral, tornam-se, com facilidade, frágeis e adoentadas
podendo ser conduzidas desde a uma incapacidade permanente, até a morte.
Dentro
deste contexto, futuros empreendedores devem conscientizar-se acerca desta
forma de violência “invisível”, da qual estes, por seu dinamismo e
flexibilidade, podem tornar-se vítimas. Por isso, é relevante que os
mesmos tenham conhecimento do referido tema para prevenir atitudes de assédio
moral quando munidos de poder.
Para
esclarecer o tema e torná-lo mais palpável, em meio ao cotidiano
empresarial, apresenta-se a seguir alguns casos verídicos de assédio
moral no trabalho, primeiramente envolvendo executivos vítimas do assédio
moral devido a sua competência profissional e, posteriormente descrevendo
casos em que os executivos fazem uso do assédio moral para alcançar os
mais variados objetivos: superar cotas de venda, impulsionar o trabalhador
a pedir demissão, desacreditar a vítima perante seus colegas de trabalho
etc.
Assim,
Heloani (2002) apresenta a história de Silva e de Celso. Silvia é uma
executiva bem preparada que cursou diversas especializações e fez um MBA
no exterior. Bonita, com aproximadamente quarenta anos, trabalha em um
grande banco nacional como analista de sistemas. Recentemente separada e mãe
de um único filho, portador de paralisia cerebral, depende fortemente do
trabalho para subsistir. Devido à condição do filho, ocasionalmente
precisa de seu superior para levar o menino a uma clínica de tratamento.
Seu chefe constantemente a sobrecarrega com inúmeras tarefas em curto
espaço de tempo, contribuindo para uma condição de permanente estresse.
Embora não negue as autorizações solicitadas, o chefe de Silvia não
perde a oportunidade de rebaixá-la. Em várias ocasiões, questiona
rudemente sua liderada: “Se você não quer trabalhar, por que não dá
lugar para outro?”. A situação permanente de pressão e
constrangimento faz com que Silvia viva em constante estado de angústia,
próximo da depressão.
Celso
é um jovem ambicioso, diplomado em computação e em administração de
empresas por uma conceituada universidade. Por não possuir experiência,
experimentou dificuldade para obter seu primeiro emprego. Percorreu várias
agências de empregos passou por numerosas entrevistas, até que foi
chamado para integrar a equipe de marketing de uma grande empresa da área
de bebidas. Começou a trabalhar com entusiasmo, porém seu ânimo foi
arrefecendo à medida que seu chefe passou a tratá-lo rudemente com
frases constantemente repetidas: “Bem se vê que você não tem experiência!”;
“Puxa você é mesmo difícil!”; “Não consegue aprender as coisas
mais simples!”; “Até uma criança faz isso, só você não
consegue!”; “Você me enganou mesmo com seu currículo. Não consegue
fazer metade do que colocou no papel”. Celso vem se esforçando, mas já
se encontra sob tal pressão que perde sua habilidade natural para
realizar com presteza suas funções. Se chefe não perde a oportunidade
para desqualificá-lo ainda mais, aparentemente com o objetivo de fazê-lo
deixar o emprego: “É melhor você desistir! É muito difícil e isso é
para quem tem gana, não é para gente como você!”. Celso começa a
sentir cansaço e tensão constantes no trabalho, como momentos de lapso
de memória. Em casa evita conversar com a esposa sobre o trabalho e, à
noite, sofre de insônia. Anseia pelos finais de semana e sente uma forte
depressão quando a segunda-feira se aproxima.
Estes
são casos de vítimas de assédio moral que são alvo de seus superiores
por destacar-se profissionalmente. O estabelecimento de metas impossíveis
à equipe ou a um funcionário é uma outra forma comum de assédio neste
tempo de crise. Como exemplo, Salvador (2002) reporta o assédio moral
ocorrido em uma multinacional conhecida no ramo de cerveja, que
estabelecia metas de quotas a serem atingidas por seus empregados.
Antes
de terminar o mês a referida empresa fazia uma averiguação e,
constatando que o empregado estava próximo de atingir a quota então
estabelecida, a alterava para que o objetivo não pudesse ser alcançado
no mês seguinte. Assim, diante das reclamações dos vencedores as
respectivas chefias eram orientadas a admoestar, proferindo palavras de
alto calão na frente dos colegas de trabalho, do tipo: “quem não quer
trabalhar, que não está satisfeito, que peça demissão ou vá discutir
seus direitos na justiça”.
