Por ÍZULA LUIZA PIRES BACCI PEDROSO

Mestranda em Geografia pelo Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia

 

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Meio ambiente, agroindústria e ocupação dos cerrados: o caso do município do Rio Verde no sudoeste de Goiás

Ízula Luiza Pires Bacci Pedroso*

 

Resumo

O processo de modernização agrícola e a ocupação das terras de cerrado provocaram profundas transformações no espaço agrário da região Centro-Oeste. Através dos chamados pacotes tecnológicos da Revolução Verde[1], financiados pelas políticas desenvolvimentistas do Estado, a região Centro-Oeste se inseriu no modelo econômico do país sem levar em conta os aspectos ambientais e sociais das áreas ocupadas. O Estado proporcionou a industrialização do campo e a capitalização da agricultura na região contextualizada.

Palavras-chave: modernização da agricultura, cerrado, agroindústria e Rio Verde (GO).

Abstract

The process of agricultural modernization and the occupation of open pasture lands had provoked deep transformations in the agrarian space of the region Center-West.  Through the calls technological packages of the Green Revolution, financed for the developments politics of the State, the region Center-West if inserted in the economic model of the country without taking in account the ambient and social aspects of the busy areas.  The State provided to the industrialization of the field and the capitalization of agriculture in the cited region.

Keywords: modernization of agriculture, open pasture, agroindustries and Rio Verde (GO)

 

Introdução

Para analisar os impactos das agroindústrias nos processos de desenvolvimento regional sustentável, primeiro é preciso saber que crescimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento (PERROUX, 1967). Ou seja, a implantação de novas atividades econômicas em uma determinada região pode elevar os níveis de produção, de renda e de emprego, sem que com isso ocorra necessariamente um processo de desenvolvimento sustentável. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda regional podem ser evidências de que uma região está vivendo uma etapa favorável de crescimento econômico e que, em média, está havendo um aumento na quantidade de bens e de serviços à disposição da sua população. Só esses fatores, no entanto, não evidenciam um processo de desenvolvimento sustentável.

O crescimento econômico irá depender principalmente do potencial de atração de recursos e investimentos, dos impactos que as políticas macroeconômicas e setoriais irão ter sobre a economia regional e das políticas estaduais e municipais de atração de investimentos. O processo de desenvolvimento, no entanto, dependerá fundamentalmente da capacidade de organização social associada ao aumento da autonomia regional para tomada de decisões; a capacidade de investimento do excedente econômico gerado pelo processo de crescimento local; ao crescente processo de inclusão social, e a um processo permanente de conservação e preservação do ecossistema regional. Essa capacidade de organização social da região é um fator endógeno por excelência para transformar o crescimento em desenvolvimento, através de uma complexa malha de instituições e de agentes de desenvolvimento, articulados por uma cultura regional e por um projeto político regional. Estas são diferenciações fundamentais que devem ser entendidas pelos formuladores de políticas de desenvolvimento (PERROUX, 1967).

Os impactos que as agroindústrias podem causar nas regiões onde se instalam são inúmeros, tanto ambientais quanto sociais, sendo que esses impactos refletem diretamente na qualidade de vida das pessoas. Assim, é preciso entender que o motivo da vinda dessas empresas para o estado de Goiás está diretamente ligado às estratégias produtivas da região, à articulação e envolvimento dos agentes locais e políticas de incentivo fiscais.  Sendo que, na grande maioria das vezes, essas políticas desenvolvimentistas não levam em conta os aspectos ambientais e sociais das áreas que se “beneficiam” desses programas, como foi o caso da região Centro-Oeste que, no início da década de 1970, sofreu uma forte e desenfreada ocupação em função da expansão da fronteira agrícola.

O trabalho está estruturado, além da introdução e considerações finais, em dois itens. No primeiro, são abordados os programas governamentais para a ocupação do cerrado nos domínios da região Centro-Oeste. No segundo, tecemos algumas considerações sobre o processo de agroindustrialização do município de Rio Verde, abordando em especial, o caso do complexo agroindustrial da Perdigão, bem como os benefícios e malefícios sociais e ambientais que esse processo de crescimento e/ou desenvolvimento está gerando no município.

