EDILAINE CUSTODIO FERREIRA

Mestranda em Historia na Universidade Estadual de Maringá

Agradeço as importantes contribuições da professora Dra. Simone Pereira da Costa DCS/UEM, ao meu amigo Faber Miquelin, pela  correção ortográfica e gramatical e a minha orientadora Dra. Silvia Helena Zanirato.

 

Raízes do Brasil:

uma interlocução entre Simmel, Weber e Sérgio Buarque de Holanda

Edilaine Custodio Ferreira

 

RESUMO

Este artigo pretende traçar uma ponte entre Georg Simmel, Max Weber e Sérgio Buarque de Holanda, por meio da interlocução entre os tipos sociais ambíguos (de Simmel), os tipos ideais (de Weber) e os pares antagônicos (de Holanda). Buscando a essência dos argumentos apresentados pelo autor de “Raízes do Brasil” em sua busca de uma compreensão da sociedade brasileira.

Palavras-chaves: Sérgio Buarque, Georg Simmel, Max Weber, Sociedade brasileira.

ROOTS OF BRAZIL: AN INTERLOCUTION AMONG SIMMEL, WEBER AND SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

ABSTRACT

This article intends to trace a bridge between Georg Simmel, Max Weber and Sergio Buarque de Holanda, through the interlocution among the ambiguous social types (by Simmel), the ideal types (by Weber), and the antagonistic pairs (by Holanda). Searching the essence of the arguments presented by the author of “Roots of Brazil” in its search of understanding  the Brazilian society.

Key words: Sergio Buarque, Georg Simmel, Max Weber, Brazilian society

 

Sérgio Buarque (Fonte: http://www.unicamp.br/siarq/sbh/exposicao/facetas ).htmlINTRODUÇÃO

Uma das preocupações centrais deste artigo é procurar percorrer o caminho trilhado por Sérgio Buarque para a construção de uma interpretação da sociedade brasileira. Inspirada nessa perspectiva, penso que uma melhor forma para se analisar Raízes do Brasil seja através da compreensão do que o autor entende por sociedade brasileira, compreensão essa construída por meio do significado dos pares antagônicos.

A questão que enfoco neste trabalho é: O que significa falar em pares antagônicos em Raízes do Brasil? O termo antagonismo, na obra, remete-nos à história de nossos colonizadores, mas não se restringe a ela, porque nossas raízes teriam sido formadas pela diversidade das culturas inseridas neste processo. O autor não trata os pares antagônicos de maneira descritiva, mas de forma dinâmica de modo a interagir no processo histórico. Nossa realidade é assim refletida a partir da pluralidade dessas culturas, nas quais portugueses, africanos, espanhóis e índios assumem uma relação dialética. Desta forma, Holanda busca identificar na história brasileira os traços característicos de uma identidade própria. Segundo o autor, a pluralidade das culturas inseridas neste espaço desenvolveu uma cultura única a partir da própria história do Brasil. Portanto, nesta obra publicada em 1936, Sérgio Buarque procura “analisar e compreender o Brasil e os brasileiros” (CANDIDO, 1996, p.9).

Esses pares dicotômicos (trabalho e aventura, método e capricho, rural e urbano, norma impessoal e impulso afetivo, burocracia e caudilhismo) estruturados por Holanda são fundamentais para que se possa entender toda extensão de sua obra. Trabalho e aventura constituem uma tipologia básica do livro (CANDIDO,1998).

Contudo, é de grande relevância ressaltar, como afirma o próprio autor de Raízes, em estado puro, “esses tipos não têm real existência, restringem-se apenas ao quadro das idéias”. Cada um desses tipos tem sua ética própria e “nos ajudam a melhor ordenar nosso conhecimento dos homens e dos conjuntos sociais” (HOLANDA, 1998, p. 45). Assim, assume grande importância no estudo da formação e “evolução” das sociedades. Fica claro, nesse momento, a influência direta de Max Weber no trabalho buarquiano, principalmente, no que diz respeito à análise da realidade a partir da construção dos “tipos ideais”.

Max WeberWEBER E HOLANDA

Na condição de jornalista do “O Jornal”, Sérgio Buarque viajou para Berlim em 1929 para fazer algumas reportagens sobre a Alemanha, Rússia e Polônia. O tempo que o autor passou na Alemanha foi extremamente importante para a composição da obra que ele publicou em 1936. Foi neste período que Sérgio Buarque teve contato com as obras de Max Weber e de Georg Simmel.