Não
bastasse isso, o referido autor acrescenta que, para os empregados que não
atingissem as quotas estabelecidas, eram habitualmente chamados de
“fracos, incompetentes, incapazes de produzir”, sendo forçados a
“dançar na pontinha da garrafa”, ao som da conhecida e popular música
cantada em coro pelos demais colegas, que aderiram á política de assédio
de seus respectivos chefes.
Outra
sistemática cruel de trabalho, adotada por muitas empresas e explanada
por Salvador como atitude característica de assédio moral, é o que vem
ocorrendo com os trabalhadores que são lesionados no próprio ambiente de
trabalho com a doença tragédia do século: “LER” (lesão por esforço
repetitivo).
Em
relação a esse fato, Salvador relata que normalmente os trabalhadores
lesionados são atendidos pelo convênio médico que age, no geral, dentro
do perfil exigido pela empresa conveniada e não do ponto de vista da
necessidade do doente, possibilitando com isso a não emissão do
Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT), bem como facilitando as resilições
contratuais dos lesionados.
Neste
aspecto, Salvador (2002) cita o exemplo de uma cliente sua, que ficou
lesionada por “ler” trabalhando em uma multinacional conhecida no ramo
de telecomunicações. O médico tal como a própria companhia, tinha
conhecimento do estado avançado da doença, mas a empresa não emitiu o
Comunicado de Acidente de Trabalho, nem pagou os tratamentos requeridos de
fisioterapia.
Com
receio de ser despedida, a funcionária mencionada continuou trabalhando,
sem mudança de função, onde os esforços repetitivos lhe agravavam o já
estágio crônico da doença. Para pressioná-la a continuar trabalhando e
produzindo, sua chefia repetia em coro freqüente, quando reclamava das
dores insuportáveis: “Que doença profissional que nada... O que na
verdade a Maria tem pessoal, sabem o que é? Ela tem é... lerdeza!”.
Dentro
desta conjuntura, Schmidt (2002) aponta que inúmeros são os fatores que
conduzem ao assédio moral, bem como as formas de manifestação dos
mesmos: atitudes como desconsiderar a vítima, isolá-la, impedi-la de se
exprimir, desacreditá-la no seu trabalho ou acusá-la de paranóia quando
a mesma tenta se defender.
Este
conjunto de fatores pode agredir sua personalidade, sua dignidade ou sua
integridade física ou moral, degradando o clima social; gozações sobre
seu jeito de ser ou sobre pequenos defeitos (supostos ou reais), ofensivas
à sua vida privada (família, reputação), ridicularizações, boatos,
jogos subentendidos, mas contra os quais é quase impossível de se
defender, etc. (SCHMIDT, 2002).
Tais
comportamentos trazem consigo objetivos variados, conforme a ambição do
agressor, tal como: obter a demissão do empregado evitando, assim, os
custos de uma dispensa sem justa causa, repreender um comportamento
faltoso da vítima, dar a entender ao empregado que não está satisfeito
com ele, destruir o assediado visto que o mesmo apresenta-se como uma ameaça
ao assediador por suas habilidades e capacidades, omitir falhas que o
assediador possa ter cometido e as quais correm o risco de serem
descobertas, ou simplesmente humilhá-lo por perversidade.
Em
vista disso, Menezes (2003) reitera outras manifestações de assédio
moral:
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O
assédio ocorrido em circunstâncias em que o empregado goza de
estabilidade ou de alguma garantia no emprego; |
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Ameaças
constantes de dispensa, coletiva ou individual, comentários
desabonadores, irônicos ou sarcásticos; |
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Superior
hierárquico que põe sempre em dúvida o trabalho e a capacidade do
obreiro; |
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Determinado
chefe que trata seus subordinados rudemente, com sistemáticas agressões
verbais; |
 |
Empregado
que é vítima de comentários maldosos de ordem sexual, racial ou
social; |
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Falsas
alegações de assédio moral de quem procura, disfarçadamente,
desestabilizar, desmoralizar um colega ou um superior. O agressor,
caracterizado na maioria das vezes como um superior hierárquico,
passa agora à condição de vítima, sendo ferido pelo mesmo meio com
que este, através do abuso de poder, comumente agredia seus
subordinados. |
Assim,
observa-se a expansão do assédio moral que, em vista sua impunidade,
alastra-se a novos setores, evoluindo sob formas cada vez mais criativas
de aplicação do mesmo.
Leis
e Medidas Preventivas
O
assédio moral não é algo novo, existe há muito tempo em todo o mundo.
