Imaginário,
cultura e turismo no quarteirão Jorge Amado
Aline
de Caldas Costa
Resumo:
Esse
trabalho objetiva captar aspectos do imaginário do Quarteirão
Jorge Amado, em Ilhéus, a partir da obra Gabriela
Cravo e Canela (1958), do referido autor, e do material
publicitário elaborado pela agência M21,
a pedido da Ilhéustur, Fundação
Cultural de Ilhéus – FIC -
e Prefeitura
Municipal para apresentar esse roteiro turístico. Formatado a
partir da obra, o quarteirão é tomado como suscitador do
interesse do leitor-turista (SIMÕES, 2002), que motivado a deslocamentos (razões
para), busca realizar
(razões porque) mediações
históricas e sociais (GUMBRECHT,
1998). Entendendo como bem simbólico a representação do imaginário
(ISER, 1996), a pesquisa busca, através de entrevistas
semiestruturadas, apreender significados ausentes aos textos em
questão, explorando o arcabouço sócio-histórico do leitor, o
que surge como aspecto de interesse no sentido de compreender a
formação da identidade cultural (HALL, 1999) regional.
Palavras-chave:
Literatura, cultura, turismo.
Abstract:
The
objective of this work is to catch aspects of the “Quarteirão
Jorge Amado’s” imaginary, in Ilhéus, from the book
“Gabriela cravo e canela” (1985), by the relatedalthor, and
from the publicity material elaborated by the agency M21,
for
the
Ilhéustur, Fundação
Cultural de Ilhéus – FIC – and Prefeitura Municipal, to show
this touristic itineraty. Formated from the book, the book
is taken as cause of the reader-tourist’s interest (SIMÕES,
2002), that motivated by dislocations (reasons for), try to carry
out (reasons why) historical and social mediation (GUMBRECHT,
1998). Understanding as symbolic valve the representation of the
imaginary (ISER, 1996), the rescarch look for, through
semi-structured interviews, the apreehension of absent meaning in
the texts in evidence, exploring the social-historical basic of
the reader, that emerges as a interesting aspect to understand the
construction of the regional cultural identity (HALL, 1999)
Keywords:
Literature, culture, tourism.
|
Introdução
Para
as reflexões que aqui desejamos desenvolver, consideremos que uma boa
história apresenta sempre uma personagem, situada num cenário peculiar,
e que o leitor consegue ultrapassar aquele mundo ficcionalizado e associá-los
(personagem e cenário) a um lugar, uma cidade-palco onde
“aconteceram” suas vivências. Nessa hipótese, queremos pensar que
assim ocorre, quando leitores de Jorge Amado, tomando conhecimento da
personagem Gabriela, visitam Ilhéus em busca da faceira Gabriela e da
ambiência em que ela se movimenta, no texto ficcional
Gabriela, Cravo e Canela (1958).
Evidentemente,
a história não é a mesma para todos. Cada um a vive a partir de situações
sociais, históricas e culturais específicas, as quais influenciam a
percepção individual acerca do espaço ficcionalizado e, depois,
visitado. O significado de um prédio, ou uma igreja pode ser diferente de
uma pessoa para outra, visto que a compreensão desses símbolos é sempre
uma interpretação, envolvendo ativações, memórias e práticas.
Assim,
a produção literária amadiana possui uma intenção, expõe
significados trançados a partir das imagens formadas por sua percepção
da realidade à volta. Partindo da observação dessas imagens, queremos
supor que o autor concretizou sentidos ausentes ao horizonte de opiniões
no qual estava inserida, deixando entrever, no texto ficcionalizado, a sua
intenção autoral (GUMBRECHT, 1977). Tais sentidos se manifestam em Gabriela...
como campos sígnicos de encantamento, construídos a partir de
tentativas em formar representações do imaginário (ISER, 1997), às
quais chamaremos bens simbólicos.
Uma
vez que se apresentam enquanto discurso, os bens
simbólicos em destaque se fazem aspectos fundamentais para a
compreensão da imagem de sujeito que se formou na região Sul-baiana. O
fato de Gabriela... ter se
tornado um bem cultural mundializado e relido em linguagens múltiplas
(cinema e novela), leva-nos ao questionamento acerca da negociação dos
recursos históricos, lingüísticos e culturais na construção da
identidade local (HALL, 1999), no sentido de formatar um produto turístico
que represente nossas fronteiras simbólicas e articule o processo de
identificação por meio da diferença.