Segundo indicações de Antonio Candido de Mello e Souza, o tempo de um ano e meio que Sérgio Buarque permaneceu na Alemanha ele dedicou especial atenção às obras de Weber e Simmel e conheceu também Meinecke, Sombart, Tönnies, e os historiadores da Arte como Rilke, Stefan Georg, dentre outros (CANDIDO, 1982, pp 4-9) Essas leituras refletem-se em Raízes do Brasil. A respeito deste fato, o próprio Sérgio Buarque fala da experiência que viveu entre 1929 e 1930:

O contato de terras, gentes costumes em tudo diferentes do que até então conhecia, pareceu favorável à revisão de idéias velhas e a busca de novos conhecimentos que me ajudassem, a abandoná-las ou depurá-las (...) Foi só depois de conhecer as obras de críticos ligados  ao “círculo” de Stefan George, especialmente de um deles, Ernst Kantorowicz, que através de Sombart pude afinal descobrir Max Weber.[1]

Deste modo, o objetivo deste artigo é mostrar o peso da influência dos “tipos ideais” de Weber e os “tipos sociais ambíguos” de Simmel na mais famosa obra de Sérgio Buarque de Holanda. Assim, o primeiro passo é analisar as obras Ensaios de Sociologia e Economia e Sociedade de Max Weber, bem como perceber suas preocupações políticas e suas orientações intelectuais.

De acordo com a introdução feita por Wright Mills, em 1946, ao livro Ensaios de Sociologia, toda produção de Weber é permeada por suas inquietações políticas: “Weber erudito sempre escreveu do ponto de vista do político ativo” (MILLS: 1946, p47).

No início do século XX, a Alemanha estava passando por um período de isolamento político em razão da não renovação do Tratado de Bismarck com a Rússia e a aliança não concretizada com a Grã-Bretanha. Neste contexto, havia também a grande preocupação do industrialismo ocidental e do agrarismo Junker, em relação à agitação dos sociais democratas. Para Weber, a origem dessas tensões era fruto da “estrutura política alemã que impedia a seleção eficiente de líderes políticos responsáveis” (MILLS: 1946 p.53).

Segundo Wright Mills, Weber acreditava que a “democracia constitucional era a única solução para os problemas internos e externos da Alemanha”. Para Mills o período em que Weber viveu, a situação intelectual alemã desestimulava o desenvolvimento da Sociologia acadêmica. A historiografia estava “dominada principalmente pelas tradições de Hegel e Ranke e o pensamento conservador era extremamente forte dificultando qualquer desenvolvimento nas ciências sociais” (MILLS, 1982, p.6).

Ainda de acordo com Mills, a teorias conservadoras foram transformadas e integradas à obra weberiana, “como liberal lutando contra o pensamento conservador e o Marxista, Max Weber abriu-se a certas influências de cada um de seus adversários”.

Para Weber a Sociologia é uma ciência que busca compreender e interpretar a ação social, procurando compreender cientificamente a produção cultural da sociedade.

Acredito que essas considerações sejam importantes para que se possa mapear um pouco o pensamento weberiano e entender que Max Weber está dialogando com várias correntes de pensamento. Deste modo, pretendo investigar o peso deste trabalho em Raízes do Brasil, principalmente, no que se refere à discussão dos tipos ideais, expressão que permeia toda metodologia weberiana e que vai influenciar diretamente a construção dos pares antagônicos feita por Sérgio Buarque de Holanda.

Weber entende por tipo ideal algo que possa estar caracterizando ou formando grupos, por exemplo, a religião, a burocracia, a economia, enfim o capitalismo moderno. O conceito de tipo ideal não tem sentido avaliativo, pois não é um modo de julgar e sim uma construção que facilita uma análise histórica ou sociológica. Para Weber, os conceitos utilizados pela Sociologia e a História eram até então conceitos bastante controlados e limitados, afastados da realidade histórica.

Essa discussão é crucial para que se entenda a construção buarqueana dos pares antagônicos: trabalho e aventura, método e capricho, rural e urbano, norma impessoal e impulso afetivo e burocracia e caudilhismo. Lembramos, novamente, que esses tipos existem apenas no campo das idéias.

Devo ainda mencionar a influência metodológica. Weber adota o método comparativo, “captando as características comuns que os tipos apresentam (Costa). É por esse caminho que Weber elabora a teoria sobre as religiões mundiais e sobre a tipologia do capitalismo.

Sérgio Buarque também adota o método comparativo, é o que se pode perceber em toda a extensão de sua obra, a começar pelo capítulo I “Fronteiras da Europa”, em que o autor compara a colonização espanhola e a portuguesa acreditando que essas partiriam de um processo de unidade para desembocar na multiplicidade. Verifica-se que Sérgio Buarque mostra em seu livro as diferenças culturais não apenas entre Espanha e Portugal, mas de todos os povos e culturas inseridos em tal contexto.

