O
objetivo deste artigo é analisar como a Revolução Iraniana de 1979
foi noticiada pela imprensa escrita brasileira. Por meio de pesquisas
realizadas nos arquivos da Editora Abril, em que foram consultados
jornais como O Estado de S.
Paulo, Folha de S. Paulo,
O Globo, Jornal
do Brasil, entre outros, além da revista Veja,
buscamos observar se houve necessariamente o que poderíamos chamar de
“visão brasileira” do processo, ou se a imprensa nacional apenas
reverberou conceitos e preconceitos das agências de notícias
internacionais. É importante lembrar de que este é um trabalho em
progresso, em que teceremos considerações preliminares sobre o
processo que culminou na instauração de uma República Islâmica no
Irã.
“Revoluções
são como febre” escreveu o norte-americano Crane Brinton, professor
da Universidade de Harvard, em seu clássico “The
Anatomy of Revolution”, (BRINTON, 1965, P.18) A fase inicial é
marcada por alta temperatura e delírios.
Na segunda fase, a temperatura diminui e há uma longa
convalescença. E finalmente há a recuperação e a volta à saúde
normal. O elemento religioso, onipresente na Revolução Iraniana não
é novo, pois, em menor ou maior grau estava presente em vários
movimentos históricos como a Reforma, o Renascimento e, senão de
forma direta, no fervor e na ética dos jacobinos franceses. No caso
da Revolução Iraniana, a fase do delírio é marcada pela execução
sumária de contra-revolucionários e membros do antigo regime, além
da célebre tomada da embaixada norte-americana em Teerã, que durou
quatrocentos e quarenta e quatro dias. Além do já citado livro de
Brinton, na parte teórica deste projeto, fiz uso de textos que se
reportam à área historiográfica conhecida como História do Tempo
Presente. Dentro do livro “Usos e Abusos da História Oral”,
organizado por Janaína Amado e Marieta de Moraes Ferreira, utilizei o
texto de Luísa Passerini, intitulado “A ‘lacuna’ do
presente”, em que a autora discorre sobre os “marcos históricos”
de diversas nações, como o ano de 1789 para a França e o de 1936
para a Espanha. A Revolução Iraniana de 1979,
é, sem sombra de dúvida, um divisor de águas na história do
País, ainda mais tendo em vista que, segundo dados estatísticos,
cerca de sessenta por cento da população do país tem menos de
trinta anos, e portanto, nem se recorda da ditadura do xá e jamais
viveu em um outro regime que não seja o vigente. Assim como na parábola
de Kafka citada por Passerini, o presente iraniano tem sido empurrado
de lá pra cá pelo seu passado e pelo seu futuro, muitas vezes
indeciso entre a questão ideológica de manter vivos os ideais de uma
Revolução realizada há mais de duas décadas e o desafio de se
manter política e, sobretudo, economicamente viável no processo de
globalização.
Lidar
com a história do tempo presente é, com certeza, uma experiência
interessante, pois aquele que produz o texto vivencia o momentum
em que o processo histórico está sendo deflagrado. Claro que no caso
deste trabalho, por se tratar de um regime instável como o iraniano,
corre-se o risco de se perder a atualização dos fatos, já que a
Revolução ainda está em curso e o período de convalescença que
vive não exclui totalmente uma recaída ao estado febril. Mas como
diz François Bedarida em seu texto “Tempo presente e a presença
da História”:
A
história do tempo presente é, por definição, uma história
inacabada: uma história em constante movimento, refletindo as comoções
que se desenrolam diante de nós sendo, portanto, objeto de uma renovação
sem fim. (P.229).
Segundo
Pierre Nora, em sua entrevista à Jean Jacques Brochier, inclusa no
livro A Nova História,
...não
existe o pseudo-acontecimento. É o próprio acontecimento que, em
relação à História Tradicional, mudou de natureza, por causa da
transformação operada pelos mass-media.
(...) Outrora, num sistema de informações tradicional, passavam-se
coisas que não afetavam profundamente a vida das massas, ou estas
massas não sabiam que essas coisas afetavam profundamente as suas
vidas, ou então ninguém lhes prestava atenção. (...) O nascimento
e o desenvolvimento dos mass-media
alterou completamente a estabilidade do sistema: aquelas três
instancias agora não são mais que uma. (...) Não há acontecimento
sem os media. (Nora, 1977,
p.46).
Atualmente,
a informação é adquirida primeiramente de modo visual, ligado às
imagens e apenas posteriormente podem ser acrescentadas análises mais
profundas do acontecido. A chegada do Homem à Lua, por exemplo, está
indelevelmente ligado às imagens do desembarque dos astronautas.
O
que Nora nos diz é que nas outras divisões tradicionais da
historiografia francesa (História Antiga e Moderna), o acontecimento
histórico só se tornava um marco, porque os historiadores assim o
decidiam, em função do que determinado fato pudesse ter provocado.
Na História Contemporânea, no entanto, o historiador perdeu o
controle sobre o que é acontecimento. Devido ao grande fluxo de
informações existente, o fato, por si só, se impõe ao historiador.
(NORA, 1977, p.49). Hoje, o historiador interpreta o mundo juntamente
com outros profissionais como sociólogos e geógrafos e seu
diferencial está em fornecer explicações plausíveis aos problemas
colocados,pois devido à enorme torrente de informações o público
sente a necessidade de compreensão imediata dos fatos e de entender
suas raízes históricas (NORA,1977,p. 48). Atualmente, somos
diariamente bombardeados com os mais diversos tipos de conhecimentos,
úteis ou inúteis, principalmente através da TV e da internet. O
ambiente tecnológico do final do século XX criou percepções de
tempo e espaço inéditas na história humana. Nunca foi tão fácil
informar-se sobre o que se passa nos recônditos mais distantes do
planeta. Após a Guerra do Golfo,em 1991,em que a rede de TV
norte-americana CNN transmitiu pela primeira vez uma guerra ao vivo, a
tradicional imprensa escrita precisou adaptar-se a um novo tipo de
leitor, mais acostumado a receber informações através de imagens, e
com menos paciência para textos demasiadamente longos. Segundo José
Arbex Jr., autor da tese de doutorado “Telejornovelismo
(Mídia e História no contexto da Guerra do Golfo)”,
À
exceção de poucos jornais e revistas, a imprensa escrita adotou uma
série de procedimentos destinados a “competir com a TV” (textos
curtos, parágrafos pequenos, letras em corpos garrafais, fotos
coloridas) de tal forma que o leitor não se sinta “cansado” e
possa ler de maneira mais rápida e cômoda possível.Assim, o leitor
do jornal está exposto ao impacto da televisão,mesmo que não
assista á televisão.(Arbex,2000,p.16)
No
entanto, paralelo a todo esse desenvolvimento tecnológico, ocorreu
uma grande concentração de poder nas mãos de alguns conglomerados
de mídia, que determinam ao leitor o que é ou não notícia, e se
for, como esta será transmitida ao leitor ou telespectador. Ao contrário
do que muitos esperavam a popularização da TV á cabo, não levou a
um jornalismo mais independente, mas apenas o domínio desta pelas
grandes corporações de mídia. Ainda segundo Arbex,
A
mídia cria diariamente a sua própria narrativa sobre o mundo e a
apresenta aos telespectadores - ou aos leitores de jornais – como se
essa narrativa fosse a própria história do mundo. Os fatos,
transformados em notícia, são descritos como eventos autônomos,
completos em si mesmos. Os telespectadores, passivamente embalados
pelo “estado hipnótico” diante da tela de TV, acreditam que
aquilo que vêem é o mundo em estado “natural”, é “o” próprio
mundo. (Arbex, 2000, p.67)
Um
bom exemplo disto é o conflito entre israelenses e palestinos. Cada ação
perpetrada por grupos extremistas palestinos é visto como não tendo
uma motivação palpável, uma origem histórica que a desencadeasse
ou que esta motivação fosse apenas o “fanatismo” ou a
“loucura” característica dos “fundamentalistas” islâmicos. A
visão palestina raramente é mostrada, como a ocupação que já dura
trinta e sete anos, a política de repressão de direitos civis, a
instalação de postos militares que impedem a livre circulação da
população em seu próprio território e a desobediência às resoluções
da ONU, que ordenam a retirada israelense dos territórios ocupados.