1 Programas desenvolvimentistas para a ocupação do cerrado na região Centro-Oeste

A região Centro-Oeste compreende 18,8% do território nacional e abriga cerca de 11,6 milhões de habitantes (IBGE, 2000). Essa região passou por duas grandes fases de ocupação. A primeira, ainda no período colonial, no fim do século XVII, durante o ciclo de exploração do ouro, quando se iniciou o povoamento do interior. A segunda, nas décadas de 1950 a 1970, quando a expansão industrial e o avanço do processo de urbanização fizeram com que a região assumisse um papel diferenciado na organização espacial brasileira.

De acordo com Bezerra e Cleps Júnior (2004, p. 30), o desenvolvimento agrícola da região Centro-Oeste é intensificado a partir da década de 1930, com o objetivo de atender ao mercado consumidor de produtos agrícolas da região Sudeste. Assim, o desenvolvimento agrícola do Centro-Oeste esteve diretamente ligado ao desenvolvimento industrial do país, que se inicia na região Sudeste nesse período.

É no período que compreende as décadas de 1940 e de 1960 que esse processo de ocupação começa a se consolidar economicamente. São vários os fatores que contribuíram para que isso ocorresse, entre eles: a “Marcha para o Oeste” de Getúlio Vargas, que tinha como objetivo a integração regional, ampliando o mercado interno e incentivando a migração para a região; a criação da nova capital do país, Brasília, e a construção de grandes eixos rodoviários, como a BR-153 (Belém-Brasília) e a BR-364 (Cuiabá - Porto Velho). Esse período foi caracterizado pela ótica do desenvolvimentismo e trouxe para a região um grande impulso econômico.

Segundo Pedroso et. al. (2004, p. 3) até a década de 1960 a falta de programas específicos e de incentivos governamentais bloqueava, de certa forma, o desenvolvimento agrícola da região. Até o fim desse período, o envolvimento do Estado na evolução da fronteira agrícola manteve-se reduzido. A expansão das frentes de atividades produtivas foi basicamente espontânea, “a participação governamental, freqüentemente tardia, ocorria apenas quando deficiências de infra-estrutura ameaçavam a viabilidade das frentes de agricultura comercial” (MULLER, 1990, p.50).

Para Pedroso et. al. (2004, p. 3), além da ausência específica de programas destinados à expansão da fronteira agrícola, os problemas criados pela falta de técnicas de cultivo apropriadas ao cerrado foram um fator limitante ao desenvolvimento agrícola da região Centro-Oeste.

No início da década de 1970, as políticas governamentais passaram a estimular a ocupação da Amazônia na esperança de que, em pouco tempo, pudesse se tornar importante região agrícola. Como isso não aconteceu, a princípio, o interesse governamental voltou-se novamente aos cerrados, mais bem situados em relação aos crescentes mercados do Centro-Sul, marcando, assim, o início do desenvolvimento agrícola na região Centro-Oeste, apoiado por programas governamentais.

Foram criados programas especiais de estímulo à agricultura nos Cerrados, de apreciável impacto na evolução das frentes comerciais. Além do mais, foram implantados, sob estímulo oficial, projetos privados de colonização, especialmente no Mato Grosso. Nesse processo, as frentes comerciais acabaram atingindo partes do norte da região (MULLER, 1990).

Sendo assim, a partir de meados da década de 1970, o ritmo de ocupação do Centro-Oeste acelerou, com base em intensa política de expansão da fronteira agrícola, ocorrida com o aproveitamento dos cerrados (até então tidos como inaproveitáveis) e a abertura de novas terras para exploração agrícola e pecuária. Esse processo de ocupação trouxe à região um enorme fluxo de migração, desordenado e desagregador. A região passava a ser o novo pólo de atração populacional. Entre 1960 e 1970 apresentou o maior crescimento demográfico do país; de 1970 a 2000 só não superou a região Norte[2].