No
curso desse raciocínio e a partir da obra amadiana em foco, este trabalho
objetiva captar aspectos do imaginário – espaço entre o real e o fictício
– acerca do Quarteirão Jorge Amado, em Ilhéus, tendo como dispositivo de ativação
o mapa publicitário do Quarteirão Jorge Amado.
FIG
01: Mapa publicitário do Quarteirão Jorge Amado.
Fonte:
Prefeitura Municipal, Ilhéustur
e Fundação Cultural de
Ilhéus – FUNDACI.
Circuito
cultural formatado a partir da obra, o quarteirão Jorge Amado é tomado
como suscitador do interesse do
leitor-turista (SIMÕES, 2002), que motivado a deslocamentos (razões para), busca realizar (razões porque)
mediações históricas e sociais (GUMBRECHT,
1998) através do turismo.
A
pesquisa recolhe, através de entrevistas semiestruturadas e observação
da recepção do material publicitário, significados ausentes aos textos
em questão, com base na exploração do arcabouço sócio-histórico do
leitor e na noção de que a leitura é um ato de reconstrução do texto
que pode ser reescrito por diferentes interpretações.
Do
imaginário ficcional ao imaginário do turista-leitor
O
romance Gabriela Cravo e Canela
se passa em meados da década de 20, do século passado, momento em
que Ilhéus prosperava com a lavoura cacaueira. Dentre os bens simbólicos
destacados no material de ativação do imaginário do receptor,
trabalharemos com os três espaços mais citados pelo texto ficcional e
potencializados no mapa publicitário em questão: a Catedral de São
Sebastião, o bar Vesúvio e o Bataclã.
A
Catedral de São Sebastião
Muito
freqüentada pelas senhoras da sociedade ilheense, a catedral fica numa
praça onde acontecem manifestações religiosas e quermesses. Símbolo
dos bons costumes, impregna as festas típicas um ar de reuniões
familiares, nas quais também era costume o comentário acerca da
intimidade alheia.
Chegava
o fim de ano, os meses das festas de nata, de ano bom, dos reis magos, das
festas de formatura, das festas da igreja, com quermesses armadas na praça
do bar Vesúvio, a cidade cheia de estudantes em férias [...] O padre Basílio,
contente da vida, a batizar o sexto afilhado, nascido do ventre de Otália,
a sua comadre. Farto material para os comentários das solteironas.
(AMADO, 1966, p. 290)
A
atual catedral não foi a primeira. A primeira era simples e pequena,
fator que não condizia com o progresso em que a cidade vivia. Então, foi
iniciada a construção da nova catedral, demorando mais de 36 anos para,
afinal, ser concluída, graças à ajuda financeira dos coronéis, em
especial, de Misael Tavares, conhecido como maior produtor de cacau do
mundo. Com arquitetura neoclássica, abóbadas e ornamentos franceses, a
catedral guarda um imaginário curioso.
A
primeira catedral tinha uma torre só e isso era traço de igreja para
pobres. Então os coronéis decidiram construir uma catedral que estivesse
de acordo com a cultura do cacau. Daí a cidade de Ilhéus possuir duas
catedrais. A de São Sebastião tem duas torres e é essa construção
enorme, com estilo arquitetônico definido, já a catedral de São Jorge
continua pequena, com uma torre apenas.
As
missas celebradas na Catedral de São Sebastião têm um direcionamento
diferente, com saudações e cânticos para envolver os turistas. “O
turismo entra para valorizar a questão cultural, preservando a tradição”,
diz o padre Nilton.
Já
a antiga catedral de São Jorge, datada de 1556, foi construída com
pedras lapidadas artesanalmente. Lá, há também um museu onde, hoje, estão
expostas obras sacras dos séculos XVI, XVII e XVIII e uma imagem rara do
Santo, sem o cavalo.
O
bar Vesúvio
Propriedade
do árabe Nacib, o Bar Vesúvio é, na obra, o principal local de convivência
social da história, onde se reúnem coronéis, políticos, doutores e
empresários para discutir política, comer os quitutes de Gabriela,
apreciar bebidas e comentar as novidades chegadas com os navios que
atracavam no antigo porto. Também os caixeiros-viajantes paravam ali,
trazendo notícias de outras cidades vizinhas. As famílias o tinham como
ponto onde tomar um refresco ou sorvete nos passeios de fim de tarde.