Todos estes fatores são omitidos do telespectador ou leitor na
transmissão da notícia Israel é invariavelmente retratado como uma
vítima, um pequeno país cercado de inimigos que apenas se defende.
Segundo Carlos Dornelles, autor de Deus
é inocente, sobre a cobertura da imprensa nos conflitos do
Oriente Médio,
Cabe
aqui lembrar o tipo de linguagem ideológica utilizado pela imprensa
para descrever os conflitos. Todo ataque de Israel é considerado
“retaliação” ou “resposta” ou “reação”. Para os
palestinos, a definição oficial é “atentado”, como se não
houvesse o menor motivo para uma retaliação contra a ocupação ou
contra os ataques israelenses. (Dornelles, 2002, p.240)
A
análise de Dornelles é um bom exemplo de como a mídia muitas vezes
interpreta uma notícia de acordo com os interesses norte-americanos
na região. Veremos adiante que Saddam Hussein já foi aliado dos
Estados Unidos, e, na época, mesmo já sendo um ditador cruel para
seu povo, era poupado pelas agências de notícias internacionais.
Contudo,
para uma melhor análise dos acontecimentos no Irã e para inteirar o
leitor do contexto histórico da época, faz-se necessária uma breve
retrospectiva histórica do processo.
Por
sua posição geográfica estratégica, entre o Oriente e o Ocidente,
e por suas riquezas naturais, o Irã foi alvo de diversas invasões ao
longo de sua História, desde os antigos gregos, liderados por
Alexandre, o Grande, passando por árabes, mongóis e turcos, até a
Inglaterra. Este contato com outros povos proporcionou aquisições a
adaptações culturais importantes, como a religião islâmica trazida
pelos árabes, a medicina judaica e o uso do inglês como segunda língua.
O
Irã é particularmente único. Ao lado do Iraque é um dos únicos países
islâmicos de maioria xiita, e o único formado por arianos.
Etnicamente, está entre árabes, asiáticos e indo-afegão-paquistaneses.
O Tadjiquistão, único país além do Irã a usar o idioma farsi, é
sunita, ou seja, faz parte da vertente majoritária do Islã.
No
século XX, Rússia e Reino Unido dividem o território em áreas de
influência. A dinastia dos Pahlevi surgiria em 1921, quando o general
Reza Khan derruba o último sultão Kajar, e proclama-se rei (xá, em
farsi). Foi Reza Khan quem, em 1935 batizou o país com seu nome
atual, Irã, já que até então seu território ainda era denominado
Pérsia. A mudança de nome é uma clara alusão à origem indo-européia
daquele povo. Em 1941, o xá é forçado a abdicar por forças
inglesas e soviéticas devido à sua simpatia pelo nazi-fascismo. Em
seu lugar assume seu filho Mohamad Reza Pahlevi, que logo perde o
poder numa eleição democrática para o primeiro-ministro Mohamad
Mosadegh, que em 1953, nacionalizou as companhias petrolíferas. Tal
medida incomodou de sobremaneira as potências imperialistas, nem um
pouco interessadas em qualquer movimento que pudesse levar á independência
de seus protetorados. O serviço secreto inglês, juntamente com a CIA
americana, tramou e executou um golpe militar para alçar Pahlevi
novamente ao poder. Este episódio, conhecido como “Crise de 53”
provoca, na maior parte dos iranianos, uma sensação de derrota e
humilhação frente à Comunidade Internacional.
Em
1962, o agora xá Reza Pahlevi anuncia a implantação da chamada
Revolução Branca, baseada no capitalismo de Estado, na abolição de
formas semifeudais de distribuição de renda e de uma popularização
do ensino. O xá passa a cortejar os Estados Unidos e a apoiar o
Estado de Israel, obtendo assim, grande apoio do Ocidente, que o
recompensava com pesados investimentos, mantendo a economia em bom
funcionamento.Obviamente essas medidas não encontraram eco nas massas
iranianas, solidárias à causa palestina.
O
plano de desenvolvimento proposto por Pahlevi mostrou-se deficiente em
longo prazo, pois beneficiava somente uma elite urbana em detrimento
da maioria da população que vivia na zona rural, e que não possuía
sequer luz elétrica ou água encanada. O governo, ao invés de
reinvestir os lucros dos seus projetos em programas sociais, passou a
investir em tecnologia militar de ponta, tornando-se, em pouco tempo,
o maior comprador mundial da produção bélica americana. Assim,
apenas aumentou o fosso entre a elite ocidentalizada e os pobres
tradicionalistas. A conseqüência desta falta de apoio à
agricultura, foi um grande êxodo rural, que em dez anos chegou quase
a dobrar o número de habitantes da capital, Teerã. Esta mão-de-obra
desqualificada para serviços urbanos, fixava-se nas periferias,
inchando-as, evidenciando as abissais diferenças entre pobres e
ricos, tanto econômica quanto culturalmente. A título de exemplo, às
vésperas da Revolução,em 1979, apenas 1% da população concentrava
80% da renda privada do país. (Jornal
do Brasil, 20/01/79).
O
xá sabia que, para implantar sua revolução precisaria usar de métodos
repressivos. Assim, instaurou um regime ditatorial e silenciou a oposição
usando para isso sua polícia secreta, a Savak,
que funcionava nos moldes do Mossad
israelense. Embora tenha sido oficialmente criada como um grupo de
contra-espionagem, suas principais táticas eram a tortura e a
intimidação, fazendo com que os opositores do regime se sentissem
como prisioneiros em seu próprio país, e ainda com a conivência dos
Estados Unidos e de Israel. Os
intelectuais iranianos mostravam-se preocupados, pois tinham consciência
de que a modernização ocorrera depressa demais, e o iraniano médio
sentia-se desorientado. O filósofo Ahmad Fardid cunhou o termo
“ocidentoxicação” (ARMSTRONG, 2001, p.277-279) para descrever o
sentimento geral. Não que estes intelectuais não se sentissem atraídos
pelos valores democráticos ocidentais, mas não sabiam como adaptar
esses valores ao Irã, sem perder a identidade cultural e a soberania
política e econômica.
Em
1973, ocorreu a crise do petróleo, que provocou uma terrível inflação
no país, levando ao desemprego mais de um milhão de iranianos, além
de levar à falência muitos comerciantes que não conseguiram
suportar a concorrência estrangeira no mercado. Em 1977, pela
primeira vez a inflação passa a afetar também a classe média.