Com base nessas preocupações, ele analisa a questão do personalismo tradicional que viria da “falta de coesão na vida social” e de instituições frouxas e incoerentes. Ao estudar o par dicotômico trabalho e aventura no capítulo II, Sérgio Buarque formula a tipologia que será a base de todo seu livro. O trabalhador é quem planeja racionalmente todas as atividades, antes de cumpri-las. Neste caso, o trabalhador seria o espanhol que valoriza todos os momentos e dificuldades a serem superadas com trabalho e esforço. Já o aventureiro, o português almeja primeiro o lucro e, de preferência, que isso não lhes custe muito esforço. Todavia, adverte Holanda que, ora esses tipos se afastam ora se completam, estão inseridos no mesmo contexto social, e tal comparação é permitida apenas no campo das idéias.

A seguir, Sérgio Buarque enfoca a questão do ruralismo como um elemento formador da sociedade brasileira. Uma sociedade escravocrata que entra em crise quando se dá conta da desagregação desse sistema. Tão logo, acentua-se o conflito entre a mentalidade rural e a urbana. Esta última ainda em formação.  Partindo desse pressuposto, Holanda constrói uma outra tipologia essencial da obra, aquela que distingue o rural e o urbano. Embora ainda pese o conflito, o autor considera que os intelectuais e políticos eram, senão o prolongamento dos pais fazendeiros que, em razão das mudanças sociais, acabaram opondo-se à tradição. Entretanto, a lei da fazenda continua por muito tempo predominando sobre a cidade.

No capítulo V, “O Semeador e o Ladrilhador”, Sérgio Buarque continua trabalhando com as diferenças entre o português e o espanhol. De acordo com Sérgio Buarque, o espanhol planejou as cidades de forma racional, é nesse sentido que Holanda fala do “triunfo da linha reta”. Assim, a colonização espanhola caracterizou-se, segundo o autor, pelo que faltou à portuguesa.

(...) pela aplicação insistente em assegurar o predomínio militar, econômico e político à metrópole sobre as terras conquistadas, mediante a criação de grandes núcleos de povoação estáveis e bem ordenados. Um zelo minucioso e previdente dirigiu a fundação das cidades espanholas na América (HOLANDA, 1998, p95).

Ao passo que o semeador, o português, em razão da política de feitoria, criou cidades irregulares, em geral, cidades litorâneas não planejadas. Tal desleixo se deu devido ao espírito aventureiro do povo português: o desejo de fazer fortuna rápida.

A rotina contra a razão abstrata foi o princípio que norteou os portugueses, nesta como em tantas outras expressões de sua atividade colonizadora. Preferiam agir por experiência sucessivas, nem sempre coordenadas umas as outras, a traçar de antemão, um plano para segui-lo até o fim. Raros os estabelecimentos fundados por eles no Brasil que não tenham mudado uma, duas ou mais vezes de sítios, e a presença da clássica vila velha ao lado de certos centros urbanos de origem colonial é persistente testemunho dessa atitude tateante e perdulária (HOLANDA, IDEM: p96).

No tocante ao homem cordial abordado no capítulo v, Sérgio Buarque estuda as características que segundo ele nos são próprias. Características formadas por todos esses elementos trabalhados nos capítulos anteriores. Devido à formação da sociedade estar enraizada na estrutura familiar, o Estado brasileiro vai assumir traços pessoais e afetivos. Aqui, o par dicotômico, norma impessoal e impulso afetivo, marca ainda com mais força a presença de Max Weber.

Sérgio Buarque utiliza os conceitos weberianos para analisar o Estado brasileiro e constatar que este não se enquadra no modelo estatal elaborado pelo sociólogo alemão. Segundo Weber, o Estado moderno caracteriza-se pelas relações impessoais nas quais predominam o coletivo sobre o particular, o público sobre o privado. Entende Weber que o Estado seja “um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio” (WEBER,1982,p.76).

No Brasil, costuma-se levar a organização estatal para a esfera da afetividade e para o círculo de amizades. Foi assim que as grandes famílias patriarcais comandaram a política e a economia do país. A administração estatal era uma extensão das grandes fazendas.

(...) é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvolveu em nossa sociedade (...). Onde os laços de sangue e de coração (...) forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição entre nós (HOLANDA, idem, p 146).

Outro fator importante a ser considerado são os conceitos weberianos de patrimonialismo e burocracia empregados por Holanda quando este trata das questões acima. Por meio da definição de Max Weber, entende Holanda que:

Para o funcionário patrimonial, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesse objetivos como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalece a especialização e o esforço para assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos (HOLANDA, idem:p147).

O par dicotômico: Burocracia e Caudilhismo é analisado por Holanda no último capítulo intitulado “Nossa Revolução”, mas alguns elementos que permeiam essa questão já estão inseridos no capítulo anterior quando o autor fala do bacharelismo como um fator que contribuiu para exaltar o personalismo individual. Sérgio Buarque fala também de um fascínio pelas profissões liberais em geral, principalmente a Medicina, a Engenharia e o Direito.