Esse rápido desenvolvimento realizou-se de forma peculiar, sendo que a incorporação espacial foi associada à rápida modernização da agricultura, e esteve baseada em um modelo caracterizado pela prioridade dos cultivos comerciais, com grande aplicação de insumos modernos e mecanização, sem que tenha sido incorporada a esse processo a devida consideração dos aspectos sociais e ambientais.

O que impulsionou a inserção dos cerrados nas áreas produtivas, e conseqüentemente o desenvolvimento agrícola da região Centro-Oeste, foram alguns programas específicos implementados nessa região. Dentre os principais, pode-se destacar o POLOCENTRO (Programa de Desenvolvimento dos Cerrados) e o PRODECER (Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para Desenvolvimento dos Cerrados). O POLOCENTRO foi criado em 1975 e teve como objetivo o desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias da região Centro-Oeste e do oeste do estado de Minas Gerais, mediante a ocupação racional de áreas com características dos cerrados e seu aproveitamento em escala empresarial. O programa selecionou áreas específicas para atuação e, posteriormente, forneceu crédito altamente subsidiado a todos os produtores que desejassem investir em exploração agropecuária empresarial (GOBBI, 2004).

Apesar do POLOCENTRO ter sido um programa voltado para abertura de fronteira agrícola, as políticas favoreceram os grandes e médios produtores em detrimento dos pequenos. Na realidade, foi um programa para o estímulo da média e da grande agricultura empresarial, mediante o fornecimento de crédito subsidiado, de assistência técnica e da remoção do obstáculo ao seu funcionamento. A pequena agricultura das áreas atingidas quase não foi beneficiada. Os objetivos do POLOCENTRO, “enunciados nos seus documentos básicos, foram desvirtuados pela ação de setores influentes, que conseguiram voltar a administração do programa a seu favor” (MULLER, 1990, p.55).

O maior impacto do POLOCENTRO na região Centro-Oeste ocorreu no estado de Goiás, especificamente em Rio Verde, onde segundo Muller (1990), 42% da área dos cerrados foram incapacitadas ao processo produtivo, com destaque para a soja.

Nesse contexto, o recente desenvolvimento do estado de Goiás, deve ser compreendido dentro do próprio processo de crescimento da região Centro-Oeste, que é um território do qual se pode afirmar que o auge da sua ocupação econômica é bastante recente, o que significa que seus potenciais de desenvolvimento ainda estão sendo definidos. A região Centro-Oeste vem se consolidando nos últimos trinta anos, com uma economia baseada na pecuária de corte e de leite extensiva, na produção intensiva de grãos, especialmente milho e soja, e, ultimamente, na agroindústria que se utiliza dessa matéria-prima - carne e grãos.

A produção de grãos se destaca, na microrregião do sudoeste goiano, que desde a década de 1960 sofreu uma forte e acelerada mudança em sua base produtiva, com o importante apoio do Estado, como provedor das políticas públicas e dos fundos necessários para essa execução.

No entanto, essa modernização agrícola, ao mesmo tempo em que inseriu a região Centro-Oeste na nova dinâmica econômica do trouxe drásticas conseqüências para deterioração do meio ambiente e social.

Alguns exemplos desta realidade são: a perda da biodiversidade, a erosão e compactação dos solos, o êxodo rural, a concentração de renda e muitos outros problemas relacionados ao desenvolvimento urbano.

As regiões e/ou municípios que se beneficiam são aquelas que possuem certa  infra-estrutura, e produzem matéria-prima relacionada com o que a empresa deseja transformar, ou seja, que atendam o modelo econômico vigente, e os municípios que realmente precisam se desenvolver se tornam vulneráveis ao modelo capitalista.

As políticas públicas, quando executadas corretamente, são de extrema importância para o desenvolvimento regional, uma vez que muitas regiões não se desenvolvem por falta de infra-estrutura básica.