Nesse contexto surgiram dois grupos guerrilheiros, o marxista Fedayin-e-Khalk,
e o islâmico Mujahedin-e Khalk,
que passam a praticar atentados contra militares e consultores
americanos. O ressentimento contra os americanos era enorme, pois
pareciam lucrar com o caos no país. O Fedayin-e-Khalk
era ligado ao Tudeh Party of Iran (TPI), ou Partido Popular do Irã em
português, que nasceu
das cinzas do Partido Comunista Iraniano, fundado em 1920, e duramente
perseguido por Reza Shah. O Tudeh se formou em 1941, aproveitando o
breve vácuo de poder criado pela derrubada de Reza Shah pelos
ingleses, após este ter cedido bases iranianas a Hitler quando os
alemães atacaram a URSS. Os comunistas iranianos foram beneficiados
pela libertação de presos políticos, entre eles, muitos membros de
seu partido. Os principais ideais do grupo que nascia eram lutar pela
soberania do país, pela reforma agrária, por uma reforma no sistema
tributário e pelo confisco dos bens de Reza Shah em favor do povo
iraniano. O partido teve também papel ativo no apoio ao governo
nacionalista de Mossadegh no início da década de 50, e na resistência
ao governo entreguista de Pahlevi.
Na
Revolução Iraniana, o Tudeh foi de grande importância na mobilização
e conscientização das massas, distribuindo panfletos, criando um
jornal próprio (“Navid”) e realizando palestras onde
lembravam o povo da necessidade de viver em um país realmente
soberano, e que para isso, segundo o partido, o xá deveria ser
derrubado e as empresas do país, nacionalizadas.
Com
a oposição de religiosos e marxistas o regime do xá tornava-se cada
vez mais autoritário e repressor. Muitos iranianos buscaram ajuda nos
ulemás (líderes religiosos), embora estes se mostrem receosos em se
envolver, ou por medo, ou por não acreditar que alguma mudança fosse
possível. O aiatolá Ruhollah Khomeini, que havia sido preso em 1963,
devido ás suas idéias, consideradas subversivas pelo regime, e que
vivia então exilado no Iraque, torna-se o maior símbolo da resistência
á tirania do Xá. Quando estudantes fizeram um protesto, em 1975,
para lembrar a prisão de Khomeini, a polícia invadiu a madrasah
(escola religiosa) Fayzyya
e atirou um estudante do telhado, matando-o. Em seguida, fechou a
escola, numa evidente demonstração que o xá não aceitaria qualquer
tipo de oposição. Com este ato, Pahlevi só fez crescer sua fama de
inimigo da religião e aumentou a popularidade de Khomeini.
Em
1977, Jimmy Carter ascende á presidência dos EUA, e inicia uma
campanha pelos direitos humanos. Ao tomar conhecimento de um relatório
da Anistia Internacional sobre os tribunais e prisões iranianas,
convence o governo iraniano a afrouxar a censura, resultando numa onda
de publicações de teor oposicionista oriundas de quase todas as
camadas sociais.
Porém,
ainda não existia clima de revolução. Apesar da maioria dos
religiosos manterem-se em silêncio, os intelectuais promoviam
leituras de textos francamente hostis ao governo no Instituto Goethe
de Teerã. Mas a trégua foi curta. Em três de novembro de 1977, o
filho de Khomeini, Mustafá, morre envenenado no Iraque. As principais
suspeitas recaem sobre a Savak. Multidões choraram a morte do filho
de Khomeini, mas ainda não havia sinal de levante generalizado. No
dia 13 do mesmo mês, Pahlevi viajou aos EUA, onde se encontrou com
Carter. Na virada daquele ano, Carter retribuiria a visita, e chegaria
à Teerã em péssima hora. O xá havia
acabado de proibir as manifestações de pesar por Mustafá,
que segundo a tradição xiita deveriam acontecer 40 dias após a
morte da pessoa. Ao visitar o país nessas circunstancias para
demonstrar apoio ao governo, Carter assumiu claramente o papel de
inimigo. Os iranianos não conseguiam compreender como o presidente
americano, que se apresentava como um cristão praticante podia apoiar
um governante que reprimia e torturava seu próprio povo.
No
começo do ano seguinte, Pahlevi comete um erro grosseiro: manda
distribuir um panfleto que absurdamente acusava Khomeini de trabalhar
para o Serviço Secreto Inglês, além de por em dúvida sua
integridade moral.
Quatro
mil estudantes saem ás ruas em protesto exigindo liberdade de expressão,
a reabertura da madrasah Fayzyya,
a libertação de presos políticos e o retorno de Khomeini. O que obtém,
em troca, é a violência: a polícia abre fogo contra a população
desarmada matando 70 pessoas. Foi o começo do fim para o xá.
Era
o estopim da revolução. Se antes a oposição era liderada por
intelectuais e acadêmicos, agora os ulemás tomavam a linha de
frente. Entre junho e julho o xá, pressionado, prometeu eleições
livres e a volta do pluripartidarismo, medidas que acalmaram
especialmente os intelectuais,que deram a luta por vencida. Mas um incêndio
criminoso atribuído à Savak ocorrido
num cinema da cidade de Abadan, que resultou na morte de cerca de 400
pessoas reacendeu as chamas da revolução, que agora era irrefreável.
Em quatro de setembro, ocorreu uma grande marcha pacífica no centro
de Teerã, em que os manifestantes oferecem flores aos soldados. Pela
primeira vez nem um tiro foi disparado e a manifestação contou com a
participação da classe média. Finalmente abandonado pelas classes
mais abastadas, o xá numa medida desesperada decide proibir qualquer
tipo de aglomeração. Os manifestantes ignoraram a lei marcial e o
que ocorre em seguida foi um verdadeiro massacre: 900 pessoas foram
mortas pela polícia. A comoção toma conta de todo o país e os operários
da indústria petrolífera decidiram cruzar os braços. O xá ficou
cada vez mais isolado. Khomeini, que havia sido expulso do Iraque a
pedido do xá,e encontrava-se exilado em Paris, passa a coordenar da
capital francesa as manifestações que se agigantavam e chegavam a
atrair dois milhões de pessoas. A situação era absolutamente
insustentável: as promessas do xá, já não recebiam crédito e sua
saída começou a ser negociada.Finalmente o soberano do Irã percebe
o absurdo de ter como principal inimiga sua própria população e
deixou o país rumo ao exílio no Egito. Seus representantes,
liderados por Shapur Bakhtiar, ainda fizeram um último esforço para
manter-se no poder, dissolvendo a Savak
e libertando presos políticos, mas viram-se forçados a tender a
principal reivindicação popular, que era a autorização do retorno
de Khomeini, que chega à Teerã em 01/02/79, onde foi recebido por um
milhão de pessoas.
Ente
todas as revoluções da História, a iraniana primou pela quase
unanimidade da oposição à ordem reinante, já que cerca de noventa
por cento da população colocou-se contra o governo Pahlevi. Ao contrário
da Revolução Russa, comandada pelos bolcheviques, uma minoria dentro
daquela sociedade, o levante no Irã mobilizou todos os setores
sociais, desde os mais pobres até a elite. Este particular fez da
Revolução Iraniana um dos mais importantes movimentos sociais do século
XX.