Dentro deste quadro, é fácil compreender o êxito que os positivistas alcançaram no país. Eles foram criadores de leis fora do contexto, ou melhor, foram importadores de leis e sistemas prontos e acabados, leis que não se ajustam a lugar algum, por isso, inaplicáveis.

Em “Nossa Revolução”, Holanda analisa a dissolução da estrutura patriarcal que se apresenta repleta de contradições, e estas atingem todos os níveis da vida social e política, econômica e cultural. Nesse processo de transição é que se pode perceber as permanências. A abolição marca não o fim em si da estrutura agrária, mas rompe com alguns elementos tradicionais. Representando a possibilidade de uma lenta revolução. Entende Holanda que: “A grande revolução brasileira não é fato que se registrasse em um instante preciso, é antes um processo demorado e que vem durando pelo menos há três quartos de século” (HOLANDA, idem, 150).

A passagem do rural ao urbano deveria assim iniciar um processo de “aniquilação da tradição ibérica para se tentar inaugurar um novo estilo de vida”.

Neste momento, a cultura da cana-de-açúcar sofreu um declínio. Todavia, o café passou a viver um período de grande transição. Por esse motivo é que os modelos políticos sobreviveram, antes ligados ao ruralismo e agora sem encontrar apoio na economia.

No entanto, Sérgio Buarque acredita numa ruptura dos domínios oligárquicos que seria possível através da nossa lenta e profunda revolução”. Segundo o autor, o que tentou se implantar no Brasil foi uma falsa democracia. Constata Holanda que os mecanismos políticos no Brasil nunca consideraram nossa realidade antagônica. No Brasil, as idéias, ainda que partam de posturas opostas, misturam-se umas as outras de acordo com as circunstâncias não faltam exemplos de ditadores que realizam atos de autoridades perfeitamente arbitrários e julgam sem embargo fazer obra democrática”.

Para Holanda, é preciso que se supere a dicotomia liberalismo caudilhismo. Deste modo, conclui o autor:

Há uma única economia possível e superior aos nossos cálculos para compor um todo perfeito, de partes tão antagônicas. O espírito não é força normativa, salvo onde pode servir à vida social e onde lhe corresponde. As formas superiores da sociedade devem ser como um contorno congênito a ela e dela inseparável: emergem continuamente das suas necessidades específicas e jamais das escolhas caprichosas (HOLANDA, idem, 188).

Já para Max Weber, o trabalho burocrático no Estado Moderno é caracterizado pelas relações impessoais, onde o mecanismo disciplinar oficial separa funções públicas da vida particular de cada funcionário. Fato este que se pode comprovar na própria fala do autor:

A burocratização oferece a possibilidade de colocar-se em prática o princípio de especialização de funções administrativas de acordo com considerações exclusivamente objetivas (...) O cumprimento objetivo das tarefas significa primordialmente, um cumprimento de tarefas segundo calculáveis e sem relação com pessoas (WEBER: 150).

Outro dado a ser considerado diz respeito à administração das vertentes democráticas que defendem “igualdade perante a lei, diminuem a autoridade, defendendo uma organização racional e objetiva, opondo-se aos laços pessoais do velho domínio patrimonial”. Desta forma, a “democracia de massa acaba com os privilégios feudais e patrimoniais”. O progresso da burocratização na própria administração estatal, de acordo com o autor, é “um fenômeno paralelo da democracia” (WEBER: p.261).

A organização burocrática assume assim uma forma racional, sendo dominada pelas regras objetivas da vida moderna. Devido à racionalidade, a estrutura burocrática acabou por minar com os domínios tradicionais. Para Max Weber, a burocracia e o patriarcalismo pertencem a dois mundos antagônicos, mas assemelham-se em um aspecto, ambas são estruturas permanentes:

Sobre esse aspecto, são ambas instituições de rotina diária. O poder patriarcal, especialmente tem raízes no atendimento das necessidades freqüentes e normais da vida cotidiana. A atividade patriarcal tem suas origens (...) nos ramos da economia que podem ser satisfeitos por meio de uma rotina normal (...) sobre esse aspecto a estrutura burocrática é apenas a contra imagem do patriarcalismo transportada para racionalidade (WEBER:p.283).

Como se vê na leitura dos trabalhos weberianos, percebe-se que os tipos ideais são construídos na cabeça do pesquisador. Tais tipos indicam alguns caminhos para que se compreenda a realidade histórica e sociológica. A construção dos tipos ideais representa a possibilidade de análise de situações observáveis. Assim, é preciso ver o possível para captar o real (Jaspers, 1977, p.122). Desta forma, o método comparativo constitui-se num dos elementos que auxiliam nesse processo de compreensão.