Bar
era bom negócio em Ilhéus, melhor só mesmo cabaré. Terra de muito
movimento, de gente chegando atraída pela fama de riqueza, multidão de
caixeiros-viajantes enchendo as ruas, muita gente de passagem, quantidade
de negócios resolvidos nas mesas dos bares. [ ...] O bar Vesúvio era o
mais antigo da cidade. Ocupava o andar térreo de um sobrado de esquina
numa pequena e linda praça em frente ao mar, onde se erguia a igreja de São
Sebastião.(AMADO, 1966, p.69-70).
Fora
da ficção, o Bar Vesúvio é um ponto turístico bastante atraente. Já
passou por vários proprietários, entre os quais um casal de árabes cuja
senhora, Dona Lourdes, tinha um tempero muito apreciado, receitas
especiais, como o quibe, quitute que se tornou o principal aperitivo da
casa até a atualidade. Dentre as histórias que circundam o imaginário
popular acerca do Vesúvio, está uma lenda que remonta aos tempos áureos
do cacau.
Havia
um beco ao lado do Vesúvio que ia sair
quase na porta do bordel. O coronel saía de casa dizendo à família
que ia a uma reunião na maçonaria. Quando terminava a reunião, a esposa
sabia que ele estava com fome e iria ao Vesúvio comer quibe e tomar
cerveja preta... às vezes eles nem iam à maçonaria, iam direto ao
Bataclã e quando o movimento acabava eles não passavam pela avenida
Coronel Paiva, porque podia ter alguém que os visse passando...
Nesse
espaço entre o mundo empírico e sua metaforização a imaginação
funciona como atividade combinatória (ISER,1997),
atribuindo aos espaços ficcionalizados uma significação maior, capaz de
refletir um arcabouço de versões e percepções históricas.
Se
a interpretação do Vesúvio, realizada do cidadão entrevistado, está
relacionada à memória do acontecido da vida da comunidade local, a
percepção do turista parece muito mais ambiental. Partindo da vista que
o Vesúvio oferece, aponta para o cuidado em relação aos impactos sobre
a praia da Avenida Soares Lopes ocasionados tanto pela construção do
novo Porto quanto pela poluição que chega à areia na parte central da
cidade.
O
Bataclan
O
Bataclan era um famoso Cabaré de Ilhéus. Representava a vida noturna e a
transgressão masculina. Música, mulheres, e jogos eram as ofertas de
entretenimento.
O
Bataclan e o Trianon eram os principais cabarés de Ilhéus, freqüentados
pelos exportadores, fazendeiros, comerciantes, viajantes de grandes
firmas. Mas nas ruas de canto havia outros, onde se misturavam
trabalhadores do porto [...]. O jogo era franco em todos eles, garantindo
os lucros. (AMADO, 1966, 165)
Segundo
o historiador Arléo Barbosa, “havia muitos cabarés em Ilhéus,
chegaram a funcionar oito, todas as noites”. O Bataclan foi fechado na
mesma época em que os cabarés
quase desapareceram do Brasil com a proibição do jogo, fator que os
sustentavam e gerava empregos.
Hoje,
encontra-se restaurado; visando o turismo, foi ressignificado e
reconfigurado. Funciona como ponto turístico-cultural,
com espaço para exposições, cibercafé e restaurante. Tem como atrativo
o quarto de Maria Machadão, personagem do romance amadiano, todavia
apresentando aspectos que não se atêm à ficção literária, nem ao
real histórico: aspectos que pertencem à lacuna do imaginário e
contribuem para a formação de uma imagem de alteridade, ainda que
ressignificada ou reconfigurada.
Conclusão
Os
bens simbólicos destacados nesta pesquisa fazem parte do patrimônio
cultural e histórico ilheense, assimilado, em Gabriela
Cravo e Canela, pela ficção amadiana. Visto que a ficção,
perspectivando o real, envolve algo que existe e, contudo, não possui o
caráter de realidade, temos que as interpretações sobre o espaço
ilheense têm focos de óticas e intenções diversas (do autor, dos
leitores, dos habitantes locais).
Assim,
a análise concluiu que a explicitação de sentidos é pertencente não
somente à obra literária, tampouco só relacionada à publicidade turística,
mas às memórias e percepções que conectam momentos históricos e
culturais. Os suportes midiáticos, bem como informações orais constroem
concreções, que relacionam presente e passado, e forjam imagens identitárias,
para narrar um perfil Sul-baiano. A identidade Sul-baiana, embora dinâmica,
guarda características de lugar, e marca a sua diferença no cenário
mundial.
_______________