A
COBERTURA INICIAL:
Analisando
os periódicos da época da Revolução notamos que, inicialmente o
processo revolucionário contava com a simpatia da muitas pessoas,
especialmente de setores da esquerda. A violência do regime do xá
era amplamente divulgada, e de forma geral a imagem que se tinha era
de que um movimento genuinamente popular havia chegado ao poder no Irã.Podemos
perceber nas palavras da enviada especial á Teerã, Mara Pinheiro, do
Jornal da Tarde, um certo
ar de fascínio,quando ela descreve as manifestações.
A
verdade é que nenhum dos jornalistas estrangeiros em Teerã jamais
havia visto tanta gente reunida de uma só vez. Pois o que aconteceu
nesses últimos dois dias na capital do Irã, ultrapassou todo e
qualquer prognóstico. As dimensões das duas manifestações são tão
gigantescas que qualquer paralelo com outra manifestação já vista
torna-se impossível. [...] Uma cidade inteira nas ruas
manifestando-se pacificamente. (Jornal da Tarde, 28/12/78)
A
edição do Jornal do Brasil
de 17/01/79, narrou assim a reação do povo iraniano à partida do xá:
A
Rádio Irã anunciou a partida do xá no noticiário das 14 horas
locais.Imediatamente milhares de pessoas saíram ás ruas, jogando
balas, cravos vermelhos e beijos aos soldados.[...],enquanto todos os
motoristas faziam soar as buzinas e acendiam os faróis de seus veículos
gritando em coro: “O xá partiu, viva Khomeini!”.(idem).
Quando
o regime cai definitivamente, o mesmo jornal, em sua edição de
25/02/79, o repórter parece de certa forma contagiado pelo espírito
da revolução:
No
dia 11 de fevereiro, naufragou definitivamente o efêmero governo de
Shapur Bakhtiar, e com ele, o que restava do odiado regime do xá Reza
Pahlevi. (idem).
Até
a revista Veja que, como
veremos adiante, se tornaria no Brasil a mais ferrenha crítica do
regime de Khomeini, comentou a apoteótica chegada do aiatolá ao Irã,
e a alegria do povo com o evento. No entanto, esta postura está
claramente atrelada á posição norte-americana na época:
A
recomendação do embaixador americano em Teerã, William Sullivan,
seria a de deixar que o processo revolucionário seguisse seu curso;
apoiar Khomeini, líder de um movimento que,em última análise,seria,apesar
de tudo, basicamente,pacifista, e, dessa forma,se tentaria evitar uma
confrontação em larga escala que poderia terminar beneficiando os
marxistas.” (Veja,07/02/1979)
No
âmbito internacional, especialmente na mídia francesa, a postura era
francamente pró-revolução como atestam as seguintes manchetes:
“A
abominável repressão no Irã”, de 30/01/1976, “O massacre dos
manifestantes de Teerã”, de 11/09/78, ambas do Lê
Monde ou a reportagem da revista Lundi,
intitulada “Todo um povo contra o tirano”. Na edição do jornal
francês sobre o massacre há uma irônica charge em que o xá,
portando uma faca ensangüentada afirma: “Fiz isso para salvar a
democracia.”
No
entanto, os revolucionários assumiram um país falido, pois no fim da
monarquia, pela absoluta impossibilidade de se tocar qualquer negócio,
mais de três bilhões de dólares foram retirados do Irã. Além
disso, assim que a revolução foi consumada surgiram as primeiras
fissuras na coalizão oposicionista que conduzia a luta contra o xá.
E
o confronto principal seria entre esquerda e religiosos. O jornal O
Estado de S. Paulo fez uma análise bastante lúcida sobre como
eram os frágeis e totalmente vinculadas ao momento a união entre os
dois grupos.
A
débil aliança formada entre os religiosos xiitas e os marxistas que
integram a Frente Nacional, parece estar chegando ao fim. A decisão
de Khomeini de excluir de seu “Governo Provisório Islâmico”
tanto o líder da frente Karim Sandjabi, quanto os demais esquerdistas
que o apoiaram na luta contra o xá, já está provocando manifestações
de protesto e ira.[...]. O confronto e a cisão já eram esperados.
Khomeini e seus seguidores se opuseram ao xá por este ter tentado
ocidentalizar e industrializar o Irã, deitando por terra algumas
tradições muçulmanas [...].Os líderes da Frente Nacional, por sua
vez, decidiram lutar contra o soberano por ele ter se negado a
promulgar reformas políticas e democráticas, por ter dado amplos
poderes ao exército e à polícia secreta, e , finalmente por ter
permitido a dilapidação dos cofres públicos. A única coisa que os
religiosos e os políticos tinham em comum, era o ódio ao soberano.
Com a saída deste do país, ressurgiram as velhas diferenças.
(18/01/79)
A
escritora norte-americana Robin Wright, em seu livro The
Last Great Revolution,
lembra que, a principio, Khomeini não reivindicava o exercício do
poder (WRIGHT, 2000 p. 16). Pelo contrário, para perplexidade da mídia
ocidental, assim que a euforia pelo seu retorno arrefeceu, Khomeini
voltou á Faculdade de Teologia de Qom, onde lecionava antes de ir ao
exílio. Pretendia deixar o poder nas mãos dos revolucionários. No
entanto, o quadro muda assim que se começa a falar sobre a elaboração
de uma constituição para o país. Os grupos revolucionários eram
muito heterogêneos, e cada qual tinha sua visão para o que deveria
ser o novo Irã. Alguns queriam o modelo francês, com um presidente
forte, outros sugeriam outras mudanças, mas nenhum sequer citava o
clero em suas propostas. Temerosos de serem marginalizados, ou mesmo
excluídos do processo, seguidores de Khomeini conseguiram introduzir
uma emenda que vetava certas candidaturas. Funcionou, e, assim,
conseguiram a maioria. O poder do presidente ficou reduzido, pois
ficaria abaixo do Líder Supremo, o Velayat-e
Faqih, comumente chamado Faqih,
cujos poderes eram enormes, com poder de veto até sobre o nome do
comandante-em-chefe.
O
poder foi dividido á moda ocidental, em executivo, legislativo e
judiciário, mas para cada cargo havia outro, com poder ao menos
equivalente exercido por um clérigo. No judiciário foram criados
tribunais revolucionários para julgar, sempre a portas fechadas,
pessoas acusadas de comportamento anti-revolucionário. No
legislativo, os duzentos e setenta membros do parlamento estavam à
sombra dos doze membros do Conselho dos Guardiões, que tinham poder
de veto sobre leis consideradas anti-islâmicas.
A
partir deste momento, o tom da imprensa em relação à revolução
começa a mudar. A repressão aos anti-revolucionários e o modelo de
governo que se configurava, nitidamente não ocidental, fez com que as
primeiras críticas mais contundentes surgissem. No final de 1979,
ocorreria algo que faria do regime iraniano um pária na comunidade
internacional.