Por isso, é preciso construir uma tipologia aprendendo uma realidade que se dá na comparação de tipos diferenciados para chegar a uma representação mais próxima do real. Tão logo, o real é construído a partir das representações que alguém faz (COSTA).

A leitura desses trabalhos nos revela que Weber está interessado em compreender a dinâmica do capitalismo. Para tanto, faz um recorte pelo viés religioso (cap. XI da obra Ensaios de Sociologia intitulado: A Psicologia Social das Religiões Mundiais). Entende Weber que a ética econômica influencia e é influenciada pela esfera religiosa. No contexto onde impera a relação dos indivíduos, há um elemento irracional que é a religião onde podemos tirar alguns princípios para entendermos a dinâmica do capitalismo moderno. A forma moderna de racionalizar o mundo jogou a religião para a esfera da irracionalidade.

Com o trabalho de comparação entre as religiões (5 sistemas religiosos, Confucionismo, Hinduísmo, Budismo, Cristianismo e Islamismo) é possível entender como Weber consegue aplicar o conceito de tipos na interpretação Sociológica. Segundo o autor, só se deve comparar tipos diferentes. A partir desse processo de comparação e construção analítica é possível interpretar a realidade.

Weber trabalha a todo o momento com a dicotomia: tradicional versus moderno. Na qual o tradicional não é completamente superado pelo novo. Aliás, em Weber, o moderno é visto a partir de traços tradicionais. Em seus trabalhos, o autor mostra como um período carrega elementos do outro, os tipos puros carregam elementos de outros tipos. Desta forma, as religiões são entendidas como fruto do desenvolvimento histórico e que em determinado momento interagem e influenciam umas as outras (COSTA).

G. SimmelSIMMEL, WEBER E HOLANDA

Os autores O. Rammestedt e H. J. Dahme (1998) fazem algumas reflexões sobre os trabalhos de Emile Durkhein, Ferdinand Tönnies, Max Weber e Georg Simmel e constatam que esses pensadores fundamentam as discussões sociológicas desde a segunda década do século XX. 

Na tentativa de constituir-se em uma ciência a Sociologia acabou entrando numa crise teórica. É nesse sentido que os autores O. Rammestedt e H. J. Dahme falam desta crise enfrentada por essa disciplina como fruto do “pluralismo não consensual de teorias”, o que, segundo eles, resultou numa retomada aos clássicos da Sociologia como Durkhein, Tönnies, Weber e Simmel, autores que fundamentam-se na interdisciplinariedade. De acordo com Rammestedt e Dahme essa interdisciplinariedade foi abandonada pelos sociólogos atuais.

É a partir desses clássicos que a Sociologia começa a desenvolver uma conceituação sobre a ação social. Esses autores dão fundamentação à Sociologia moderna e preocupam-se em transformá-la numa disciplina acadêmica. Entretanto, a inserção de Simmel, nesse grupo de “pais fundadores” da Sociologia, só foi possível após a superação de algumas interpretações equivocadas sobre os escritos simmelianos.

Rammestedt e Dahne destacam a particularidade da contribuição de Simmel à Sociologia moderna. Simmel dedicou especial atenção à relação indivíduo/sociedade e concebe esta relação como fruto de um processo dinâmico caracterizado pelas ações e reações dos indivíduos. Neste momento, estudar as ações individuais implica em conceber a Sociologia como um conhecimento fragmentado, não sendo possível uma teoria global da sociedade. Partindo desse pressuposto, o estudo da sociedade foi substituído pelo estudo da ação. Isso acabou dividindo essa disciplina no final do século XIX e início do século XX.[2]

É a partir dessas importantes considerações que se pode inserir Georg Simmel neste trabalho, pois se é grande a influência de Max Weber sobre Sérgio Buarque de Holanda, Simmel também assume grande relevância em seu trabalho, muitas das discussões weberianas foram antecipadas por Simmel e a relação deste com Sérgio Buarque é bastante clara, principalmente, se mencionarmos novamente o período de um ano e meio que o autor brasileiro permaneceu na Alemanha, momento em que conheceu Simmel e suas concepções dos “tipos sociais ambíguos”. Desta maneira, o debate a respeito dos pares antagônicos, formadores da sociedade brasileira está fundamentado na teoria simeliana, tal como está em Max Weber.

Simmel, filho de judeus convertidos ao protestantismo, fez grandes contribuições ao pensamento social alemão. Suas obras foram traduzidas para diversas línguas, sendo bastante divulgadas na França e Estados Unidos, ao passo que, na Alemanha, Simmel permaneceu na marginalidade, principalmente na universidade de Berlim, onde tornou-se doutor em Filosofia em 1881 e passou a ministrar algumas aulas, mas nunca conseguiu uma cátedra (MORAIS FILHO, p.8).