Contudo, atualmente este tem apresentado algumas novidades quanto a sua
gravidade, generalização e banalização do problema. Diante deste fato,
muitas têm sido as discussões sobre a criminalização desta conduta na
legislação brasileira, visto que, de acordo com Jaloreto (2004),
atualmente no Brasil o agressor não pode ser punido criminalmente, uma
vez que não existe lei que se define o assédio moral como crime.
No
entanto, Silva (www.direitonet.com.br/doutrina/artigos/x/15/90/1590)
expõe que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde 1943, prevê,
como motivos de rescisão indireta (hipótese de rescisão de iniciativa
do empregado por culpa do
empregador), dispositivos que podem ser invocados para respaldar eventual
ação de indenização por assédio moral: artigo 482, alínea “j” -
o empregador pode ser demitido por justa causa por “ato lesivo da honra,
ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas,
nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de
outrem”;
artigo 483 - comete falta grave o empregador que exigir serviços
superiores às forças do empregado (alínea “a”), tratá-lo
(diretamente ou através de superiores hierárquicos) com rigor
excessivo (alínea “b”), colocá-lo em perigo manifesto de mal
considerável (alínea
“c”), descumprir as obrigações do contrato
(alínea “d”), praticar contra ele ou pessoas de sua família
atos lesivos da honra e da boa fama (alínea “e”) e ofensivas físicas
(alínea “f”).
Para
Schmidt (2002) no Brasil a CLT ainda não contém dispositivos específicos
para a prevenção do assédio moral e, enquanto não houver uma legislação
específica a esse respeito, também poderão ser invocados pela vítima
os artigos 146 e 147 do Código Penal, que se situam na seção dos crimes
contra a liberdade pessoal. O primeiro deles trata do constrangimento
ilegal, sendo seu tipo legal assim definido: “Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por
qualquer outro meio, a capacidade de resistência a não fazer o que a lei
permite, ou a fazer o que ela não manda”. E o segundo cuida do crime se
ameaça, sendo assim tipificado: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito
ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico de causar-lhe mal injusto e
grave”.
Entretanto,
para os defensores da criminalização da conduta no Brasil, a criação
de um dispositivo legal contribuiria para a repressão de ações passadas
e a prevenção de ações futuras. Deste modo, entendem que, sob a proteção
do direito penal, tal conduta nociva tende a diminuir, uma vez que a
hipossuficiência da vitima seria suprida pela mão forte da justiça
criminal, isto é, a punição auxiliaria a combater o problema, pois
“imporia um limite ao indivíduo perverso”.
Muitos
são os projetos de lei em âmbito municipal, estadual e federal, que se
encontram em trâmite perante o poder legislativo, objetivando introduzir
no Código Penal Brasileiro pena de detenção e multa àquele que se
enquadrar nessa prática abusiva. No entanto, Jaloreto (2004), compreende
que é incabida a criminalização de tal conduta, uma vez que corre
grande risco de se ver o direito penal sendo utilizado como instrumento de
barganha nas relações de trabalho, bem como em negociações entre patrões
e empregados.
Para
ele, jamais se deve deixar impune o causador do dano, mas, da mesma forma
os objetivos da lei penal não devem ser desvirtuados, tornando-se fonte
de favorecimentos diversos. A aparentemente inofensiva condução de um
suposto assediador ao banco dos réus, quando o mesmo é inocente, por si
só, pode se caracterizar como uma verdadeira injustiça: se absolvido
quem reparará tal constrangimento?
Por
fim, deduz que algumas condutas características do chamado assédio
moral, já são consideradas criminosas na atual legislação, o que torna
inviável a criação de um dispositivo legal específico para o assédio
moral, uma vez que o risco de proclamarem-se injustiças é proporcional
à pluralidade de possíveis interpretações do caso concreto, pelo
julgador.
Heloani
(2003) concebe que verdadeiramente a maior dificuldade em relação ao
tratamento do assédio moral é justamente sua “invisibilidade” e o
alto grau de subjetividade envolvido na questão. A comprovação da relação
entre conseqüência – o sofrimento da vítima – e sua causa – a
agressão -, indispensável na esfera criminal, nem sempre é aparente, na
medida em que tais humilhações são, sobretudo cometidas “com
luvas”, ou seja, sem deixar as digitais do agressor. Aliás, é certo
que a Lei enfrentará o ciclo de medo e terror hoje presente nas relações
de trabalho, em vista do desemprego, competição desigual, redução de
salários e desvalorização pessoal.
Com
base nestes fatos, Heloani (2003) entende que, mais do que a lei é necessário
criar consciência geral de transparência, cooperando para que o ambiente
de trabalho seja saudável e adequado ao desenvolvimento das
potencialidades dos indivíduos. Destarte, é preciso rever as condições
que determinam o exagerado ambiente de competição, passo efetivo no
processo de humanização do trabalho.