No
dia quatro de novembro de 1979, cerca de quinhentos estudantes
iranianos cercaram a embaixada norte-americana em Teerã, que
consideravam um QG da contra-revolução, tomando como reféns cerca
de cem pessoas, das quais cinqüenta e duas ficaram sob o poder dos
estudantes durante exatos quatrocentos e quarenta e quatro dias. O
estopim do seqüestro foi o fato dos EUA terem aceitado a entrada de
Reza Pahlevi no país para o tratamento de um câncer, em setembro
daquele ano. Muitos iranianos não acreditavam que o ex-soberano
estivesse realmente doente, e temiam que sua entrada nos EUA,
representasse uma nova tentativa de reconduzi-lo ao poder, como em
1953. Segundo entrevista concedida por um dos líderes do cerco,
Ibrahim Asghrzadeh (WRIGHT, 2000, P.255) á Robin Wright, a principio,
os objetivos dos estudantes eram limitados, pretendiam tomar a
embaixada por três ou quatro dias no máximo. Mas o que os estudantes
não esperavam era o apoio de Khomeini. Relatos dos reféns americanos
são unânimes ao relembrar os rostos estupefatos dos
estudantes,quando ao aiatolá apareceu na TV, dando sua “benção”
à ocupação, chamando-a de “a segunda revolução”. Com esse
gesto, Khomeini transformou um protesto estudantil em um ato de
terrorismo de Estado, já que estava, em rede nacional, dando seu aval
a um seqüestro, iniciando uma enorme crise internacional. Toda e
qualquer simpatia que o Ocidente pudesse ter pela revolução se
esvaiu neste episódio. A partir de então o processo revolucionário
iraniano estaria definitivamente ligado aos termos “fanatismo” e
“radicalismo” e a palavra “xiita”, que nada mais é do que um
grupo minoritário dentro da religião islâmica se tornaria de uso
corrente no Brasil, especialmente na mídia impressa para designar
pessoas de posturas radicais.
Com
a morte de Reza Pahlevi no Egito, em 1980 e a invasão do Iraque ao Irã
os seqüestradores tornam-se mais receptivos à negociação. Carter,
totalmente desgastado com o prolongamento da crise que já se
arrastava há mais de um ano, perde as eleições para o ex-ator de
filmes de faroeste, Ronald Reagan. Com a intermediação de diplomatas
argelinos, o seqüestro chega ao fim, em 20/01/81, ironicamente no dia
da posse de Reagan.
O
IRÃ NA BERLINDA
Uma
das mais longas e sangrentas guerras do século XX iniciou-se no final
de setembro de 1980, quando o ditador iraquiano Saddam Hussein invadiu
o Irã. O pretexto foi o repúdio, por parte do Iraque, ao acordo de
Argel (1975), mediado pelo então secretário de Estado Henry
Kissinger. O referido acordo definiu os limites dos dois países ao
Shatt Al Arab (“Costa árabe”), um canal de duzentos quilômetros
formado pela confluência dos rios Tigre e Eufrates e que passa entre
os dois países. O Iraque alegava necessitar de uma saída para o mar,
o que facilitaria o escoamento de sua produção de petróleo. A região
abriga importantes instalações petrolíferas, tanto do Irã, quanto
do Iraque. Saddam Hussein desejava voltar à situação anterior a
1937, quando o Iraque detinha soberania sobre a totalidade do curso de
água. Outro motivo que levou Saddam a considerar que sua empreitada
seria bem-sucedida era o enfraquecimento do exército iraniano, já
que os principais generais e demais comandantes militares de alta
patente do exército do Irã haviam sido executados pelos revolucionários.
O ditador estimou que talvez jamais se repetissem condições históricas
tão favoráveis para o Iraque árabe derrotar o antigo inimigo persa
e com isso arrebatar para si o posto de senhor do Golfo Pérsico, vago
desde a queda do xá. O momento também parecia propício para Saddam
ocupar o papel de líder do mundo árabe, sucedendo o nacionalista egípcio
Gamal Abdel Nasser, morto em 1970.
O
conflito durou oito anos e matou cerca de um milhão e meio de
pessoas, e feriu muitas mais, gerando ainda, milhões de refugiados.
Do lado iraquiano pereceram por volta de 375.000 pessoas, enquanto que
do lado iraniano mais de 300.000, além dos milhares de mutilados que,
infelizmente, levariam para sempre as marcas desta guerra. No fim,
nenhum dos motivos alegados para o início da guerra havia encontrado
solução. As fronteiras entre os dois países permaneceram
praticamente inalteradas.
A
guerra Irã-Iraque, no entanto, pode servir como um exercício de
observação de como a mídia pode construir a imagem de um aliado ou
inimigo de acordo com o que pedem as circunstâncias. Analisando o
conflito com o distanciamento que mais de duas décadas permitem, não
deixa de ser curioso notar como o “inimigo” que toda potência
hegemônica precisa ter para justificar o seu domínio pode mudar de
rosto. Sabemos que, após a Guerra do Golfo de 1991, Saddam Hussein se
transformou, na mídia e conseqüentemente no imaginário ocidental na
mais completa tradução do que seria o “Mal Absoluto”, sendo inúmeras
vezes comparado a ditadores como Hitler e sendo chamado de sanguinário,carniceiro,louco
e outros adjetivos tão “abonadores” quanto.
No
entanto, no começo da década de 1980, o “Mal” atendia pelo nome
aiatolá Khomeini, e Saddam era o líder moderno e laico que poderia
refrear a exportação da Revolução Islâmica que ameaçava os
interesses econômicos do ocidente na região.
Em
01/10/1980, a guerra entre Irã e Iraque foi matéria de capa da
revista Veja, a principal
revista semanal de informação do país. Nesta matéria, Saddam
Hussein, então aliado norte-americano, é descrito como
“aguerrido” e sempre chamado de “presidente” e não de
ditador, epíteto que se tornou inseparável de Saddam na mídia
ocidental na década de 1990.
Segundo
a cobertura da prestigiada revista, que hoje soaria irônica, “até
os adversários mais ferrenhos admitem que Hussein talvez seja hoje em
dia, o mais objetivo e pragmático líder entre os potentados árabe
do petróleo.” (Veja, 01/10/80 p.36)
O
citado periódico ainda revelava que o bilionário banqueiro David
Rockefeller costumava passar horas em amistosa conversa com o ditador,
descrito como “cavalheiro de maneiras educadas, impecáveis ternos
de corte europeu, tem uma coleção de cachimbos Danhill e se locomove
numa limusine Mercedes-Benz”. (idem, p.35). No decorrer da matéria
o autor, cujo nome não é revelado quando a revista quer passar sua
opinião, ainda tece loas ao processo de modernização vivido pelo
Iraque sob sua gestão. Em nenhum ponto da reportagem é citado o fato
de que Saddam ascendeu ao poder por meio de um golpe militar, mas seu
partido o Baath, é elogiado por ser “ferrenhamente
anticomunista”, o que, em tempos de Guerra Fria, era o que bastava
para ser considerado um país aliado.
Como
se vê, o benefício da dúvida concedido pelo Ocidente á revolução
iraniana, durou muito pouco tempo. Após o seqüestro na embaixada
americana, o regime iraniano passa a ser demonizado. Simplesmente
todas as declarações dadas pelo clero iraniano eram rechaçadas e
ridicularizadas, enquanto que as afirmações de qualquer ocidental
sempre eram avalizadas, num surto de etnocentrismo raras vezes visto
na mídia brasileira até então. Infelizmente este processo de não
legitimização do argumento do “inimigo” se tornaria comum após
os atentados ao World Trade Center em 2001. De acordo com Dornelles,
“...
a idéia sempre foi mostrar Bin Laden como um fanático religioso
disposto a destruir uma civilização, alguém que não tem motivação
política, mas que é movido pela inveja, pelo rancor. Duas semanas
depois dos atentados, Bin Laden mandou uma carta á rede de TV Al
Jazira criticando os Estados Unidos pelo apoio á Israel e pela presença
de tropas americanas na Arábia Saudita. Mas a imprensa americana e
toda a imprensa ocidental destacaram apenas a questão religiosa.”