Para Sawyer (2002, p. 292), a construção de uma visão integrada que estabelece sinergismos positivos entre população, meio ambiente e desenvolvimento, evitando a degradação do ambiente e dos seres humanos, implica, necessariamente, mudar as políticas públicas. Lista-se a seguir, alguns processos significativos atualmente em curso quanto a políticas públicas relevantes para o desenvolvimento sustentável no Cerrado.

 

Quadro 1- Políticas Públicas para o desenvolvimento sustentável no Cerrado

Nome/ sigla do programa

Objetivos a serem alcançados

Grupo de Trabalho de Cerrado e Pantanal

Autorizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), tem como objetivo elaborar um plano de ação e uma estratégia ambiental integrada para o Cerrado e Pantanal, atualmente em desenvolvimento por meio de um Grupo de Trabalho que inclui representantes da sociedade indicados pela Rede Cerrado de ONGs.

GEF

O governo brasileiro sinalizou que pretende apresentar um projeto de U$150 milhões ao GEF para o Cerrado. Além do MMA, a elaboração da proposta concreta e sua execução dependerão muito dos Estados e da sociedade na região.

PPP – Programa de Pequenos Projetos

Esse programa do GEF e PNUD apoiou 51 projetos de entidades não governamentais no Cerrado. O valor máximo é de U$30 mil. Os projetos visam principalmente à identificação e replicação de meios de vida sustentáveis (GEF, PNUD e ISPN, 1999). 

Programa Pantanal

É um programa de desenvolvimento sustentável que conta com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Governo japonês, num total previsto de U$400 mil, não se restringe ao Pantanal, mas inclui toda a bacia do Alto Paraguai.

Lei do Cerrado

O Secretário de Biodiversidade do MMA propõe às ONGs “cerradistas” a elaboração de uma Lei do Cerrado semelhante à Lei da Mata Atlântica, que regulamenta o uso do bioma.

ICMS Ecológico

Goiás e Mato Grosso estão implantando o ICMS ecológico, no qual as transferências dos Estados para os municípios são feitas segundo critérios ambientais, a exemplo do que já foi feito em MG e PR. A idéia poderia ser estendida a outros Estados.

Sistemas Agroambientais

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Instituto Nacional de Reforma Agrária estão buscando implementar um modelo de sistemas agroambientais entre assentados da reforma agrária e outros agricultores familiares, a começar por Goiás.

Comissão Estadual de Agricultura Orgânica em Goiás

O estado de Goiás formou uma comissão para regulamentar a agricultura orgânica, na qual os representantes da sociedade estão incluindo a produção extrativa vegetal e a criação de animais silvestres, além da lavoura e da pecuária.

Hidrovia Araguaia-Tocantins

O projeto está parado na justiça por causa de decisões decorrentes de questionamentos por parte de ONGs a respeito dos estudos de impacto ambiental e dos impactos das obras sobre populações indígenas. Deveria ser considerado, também, o impacto regional.

FCO - Fundo Constitucional do Centro-Oeste

Conta com 1,5% da arrecadação federal, podendo ser um instrumento de desenvolvimento sustentável no Cerrado, como também a eventual recriação da SUDECO, desta vez, se possível, com o propósito de desenvolvimento sustentável 

Fonte: SAWYER/2002, pg. 292- 294                            Org.; PEDROSO, I. L. P. B/2004.

 

Diversas outras iniciativas de políticas públicas relevantes estão detalhadas em relatório do Projeto BBC (Kinzo; Gontijo, 1999 apud. Sawyer, 2002, p. 293) e no documento produzido como resultado do Workshop sobre um Plano de Ação para os Ecossistemas do Cerrado, que foi realizado em dezembro de 1998 por iniciativa do MMA (SAWYER, 2002, p. 293).

2 O processo de agroindustrialização e o meio ambiente em Rio Verde (GO)

A vegetação natural da microrregião do sudoeste goiano é o cerrado. No entanto, fazem parte da paisagem grandes lavouras de soja, milho e pastagem, além de granjas e galpões de silagem. O município-sede dessa região é Rio Verde, que foi um dos doze pólos de atuação do POLOCENTRO.