Evaristo de Moraes Filho enfatiza que a universidade neste momento era essencialmente elitista e “concentrava as grandes cabeças da época”. O autor ressalta ainda que no final do século XIX e início do século XX, o mundo via nascer a Psicanálise, a teoria da relatividade, o Positivismo lógico, a fenomenologia e a música atonal[3].  Este foi um momento de intensa urbanização, de divisão social do trabalho e de desenvolvimento da economia monetária. Neste contexto Simmel também foi discriminado por ser judeu. A Universidade, assim como grande parte da Alemanha, era fortemente anti-semita. Contudo, os estudiosos de sua obra atribuem a autenticidade de seus trabalhos essencialmente a essa marginalidade. Devido a ela Simmel “foi autêntico em sua pesquisa sem precisar se moldar à instituição universitária, suas conferências abrangiam praticamente todos os aspectos da filosofia, desde a lógica e a teoria do conhecimento até a ética e a metafísica. Passou por temas de Estética, Psicologia, Sociologia, Filosofia da História e a religião” (p.11).

No que se refere às influências, Kant tem um grande peso na obra simmeliana. Isso é o que percebemos desde a tese de doutoramento que Simmel defendeu em 1881, a qual abordava a “natureza da matéria segundo a monadologia de Kant’’. É nesse sentido que Morais Filho destaca que o “dualismo, forma e matéria, nunca o abandonará e estará presente em todos os seus escritos de moral, de filosofia, de história, de estética”(p.14).

No entanto, esta não foi a única influência. Como observou-se anteriormente, na fala de Morais Filho, Simmel pisou nos campos da Psicologia, História e, evidentemente, da Sociologia. Influenciou-se também pelas teorias liberais, darwinistas e progressistas. Teorias que fundamentam suas pesquisas. O autor, não acredita em verdades absolutas, para ele o conhecimento é construído a partir de diversas interpretações da realidade.

Morais Filho fala de uma continuidade do pensamento simmeliano no que se refere  à teoria sociológica. Deste modo, as idéias iniciais e os procedimentos metodológicos de Georg Simmel permeiam toda a sua produção, fato que pode ser constatado na obra “Soziologie” (1908). Este livro concentra vários textos produzidos por Simmel de forma fragmentada, porém, em razão de suas idéias apresentarem uma continuidade, é possível compreender o livro dentro de uma mesma linha de pensamento (MORAIS FILHO, p.9).

Simmel concebe a Sociologia enquanto uma ciência delimitada com um objeto que lhe é próprio. Entende ele que “a sociedade não é algo estático, acabado, e sim, algo que acontece e que está acontecendo”. O objeto da Sociologia são esses processos sociais num constante fazer-refazer e assim incessantemente[4].

Simmel foi amigo de grandes intelectuais dentre eles Max Weber, Tönnies, Sombart, Stefan Georg, Heinrch, Rickert, Edmund Husserl, Adolf Von Harnack e o escultor August Rodin, entre outros. Juntamente com Weber e Tönnies fundou um grupo de estudos sociológicos, a Sociedade Alemã de Sociologia. Aliás, essas associações eram de fato bastante comum numa sociedade tão fragmentada como a alemã, neste momento. Não eram apenas intelectuais que se reuniam em associações. Havia uma diversidade de grupos religiosos, de feministas, de homossexuais, comunistas, entre outros.[5]

De acordo com os estudos da professora Simone Pereira da Costa:

Essa fase de profunda diversidade associativista teria imputado a seguinte pergunta aos intelectuais alemães: O que leva as pessoas a se associarem independentemente delas manterem um vínculo consangüíneo, de amizade ou de parentesco? O que conduz as pessoas a comporem grupos? (p.295).

A resposta a essas perguntas está relacionada à questão da delimitação do objeto da Sociologia. Delimitar tal objeto, também implica em se saber se a construção do conhecimento sobre a realidade histórico-social pode assumir caráter científico.

Simmel acredita na possibilidade de cientificidade do conhecimento sobre o mundo, mas adverte que isso só pode ocorrer quando se pretende conhecer pelo fragmento. Não há possibilidade de um conhecimento total. É por esse motivo que Simmel não acredita em verdades absolutas, mas acredita em diferentes abordagens e interpretações do real.

A partir desse ponto de vista é que Simmel vai analisar o papel do indivíduo em sociedade. Para o autor, a sociedade só existe quando for resultado das ações e reações dos indivíduos. É um processo de interação que implica em reciprocidade. Desta forma, Simmel parte do indivíduo para entender o coletivo. A organização da sociedade é um processo contínuo de troca e que pode promover mudanças sociais. Segundo Simmel, nesse processo de interação, os indivíduos vão incorporando elementos sociais.