(Dornelles, 2002, p. 183).
No
jornal inglês The Independent,
de 16/11/2001, o jornalista inglês Robert Fisk afirmou: “Nos
próximos dias será feito um esforço para esquecer os motivos dos
atentados. E as atenções estarão voltadas para quem e como foram
executados.”
Guardadas
as devidas proporções foi isto que aconteceu na cobertura jornalística
da Revolução após o seqüestro na embaixada americana. De repente,
os motivos da revolução e os massacres promovidos pelo xá foram
esquecidos. Após o caso dos reféns raramente se lê na imprensa
sobre os anos pré-revolução. Passa a ser construída a imagem de um
regime opressor e marcado pelo fanatismo religioso, omitindo o fato de
que a revolução foi um movimento que englobou todos setores da
sociedade iraniana e contou com amplo apoio popular.Porém, a partir
do momento que este regime chocou-se com o governo norte-americano, o
Irã passa a ser tratado como um Estado bárbaro, ou como afirmaria um
repórter não-identificado da revista Veja “inegavelmente,
um dos regimes mais detestáveis, incômodos e criadores de caso que o
mundo contemporâneo já conheceu.” (Veja, 01/10/80)
Obviamente
que não queremos aqui justificar seqüestros ou atentados, mas o fato
da mídia ter, nestes casos, ocultado ou minimizado o fato de que
ambos os atos tinham alegado fundo político (o exílio do xá e a
presença de tropas norte-americanas na Arábia Saudita,
respectivamente),concorreu para que os autores destes atos fossem
retratados como indivíduos movidos unicamente pelo fanatismo
religioso,o que evidentemente não era o caso dos iranianos, que pelos
relatos dos reféns não possuíam grande fervor religioso,mas sim
eram extremamente politizados, chegando ao ponto de tentar
“doutrinar” os reféns para que estes entendessem sua revolta
anti-americana.(WRIGHT,2000,P.145)
No
final de 1986, mais um capítulo da animosidade entre EUA e Irã seria
escrito. Este caso seria conhecido como Irã - Contras. Tal episódio
consistiu numa negociata secreta entre o governo de Ronald Reagan e o
de Khomeini, para libertar reféns norte-americanos no Líbano, em
troca de armas. Com o dinheiro obtido nesta venda, Washington
patrocinava a ação dos “contras”, guerrilheiros que lutavam
contra o regime socialista instaurado na Nicarágua pela Revolução
Sandinista (ARBEX,1993). Toda a operação havia se iniciado em
1985,quando o então Primeiro-Ministro de Israel, Shimon Peres,
comunica a Reagan a proposta de poderosos executivos israelenses, de
vender armas ao Irã, para facilitar a libertação de reféns
americanos no Líbano. A mando de Reagan, John Poindexter, assessor de
segurança nacional da Casa Branca e seu braço direito, o coronel
Oliver North, organiza missões secretas. Tendo Israel como parceiro
no transporte de armamentos e peças para helicópteros e caças para
o Irã, vários reféns norte-americanos são libertados. Na época, o
Irã encontrava-se em guerra com o Iraque e sofria com a falta de
reposição de peças de reposição devido ao embargo americano. Uma
das ilegalidades deste caso é que Reagan precisava ter notificado o
Congresso para a suspensão temporária do embargo, que, aliás, ele
próprio havia assinado. Como não fez isso, transgrediu as leis
norte-americanas, e criou um problema para o Senado e na Casa dos
Representantes. Em ambas as instituições foram abertas comissões de
inquérito, que quase levariam Reagan ao impeachment.
Além disso, o presidente norte-americano se mostrou totalmente
incoerente em relação á política oficial de seu país que era de não
negociar com terroristas.
A
revista Veja fez uma
cobertura parcial do caso. Na edição de 26/11/86, numa matéria de
três páginas, o lado iraniano da história, ou seja, Khomeini merece
poucas linhas, em que é retratado como já era de hábito:
simplesmente um lunático.
...o
aiatolá Khomeini [...] emitiu seu repúdio a Reagan: “Uma grande
explosão ocorreu na casa negra”, vociferou o aiatolá referindo-se
à Casa Branca, agora que a política de Reagan foi revelada. Chamando
o presidente dos Estados Unidos de “Grande Satã” como de costume,
Khomeini sepultou qualquer intenção de entendimento que porventura o
governo americano tenha cultivado desde que as negociações secretas
entre os dois começaram, há dezoito meses.”
Os
termos são escolhidos a dedo. Khomeini “vocifera”, enquanto os
políticos americanos entrevistados no restante da reportagem
“afirmam”. O aiatolá chama os EUA de grande satã, “como de
costume”, passando a imagem de alguém irremediavelmente agressivo e
fanático, a qual não se deve dar ouvidos. Mas o pior fica para o fim
das parcas linhas dedicadas a Khomeini. Apesar do longo histórico dos
EUA em apoiar interesses que poderiam prejudicar politicamente o Irã
(golpe de 53, xá Reza Pahlevi, Saddam Hussein, etc.), Khomeini é
acusado pela referida revista de “sepultar qualquer intenção de
entendimento”, como se as concessões tivessem que partir apenas do
Irã, e apenas dele dependesse o entendimento entre os dois países.
No
final de novembro de 1986, o secretário da Justiça dos EUA, Edwin
Meese, revelou que boa parte do dinheiro arrecadado com a venda de
armamentos ao Irã, cerca de trinta milhões de dólares, havia sido
depositado na conta de contra-revolucionários nicaragüenses. No
entanto, o Congresso havia proibido ao governo americano prestar
qualquer ajuda aos “contras” sem que antes houvesse um amplo
debate no Parlamento. Em poucas palavras, o Governo estava burlando a
lei, mediante o uso de uma operação clandestina. Durante os
interrogatórios das comissões de inquérito ficou claro que altos
funcionários do governo estavam envolvidos na operação, inclusive o
então vice-presidente George Bush. O presidente Reagan negou
totalmente qualquer responsabilidade, que foi totalmente assumida pelo
Coronel North. A popularidade do presidente, que estava em baixa,
cresceu quando assumiu que, a seu ver, qualquer ação visando a
erradicação do comunismo era legítima. O mesmo ocorreu com North,
apoiado até em manifestações de rua, que foi condenado a apenas três
anos de prisão domiciliar, uma pequena multa e serviços à
comunidade. Das investigações emergiram contrabandistas de armas,
especuladores, tráfico de influência, mas, sobretudo a falta de ética
manifestada pelo Poder Executivo.
A
MORTE DE KHOMEINI: O ADEUS DO IMAM.
Praticamente,
desde o início da Revolução, Khomeini que, na época, já tinha 76
anos, preparava o espírito da nação para a ocasião de sua morte.
Segundo
matéria publicada no Jornal da Tarde, transcrita da revista
alemã Der Spiegel:
Ele
autorizou o governo a sonegar a notícia de sua morte pelo tempo que
julgar necessário para o interesse da segurança do Estado. [...] Mas
aqui está a providência mais importante: Khomeini assinou e lacrou,
em 1983, um documento de 30 páginas e determinou que este só fosse
lido depois de sua morte. E só se dispõe a revelar antecipadamente
um ponto do testamento: o de que hipotecava plena confiança ao aiatolá
Hussein Ali Montazeri. (23/12/85).