O sudoeste goiano teve um desenvolvimento diferenciado das demais regiões do estado por ser uma área agropecuária de ocupação bastante antiga, próxima ao Triângulo Mineiro e São Paulo (CARMO et. al., 2002, p. 304).  Inicialmente, a principal atividade econômica na região era a criação de gado. A partir da década de 1960, a região passa a vivenciar uma nova fase de desenvolvimento agrícola conhecida como a modernização da agricultura, incentivada pelo chamado “pacote tecnológico” da Revolução Verde e, principalmente, pela intervenção do Estado por meio das políticas desenvolvimentistas.

O desenvolvimento regional apoiado pelo Estado tinha como objetivo diminuir as desigualdades regionais. Desta forma, foram implementadas diversas políticas públicas de desenvolvimento regional, onde pode se destacar o incentivo à expansão da fronteira agrícola.

Com a incorporação das áreas de cerrado na expansão da fronteira agrícola, e com o novo padrão tecnológico da Revolução Verde, culturas que até então não eram comuns nesta região, como é o caso da soja, foram introduzidas substituindo o antigo padrão praticado nas áreas de cerrado: pecuária extensiva e produção de alimentos básicos.

Segundo Ferreira e Fernandes Filho (2003, p. 106), a opção pela agricultura comercial na microrregião do sudoeste goiano vai se dar na década de 1960 e se consolidar da década de 1970 em diante, a partir de uma infra-estrutura mais adequada, incluindo, além de estrada e meios de transportes, o crédito agrícola subsidiado, o suporte armazenador e a organização política e econômica do produtor rural. Diante de todos esses fatores, o sudoeste goiano torna-se um expoente em produção de grãos no estado.

Segundo os dados do Censo Agropecuário IBGE (2000), a maior parte da produção de grãos e as atividades pecuárias altamente modernizadas se concentram em Goiás, que é o quarto produtor de grãos entre os estados brasileiros, com uma produção de 9,2 milhões de toneladas, contribuindo com 8,98% na produção nacional. O estado possui também o terceiro maior rebanho de bovinos de corte do país.

A microrregião de Rio Verde vem se firmando recentemente como pólo de produção agropecuária, que reúne a comercialização e processamento de insumos e bens de produção para a agricultura, através de investimentos em tecnologia.

Ao analisar a ocupação econômica de Rio Verde, Campos (1971) apud. Ferreira e Fernandes Filho (2003), apresenta dois grandes períodos. O primeiro vai de sua fundação até a década de 1920, cuja característica principal é a produção bovina e o uso de extensões muito grandes de terra. O segundo período pode ser considerado o da produção de grãos, passando pelo arroz, milho e atualmente a soja. Este último tem ainda duas características marcantes. Primeiramente, a produção é extensiva, baseada, sobretudo, em relações de trabalho pouco formais, até a intensificação da mecanização, do uso de insumos e equipamentos agrícolas, que marca uma segunda fase ainda em curso. No início desta última fase já se percebe a aceleração das atividades urbanas e de atividades econômicas bem dinâmicas.

Em função dessa dinamização, nos últimos anos Rio Verde se caracteriza como um dos principais agropólos de Goiás, pela estreita associação entre os principais segmentos das cadeias produtivas agropecuárias e agroindustriais e a ênfase na inovação tecnológica, que torna esta relação muito competitiva e eficiente no aproveitamento das potencialidades desenvolvidas ao longo dos anos. A formação do agropólo decorre de condições naturais favoráveis para o desenvolvimento do agronegócio regional, com a instalação ou deslocamento de unidades agroindustriais para as áreas produtoras beneficiadas com obras de infraestrutura e serviços tecnológicos.

Nesse contexto, observa-se a constituição de alguns complexos agroindustriais na região de Rio Verde, como é o caso dos complexos de carne de frango e suíno, e da soja[3] (LUNAS; ORTEGA, 2003, p. 139).