De acordo com o autor, interação seria as trocas cotidianas entre indivíduos que levam à construção de uma unidade que Simmel chama de sociação. Aliás, segundo ele a sociação:

Só começa existir quando a coexistência isolada dos indivíduos adota formas determinadas de cooperação e de colaboração que caem sobre o conceito geral da interação. A sociação é assim, a forma realizada de diversas maneiras, na qual os indivíduos constituem uma unidade dentro da qual se realizam seus interessem. E na base destes interesses tangíveis ou ideais, momentâneos ou duradouros, conscientes ou inconscientes, impulsionados casualmente ou induzidos teologicamente, que os indivíduos constituem tais unidades (260).

Simmel acredita que o domínio da Sociologia está nas formas de sociação, ou seja, nos modos de interação entre os indivíduos e não nos conteúdos dessa interação. Para Simmel o objeto da Sociologia são as formas puras e não os conteúdos. No texto “O Problema da Sociologia”, Simmel salienta que os tipos puros não fazem parte da realidade concreta, são apenas exercícios metodológicos, o que o autor chama de “um olhar treinado do pesquisador.” É este olhar específico que pode separar a forma de seu conteúdo. Deste modo, para Simmel a depuração do fenômeno social se dá através de procedimentos intuitivos.

De acordo com Simmel, conteúdo é tudo aquilo que existe no indivíduo e pode gerar ação de uma pessoa sobre a outra, ou sobre as outras. Por exemplo: os instintos, os interesses, as inclinações, as motivações, os desejos. Esses conteúdos isolados não formam a sociação, mas apenas quando estes geram a interação entre indivíduos. Assim, forma e conteúdo fazem parte do procedimento metodológico, ao passo que as formas puras são instrumentos de análise da Sociologia.

Partindo desse pressuposto, Simmel entende que a formação da sociedade se dá através da ação dos homens, não de ações distintas, mas de conteúdos com formas recíprocas, quando uns agem sobre os outros. Assim sendo, a sociedade é constituída quando se unem forma e conteúdo. O autor acredita que deve existir uma ciência que estude a interação entre os homens, bem como as formas de sociação:

Separar por abstração científica estes dois elementos, forma e conteúdo, que são inseparavelmente unidos sistematizar e submeter a ponto de vista, metódico, unitário, as formas de interação e sociação, mentalmente desligadas dos conteúdos, que só pelo meio delas se fazem sociais, me parece a única possibilidade de fundar uma ciência especial da sociedade como tal. Somente tal ciência pode realmente projetar os fatos designados sobre o nome de realidade socialmente histórica no plano puramente social (Simmel, 1983: p.261).

De acordo com a sociologia simmeliana, são os pequenos passos, que vão aos poucos criar “a conexão da unidade histórica”. É nesse sentido que Simmel compara as Ciências Sociais e a História com as Ciências Biológicas. Com o auxílio do microscópio, a Biologia pode analisar os menores órgãos, as menores células, bem como o processo de interação entre os mesmos e como esses órgãos vão criando, conservando e modificando suas formas. Esse procedimento metodológico de analisar os pequenos organismos, agora sociais e não orgânicos, pode ser utilizado pela Sociologia que é uma Ciência que deve buscar compreender os processos que se repetem e se combinam e que, ao se combinarem formam a sociedade.

A partir desse ponto de vista, Simmel defende que a Sociologia deve trabalhar com o auxílio da Psicologia Social, pois acredita que a sociação seja um fenômeno psico-social e estes “tem seu lugar na alma”. Para o autor, toda “a história, toda descrição de uma situação social, é um exercício de conhecimento psicológico” (SIMMEL: 1943 p. 74). Porém, adverte Simmel que, apesar da Psicologia auxiliar na descrição dos fatos sociais, o trabalho sociológico deve consistir essencialmente “na realidade objetiva da sociação”.

Ao estudar a unidade social, Simmel trabalha com o conceito de conflito, pois entende que é o conflito que garante a unidade do grupo. Aliás, o conflito é necessário para que a sociedade consiga se manter. O conflito é um meio de resolver as divergências e promover as mudanças. Essas mudanças são possíveis porque os elementos negativos e positivos, que geraram o conflito, se interagem e interagindo levam lentamente a reformas na sociedade. Portanto, acredita Simmel que é o conflito que garante a manutenção da unidade social. De acordo com as considerações simmelianas o antagonismo é um importante elemento de sociação, mas Simmel faz ressalvas de que “as relações de conflito, por si mesmas não produzem uma estrutura social, mas somente em cooperação com forças unificadas. Só as duas juntas (forças homogêneas e heterogêneas)[6] constituem o grupo como uma unidade viva e concreta” (p.128).