Os
últimos meses de liderança do imam
foram conturbados. Além da polêmica sobre o livro de Salman Rushdie,
autor de Os versos satânicos,
acusado por Khomeini de blasfemo, e que resultou numa sentença de
morte que nunca foi efetivamente cumprida, até por ser contrária á
própria lei islâmica, que não permite julgamentos
extraterritoriais, o líder iraniano ainda expulsou do governo seu
ex-aluno e, aquele que, segundo o Der Spiegel seria o seu
sucessor, Ali Montazeri. O motivo da mudança de planos foi um
discurso realizado por ocasião dos festejos do décimo aniversário
da Revolução, em que Montazeri convocava o governo a reparar certos
erros do passado e admitindo que a Revolução não houvesse
conseguido cumprir muitas de suas promessas. Além disso, em
entrevista ao The New York Times, Montazeri mostrara-se
preocupado com a péssima repercussão do caso Rushdie para a imagem
do país. A fala de Montazeri e a rígida medida adotada por Khomeini,
ajudaram a causar um clima de instabilidade. Este clima se agravaria
pouco tempo depois.
No
dia 23/05/89, Khomeini foi submetido a uma cirurgia de emergência
para estancar uma hemorragia no aparelho digestivo. Estava reagindo
bem, mas dez dias, 03/06/89, seu estado piorou e o líder da Revolução
morreu. Apenas oito horas após o anúncio da morte, a Assembléia dos
Sábios designou Ali Khamenei, então presidente do país, como novo Líder
Supremo. Assim que a morte do imam foi anunciada, a mídia de todo o
mundo iniciou um debate sobre a sua sucessão, mal conseguindo
esconder a torcida por um líder laico exilado. O jornal O Estado
de S. Paulo de 05/06, publicou uma pequena matéria em que o filho
do xá Reza Ciro, acenava com a possibilidade de retorno e assegurava
que, com Khomeini, morria também a Revolução. O Jornal da Tarde da
mesma data procurou também Shapur Bakhtiar e Bani Sadr.
Shapur
Bakhtiar não considera importante a forma de governo. Cita a
monarquia espanhola como exemplo de democracia e a república chilena
como exemplo de ditadura. A seu ver a República Islâmica está morta
e os próprios religiosos sabem disso. (05/06/89).
Bani
Sadr afirmava o mesmo com palavras diferentes, insinuando um golpe ao
lembrar pela enésima vez suas boas relações com as Forças Armadas.
O fato é que toda a mídia considerava a Revolução morta e bastava
agora que se decidisse entre a volta da monarquia, a um governo
parlamentarista ou um regime apoiado pelos militares. Aparentemente, não
passava pela cabeça de ninguém que o Irã continuaria a Revolução.
Sem o mesmo fervor de dez anos antes e mais amadurecido, mas
certamente repudiando a volta de velhos membros da política iraniana.
Enquanto
isso no Irã, esses nomes nem eram lembrados. Para a população em
geral, com a transferência de cargo de Khamenei de presidente para Líder
Supremo, deixando a presidência vaga era chegada à hora de decidir
entre o filho do imam, Ahmad Khomeini e o presidente do parlamento Ali
Akhbar Rafsanjani. Khamenei logo demonstrou seu apoio à Ahmad que,
certo da vitória, já discursava como presidente, embora sem sequer
oficializar sua candidatura. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo,
Depois
do luto, a incerteza política no Irã deve crescer até agosto,
quando se realizarão eleições para a Presidência da República. Até
agora o único candidato é Rafsanjani. Juntamente com a escolha do
novo chefe de Estado, deve ser aprovada uma reforma na constituição
que dará mais poderes ao presidente. (06/06/89).
No
citado periódico, explicava-se também a indiferença iraniana em
relação a possíveis sucessores de Khomeini que se encontravam no exílio.
Os
grupos que mantém uma parcela do poder atualmente no Irã
constataram, com certo alívio, que a oposição iraniana no exílio
está tão ou mais dividida do que o próprio regime. Isso faz com que
a preocupação principal no momento se situe no plano interno. Nada
indica que os vários grupos em Paris, Nova York ou Bagdá possam
concluir alianças táticas à curto prazo para ameaçar o poder dos
religiosos em Teerã. (idem).
No
dia 07/06, Khomeini seria sepultado numa das maiores manifestações públicas
da História. Cerca de quatro milhões de pessoas acompanharam o
funeral. Oito pessoas morreram na tumultuada cerimônia.
Na
mídia brasileira, destacou-se a cobertura da revista Veja. Não
por seu jornalismo sério e imparcial, mas por uma das maiores
demonstrações de sensacionalismo e etnocentrismo jamais vistas
nestas plagas. Comecemos pelo título e subtítulo:
Pandemônio
do adeus: numa explosão de fanatismo e histeria, os iranianos se
despedem de Khomeini e cultuam seu legado de ódio e intolerância.
(14/06/89).
A
referida publicação comete, já no início da matéria, um grave
erro: a generalização. Não são alguns, ou uma parte da população,
mas “os iranianos”, ou seja, um todo, a população de um país,
cultua o “ódio” e a “intolerância”, passando assim, a imagem
de um povo de má índole que odeia (especialmente a “nossa”
civilização ocidental), e não uma população que estava, à sua
maneira, lamentando a morte de um líder querido, de alguém que teria
libertado-os do regime opressor do xá. A principal característica da
matéria é a absoluta incompreensão do significado de um aiatolá
para um xiita. A palavra aiatolá, vem do árabe, e significa “sinal
de Deus”, e Khomeini era considerado um imam, um legítimo sucessor
de Ali e Hussein, respectivamente genro e neto do Profeta Mohammad. No
entanto, é impossível descrever o preconceito que permeia todo o
texto sem citar alguns trechos.
...
O Irã entrou em transe para se despedir do aiatolá Ruhollah
Khomeini, chefe supremo, ditador e pai espiritual dos 60 milhões de
iranianos e dos xiitas de todo o mundo [...] Cenas dramáticas, quase
grotescas marcaram as cerimônias fúnebres do homem venerado há décadas
com fanatismo crescente por seus seguidores. (idem).
O
fato de o funeral ter sido um tanto tumultuado, algo inevitável
devido à intensa aglomeração de pessoas e o forte choque emocional
pelo qual passavam, foi usado pela revista como “prova” do
fanatismo iraniano. Segundo a Veja, o que houve foi um
“desvario”, e o locutor da TV iraniana emocionado,
“descabelava-se”. O repórter não identificado mostrava-se atônito
com a admiração ao homem que segundo ele,
...
Lançou o Irã nas trevas da intolerância e condenou-o ao isolamento
internacional, persistiu por oito anos numa guerra cruel, e
economicamente devastadora e levou à morte milhares de adversários
políticos e religiosos. [...] Foi sepultado como um santo, um ídolo,
um salvador. (ibidem).
Percebe-se
claramente o completo desprezo do autor ao elemento religioso do fato.
Khomeini estava para os xiitas como o Papa está para os católicos,
um homem santo, um guia espiritual, e isso lhes bastava. O autor
ignora tudo isso, relacionando apenas argumentos materialistas e
ocidentais para detestar o aiatolá.