Os complexos agroindustriais têm encontrado condições adequadas para se instalarem: disponibilidade de grãos, grande oferta de mão-de-obra, proximidade do mercado consumidor, desenvolvimento tecnológico através de parcerias (FESURV – Fundação de Ensino Superior de Rio Verde, EMBRAPA, COMIGO – Cooperativa Mista dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano Ltda) condições climáticas, infra-estrutura e incentivos fiscais.

Esse desenvolvimento tecnológico propicia aumentos de produtividade: nos últimos anos, os produtores da região conseguiram ganhos expressivos de produtividade, passando de 42 sacas de soja por hectare plantado para 50 sacas. Contudo, isso levou a um acentuado aumento no preço da terra: há cinco anos, 1 hectare na região custava U$1.000, hoje paga se no mínimo U$2.500 (CARMO et. al., p. 306).

No entanto, no tocante a essa modernização, percebe-se o caráter “conservador”[4] e excludente da mesma. O valor da terra aumentou mais de 100%, ocasionando conseqüentemente a concentração fundiária e de renda, agravando ainda a exclusão social.

Em relação às questões ambientais, sabe-se que as atividades agropecuárias, de modo geral, em busca de maior rentabilidade, provocam profundas mudanças no meio natural: o desmatamento, a introdução de monocultura para uso comercial, a retirada das águas dos mananciais e vários outros procedimentos para obtenção de altos índices de produtividade.

De acordo com a reportagem “Fronteira Agrícola”, do Jornal Nacional (REDE GLOBO, 2004), os incentivos públicos fornecidos aos produtores rurais e os investimentos em pesquisa e tecnologia, fazem hoje do cerrado uma das terras mais produtivas do mundo. É possível cultivar de duas a três culturas por ano. O investimento em insumos promove grandes índices de produtividade e, conseqüentemente, altos lucros. Ao investir R$ 1,00 em fertilizante o produtor obtém R$6,00 de retorno.

No entanto, a ocupação desenfreada no passado deixou profundas marcas ambientais nos dias atuais. O desmatamento para a retirada da cobertura vegetal dificulta a infiltração da água fluvial. Assim, o abastecimento dos lençóis freáticos, diminui drasticamente. Mais de 300 pequenos rios já secaram nos domínios do cerrado. Sem falar nas erosões e na compactação do solo, em função da pesada mecanização.

Esses problemas ambientais podem ser vistos em áreas de cerrado, onde as atividades agropecuárias são expressivas, como é o caso da microrregião do sudoeste goiano.

As monoculturas, em especial as de grãos (que servem como matéria-prima das agroindústrias locais), causam sérios impactos ao meio ambiente: empobrecimento genético, erosão do solo, contaminação por agrotóxicos das águas e dos alimentos, compactação dos solos, queimadas, desmatamentos, etc. (MEDEIROS, 1998, p. 133). Esse tipo de monocultura é muito comum na região, em especial a de soja, que atende as indústrias que beneficiam e processam o óleo de soja, como é o caso da COMIGO, que conta hoje com 4.221 cooperados.

Em função da instalação da Perdigão e a parceria entre os produtores integrados, foi estimulada a implantação de granjas de criação de aves e suínos, o que significa um aumento significativo na quantidade de resíduos gerados, que demandam cuidados especiais de destinação e tratamento (CARMO et. al., 2002 p. 315).

Em relação à área urbana, o município não conta com coleta seletiva (não existe aterro sanitário, somente um lixão), nem tratamento de esgoto (sendo que a SANEAGO, órgão responsável pela distribuição de água na cidade, cobra já embutido na conta, 70% do valor da água para esse tipo de tratamento). As ruas de grande parte dos bairros de periferia não possuem asfalto, o mesmo também pode ser verificado em alguns bairros mais nobres.