A
discussão do assédio moral deve conduzir as pessoas a refletirem e a
compreenderem que não se trata de um problema individual, mas de um
problema que envolve interações sociais complexas e a luta por justiça
em combate à impunidade.
Do
ponto de vista das empresas, Heloani (2003) defende como medida preventiva
à criação de códigos de ética e de mecanismos a serem criados para
dar ao funcionário agredido o direito de denunciar a agressão de que
tenha sido vítima, por escrito e sigilosamente. Com isso, a vítima
poderia utilizar caixas postais ou urnas para ter seu anonimato garantido.
Schmidt
(2002) sobrepõe que da mesma forma, poder-se-ia instituir no seio da
empresa de médio e grande porte, um Conselho composto de membros eleitos
pelos empregados, representativos de todas as categorias profissionais
presentes na empresa. Desse Conselho, poderia também fazer parte um
representante do Sindicato de Trabalhadores, pessoa alheia ao ambiente de
trabalho e que, portanto, estaria mais isenta de eventuais retaliações.
Esse Conselho teria por objetivo a discussão e análise de situações
denunciadas como sendo de assédio moral, tendo reuniões periódicas e
freqüentes, com poder de sugestão ou de co-decisão junto ao empregador.
Contudo,
independente do sistema a ser utilizado pela a empresa para coibir a prática
do assédio moral é de fundamental importância que se tenha consciência
de que a organização, bem como as relações de trabalho, condicionam em
grande parte a vida das pessoas, visto que estas devotam a maior parte de
seu tempo dentro das mesmas.
Assim,
é relevante que o empregador esteja ciente de que é sua obrigação
garantir ao trabalhador um ambiente de trabalho sadio, assegurando-lhe o
direito de, ao ser demitido, encontrar-se igualmente desfrutando de
perfeito estado de saúde física e mental para o seu possível e viável
retorno ao mercado de trabalho.Pois é sabido que o trabalhador só conta
com sua força de trabalho para retirar o sustento à sua sobrevivência
e, que a busca do lucro não pode sobrepor a dignidade do trabalhador como
pessoa humana, nem impedi-lo de participar da obra que completa o
empreendimento econômico.
Considerações
Finais
Diante
dos fatos descritos, pode-se arrematar que o assédio moral encontra-se
presente na vida de muitos trabalhadores, ferindo a integridade física
e/ou psíquica dos mesmos e colocando em perigo sua conduta profissional,
o que tem provocado discussões entre profissionais de diversas áreas,
como psicólogos, médicos, advogados e administradores.
Portanto,
seja através de leis ou medidas preventivas, o assédio moral deve ser
coibido das relações de trabalho, pois se constitui em um mal que não
é benéfico a nenhum indivíduo da sociedade, sendo prejudicial à
empresa, que perde com a queda de produtividade de seu funcionário e,
principalmente, à vítima que sofre com as agressões podendo ser
conduzida até mesmo à morte.
Em
vista de tamanha gravidade, é imprescindível, a conscientização de
todos acerca do referido tema, como medida preventiva para evitar o
favorecimento do surgimento de atitudes que caracterizam o assédio moral
no ambiente de trabalho, bem como proporcionar as vítimas subsídios para
que as mesmas, quando agredidas, possam tomar medidas coerentes para que o
agressor seja devidamente punido.
Nesta
perspectiva, é importante ressaltar que os empreendedores, por suas
habilidades e capacidades que os destacam dos demais, são fortes
candidatos a serem vítimas de um possível assediador que não disponha
de tais qualidades.
Deste
modo, empreendedores que utilizem sua capacidade de inovação para
empreender mudanças, devem fazê-la também em meio às questões
humanas, pois o assédio moral, tem-se revelado com maior intensidade no
ambiente empresarial, sendo que suas manifestações expandem-se sob faces
cada vez mais inovadoras.
Tal
fato agrava-se ainda mais diante da atual cultura competitiva, em que
todos procuram vencer a qualquer custo e a solidariedade perde espaço
para atitudes como o individualismo, a inveja, as perseguições e o clima
de terror.
Nada
obstante, as relações existentes no processo produtivo condicionam, de
certa maneira, a qualidade de vida dos indivíduos de uma certa sociedade.
Assim, calar-se em caso de assédio moral é contribuir para a proliferação
deste e para a permanente impunidade dos agressores e, como cidadãos,
todos devem lutar pelo exercício concreto e pessoal de todas as
liberdades fundamentais.
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