O
artigo trata os iranianos como um bando de miseráveis que sofreram
lavagem cerebral, como se Khomeini tivesse criado o Islã xiita e não
aceita que, aquilo que soa bizarro aos olhos ocidentais e até dos muçulmanos
sunitas, nada mais é que uma maneira diferente de demonstrar pesar.
Há
uma legenda ao lado de uma das fotos no fim do artigo que resume bem a
imagem que a revista construiu do povo iraniano: “Os idólatras
avançam sobre o cadáver e uivam: terra em transe”. (ibidem).
Apesar
da cobertura etnocêntrica da Veja, houve na mídia brasileira,
tentativas de compreender o fenômeno. Foi o caso do jornal O
Estado de S. Paulo, que num pequeno Box, como se diz na
linguagem jornalística, intitulado “Histeria também é comum no
Ocidente”, explicava:
As
cenas de histeria e desespero coletivo ocorridas no enterro do aiatolá
Khomeini não são privilégio dos iranianos nem característica específica
do ramo xiita da religião islâmica. [...] Na Alemanha dos anos 30
[...] o líder nazista era saudado como o “pai do renascimento alemão”,
num país que não era conhecido pelo fanatismo religioso. Enquanto
levantavam o braço na clássica saudação nazista, em delírio as
crianças gritavam e as mulheres caíam em prantos. [...] A histeria
coletiva atingiu multidões na China dos primeiros anos da Revolução
Cultural (entre 1966 e 1976). Em nome da pureza ideológica, templos
religiosos e escolas foram destruídos, por “guardas”, que
empunhavam como estandarte o Livro Vermelho de Mao Tse-tung. O culto a
um líder morto pode se assemelhar a uma romaria religiosa, como as
filas para ver o corpo de Vladimir Lênin... (07/06/89).
Muito
embora o jornal compare Khomeini a figuras como Hitler e Mao Tse-tung,
nota-se pelo menos uma tentativa de relativizar os fatos e compreender
a catarse coletiva ocorrida no Irã, demonstrando que estes fenômenos
não são tão incomuns como possam parecer.
Não
que Khomeini, pelo menos para um não-xiita mereça algum tipo de
apologia. Ele estava longe de ser um santo ou de atingir a perfeição,
pelo menos para aqueles que não seguem suas crenças. O que se
defende aqui é o respeito à diferença cultural e a tentativa de
compreender os valores de um povo a partir de sua própria perspectiva
e não com referenciais totalmente estranhos àquela cultura, caindo
assim no puro etnocentrismo.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Não
se pode afirmar, com raras exceções, que houve propriamente uma
“visão brasileira” da revolução. A maioria absoluta das notícias
utilizadas neste trabalho, colhidas entre os principais jornais do País,
eram meras traduções de artigos fornecidos por agências de notícias
internacionais. Dentre todo o material pesquisado, a única
correspondente enviada ao Irã, foi a já citada jornalista Mara
Pinheiro que, a serviço do Jornal da Tarde, fez um instigante
relato do clima das gigantescas passeatas que levaram milhões às
ruas a protestar contra o regime do xá. A jornalista infiltrou-se nas
manifestações, conversou com os participantes e numa narrativa
envolvente, descreveu as “internas” da Revolução. A revista Veja,
por sua vez, enviou o jornalista Pedro Cavalcanti ao Iraque na ocasião
do conflito com o Irã. Nas demais matérias pesquisadas, não havia
correspondentes brasileiros na região, mas sim em Washington, Londres
ou Paris. Durante os primeiros anos do processo revolucionário não
se notou nos grandes jornais brasileiros, uma interpretação
diferente do restante da mídia internacional. A única característica
diferenciadora seria o fato de a Revolução ser retratada como um
processo anárquico e perturbador da ordem, pensamento possivelmente
decorrente do fato de o Brasil estar em plena ditadura militar na época,
como mostra a matéria do jornal O Estado de S. Paulo de
18/01/79, intitulada: “Irã, primeiro dia: 30 mortes, renúncias,
caos”. Em outro caso, mais explícito, no mesmo jornal, do dia
24/01/79, a manchete era: “Exército do Irã reafirma lealdade ao
xá”. No corpo do texto, o jornalista, não identificado,
afirmava que “... os militares iranianos continuam leais ao xá
Reza Pahlevi e defenderão a qualquer preço o governo legal e
constitucional do primeiro-ministro Shapur Bakhtiar...” (O
Estado de S. Paulo, 24/01/79).
A
revista Veja de 21/02/79, num Box intitulado “Via
satélite, a dúvida: isso pode ocorrer aqui?” Colocou no ar a
possibilidade de que uma insurreição popular de grandes proporções,
aos moldes da iraniana ocorresse no Brasil. Entrevistando “...
uma fonte em permanente contato com o general João Baptista
Figueiredo...”, a reportagem procurou descobrir se passava pela
cabeça do alto escalão do governo militar tal hipótese. Segundo a
fonte não-identificada,
O
regime do xá era brutal. [...] Já no Brasil estamos caminhando
dentro da democracia e a situação das faixas pobres tem perspectivas
concretas de solução. [...] Essa revolta toda, misturada com a reação
religiosa, aconteceu, entre outras coisas, porque o Irã é um país
que ia financeiramente bem, mas onde a quase totalidade da população
vive à margem dos benefícios (Veja 21/02/79).
O
então presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo,
Joaquim dos Santos Andrade ao ser procurado pela reportagem,
respondeu:
Não
acredito que aconteça a mesma coisa no Brasil. [...] Mas é bom
lembrar que o povo está distante, longe das discussões; e, quando a
distância aumenta, o povo grita. (idem).
Pedro
Sampaio, presidente do sindicato dos petroleiros de Santos ia mais
longe e afirmava: “Nós também precisamos de um aiatolá”. (ibidem).
Não
podemos deixar de citar também o então líder dos metalúrgicos de São
Bernardo do Campo, no ABC paulista, que chegaria à presidência do
Brasil em 2003, Luís Inácio Lula da Silva: “A vitória da
revolução se deveu principalmente ao trabalho político no seio da
massa popular”. (ibidem).
A
cobertura brasileira dos eventos que se sucederam no Irã, seguiu mais
ou menos a linha da imprensa norte-americana, chegando simplesmente a
transcrever matérias inteiras, sempre ligando o Irã ao fanatismo, e
ocultando possíveis motivações políticas em cada ato extremo
eventualmente cometido por iranianos.
É
fundamental para o historiador que este se liberte do discurso
unilateral, pois se aceitar passivamente a versão única dos fatos
propagados pela mídia, perder-se-á o questionamento, o senso crítico,
algo imprescindível para a autonomia do profissional da área.
Segundo Arbex, (ARBEX, 2000, p.193).
O
preconceito cega e impede que a história seja contada. (...) É no
processo de interlocução com o outro, no exercício cada vez mais
difícil de saber identificar e escutar outras vozes, que o
historiador pode resgatar a memória dos fatos para além de sua
representação, encontrando as perguntas certas que deverão orientar
o seu trabalho de investigação.
Evidentemente,
o regime iraniano está longe da perfeição, a começar pela existência
do cargo de “Líder Supremo”, que, sempre nas mãos de
conservadores, emperra as reformas políticas e sociais que o país
tanto necessita. Mas suas características sócio-culturais e a
soberania do Irã precisam ser respeitadas, para que este se
desenvolva a seu próprio modo, como outros países orientais, sem
perder sua identidade cultural, e sua soberania política e econômica.