O crescimento acelerado, pelo qual o município de Rio Verde vem passando nos últimos cinco anos, só reforça o fato de que a cidade está longe de se desenvolver com qualidade de vida. O município está, sim, crescendo, tanto que já pode ser considerado um pólo de crescimento, mas em relação ao desenvolvimento, de acordo com Perroux (1967), ainda deixa muito a desejar. A instalação do complexo agroindustrial da Perdigão em 1999, trouxe alguma melhoras para o município, como a geração de empregos diretos e indiretos, por outro lado, proporcionou o aumento exagerado do custo de vida e marginalidade.

Sendo assim, é preciso urgentemente que as políticas públicas de desenvolvimento sustentável sejam realmente executadas. Principalmente nos domínios do cerrado, pois, apesar de sua aparente pobreza biológica - em paisagens que à primeira vista podem parecer monótonas - esse bioma apresenta riqueza excepcional de ecossistemas, espécies e recursos genéticos, sendo ainda considerado o “berço das águas” do país.

Considerações Finais

O intenso processo de ocupação da região dos cerrados, realizado mediante programas e políticas governamentais orientadas por visões que desconsideraram o meio ambiente e que, apesar de seu discurso “racionalizador” e “integrador” da sociedade nacional, causa danos ambientais, culturais e sociais enormes.

O município de Rio Verde, localizado em área de cerrado, vem sentindo mais especificamente esses danos causados por esse discurso “racionalizador”. Apesar da modernização agrícola da região, do aumento da produtividade para atender ao mercado externo e da geração de empregos (normalmente na linha de produção das agroindústrias), o município tem apresentado inúmeros problemas sociais e ambientais, decorrentes do rápido crescimento populacional, uma vez que cidade não comporta a grande quantidade de pessoas que chegam atraídas pela propaganda desenvolvimentista.

O modelo agroindustrial trouxe uma nova característica a esse processo: a necessidade de elevada capitalização para o investimento inicial, o que exclui de certa maneira os pequenos produtores, e a expansão da agricultura a nível empresarial com utilização intensiva de agrotóxicos e forte mecanização o que provoca grande êxodo rural, isto é, aqueles empregos tradicionalmente do campo deixam de existir, além da incorporação das pequenas propriedade por parte dos grandes latifúndios.

Esse processo agroindustrial tem seu lado positivo quando se trata da geração de emprego para a população urbana, uma vez que junto com essas grandes agroindústrias vem as “empresas ou indústrias satélites” como é o caso da Videplast Ltda e do Grupo Orsa S/A, que se instalaram no município de Rio Verde exclusivamente em função da Perdigão, ambas as empresas são fornecedoras de embalagem, mas é preciso ressaltar que esse modelo agroindustrial causa sérios danos ambientais e sociais.

Sendo assim, é preciso reavaliar com urgência esse modelo de desenvolvimento agrícola nos domínios do cerrado. É preciso elaborar diretrizes que sejam cumpridas de forma séria e racional, levando em conta o meio ambiente e as populações que nele vivem, a fim de que possamos realizar o tão falado desenvolvimento sustentável.

Referências

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[1] A Revolução Verde no Brasil assumiu marcadamente as décadas de 1960 e 1970, a prioridade era o subsidio de crédito agrícola para estimular a grande produção agrícola, de esferas agroindustriais, as empresas de maquinários e de insumos industriais para uso agrícola, (tratores, herbicidas, fertilizantes e químicos), a agricultura de exportação, a produção de processados para a exportação e a diferenciação do consumo como de queijos e iogurtes (MOREIRA, 1999, p. 81).

[2] GOIÁS EM DADOS, Secretaria Estadual de Planejamento, 2003.

[3] O complexo da soja se constituiu num dos atrativos para o complexo de carnes de aves e suínos, já que estes têm no farelo de soja um dos insumos fundamentais para a produção de ração, que representa o mais elevado componente de custo de produção de animais.

[4] Para maior entendimento desta questão, veja outros autores, DELGADO (1985), ESTEVAM (1998), GRAZIANO DA SILVA (1980,1981,1982), KAGEYAMA (1987).

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Publicada em 03.12.04 - Última atualização: 26 abril, 2005.