Para o sociólogo alemão, em muitos casos, o conflito pode levar a unificação do grupo. Simmel trabalha com muitos exemplos históricos de conflitos, como é o caso dos ataques dos hereges à Igreja Católica que levaram a uma reforma da estrutura interna da mesma. A mudança foi gerada pela oposição, pelas críticas, pelo comportamento violento dos grupos heréticos em relação ao Catolicismo que, por sua vez, teve que ser reformulado para garantir a manutenção de sua unidade. Um segundo exemplo trabalhado por Simmel diz respeito à construção de unidade de grupos na França promovida pelo conflito com os ingleses, ou quando os espanhóis construíram a imagem de povo durante a guerra com os mouros.

Para Simmel a sociedade só existe através das formas de sociação e como se viu o conflito é uma delas. Outra condição de forma pura é o processo de dominação-subordinação. Segundo o autor, o domínio ou a vontade de dominar são formas de interação. Simmel acredita que:

(...) o desejo de dominação existe quando existe algum interesse pela outra pessoa que, por isso constitui um valor. Só quando o egoísmo não se importa nem mesmo com o desejo de dominação, só quando outro é absolutamente indiferente e um simples meio para finalidades que estão além dele é que foi eliminada a última sombra de qualquer processo de sociação (p.108).

Ao tratar da forma de dominação/subordinação, Simmel trabalha com o conceito de autoridade distinguindo da forma de prestígio[7]. De acordo com Simmel, o domínio por meio do prestígio ocorre de forma incondicional, ao passo que na autoridade existe um espaço para a crítica, porém ressalta que os subordinados ficam indefesos em relação à autoridade. No que se refere ao prestígio, Simmel fala de uma certa “consciência de espontaneidade”. Como pode se perceber, também neste ponto, Simmel antecede as concepções weberianas no que diz respeito ao tipo de dominação.

Simmel entende que o pesquisador, ao analisar um grupo social (uma comunidade), não consegue fugir do conflito, pois é ele quem garante a unidade do todo. Neste momento, Simmel chega a um novo questionamento: Como garantir a objetividade na produção do conhecimento sociológico?

A questão da objetividade é garantida através dos recursos metodológicos, já discutidos neste trabalho, e pela postura do pesquisador que deve tomar uma certa distância do objeto a ser analisado. Para Simmel, o estrangeiro é aquele que em determinado momento tem a capacidade de afastar-se do objeto para melhor compreendê-lo. O estrangeiro por não ter nascido no grupo, tem a possibilidade de introduzir novos elementos ao mesmo (COSTA: p.299).

Outra questão importante para compreendermos a obra de Simmel diz respeito ao conhecimento. Conhecimento de uma pessoa em relação à outra “saber que o outro existe é o primeiro passo para haver interação”, é o que Simone Pereira da Costa destaca em seus estudos sobre Georg Simmel:

(...) é preciso existir conhecimento para existir interação social. O conhecimento está em sua totalidade baseada na confiança de que não somos enganados. Logo, o conhecimento, como construtivo de relações sociais é sempre um conhecimento precário e também um não conhecimento. Para Simmel não é somente lógico, há toda uma gama de sentimentos e de sensações de coisas não lógicas e imprevisíveis que estão presentes quando um sujeito conhece o outro (p.300).

Para Simmel os homens vão se conhecendo e se relacionando. Através dos interesses, dos impulsos, e sentimentos em comum vão criando formas econômicas, religiosas, culturais, artísticas. Tais formas têm conteúdos específicos que as caracterizam. Segundo o autor, é a forma que gera a unidade, forma esta que pode se cristalizar e novamente agir sobre as pessoas como é o caso do Estado, da Igreja, da família:

Todos esses grandes sistemas e organizações supra- individuais que habitualmente nos vem ao espírito quando pensamos em sociedades, nada mais são que cristalizações sob a forma de quadros permanentes e de formações independentes, de interações diretas entre os indivíduos de forma permanente a todo o instante, pôr toda a vida. Com isso certamente eles adquirem existência autônoma e leis próprias com as quais também podem confrontar-se e opor-se a essas vitalidades mutuamente determinantes (p.143).

Nas análises simmelianas o indivíduo assume o papel fundamental. É a partir dele  que se pode construir o conhecimento. As organizações coletivas são tratadas por razões metodológicas. O conhecimento sobre o mundo só pode ser construído quando o pesquisador trabalha com formas puras, mesmo que estas possam se afastar da realidade concreta, auxiliam na interpretação sociológica.

Como foi possível verificar, há muitas semelhanças entre Georg Simmel e Max Weber. Leva-se em consideração que a produção de Simmel é anterior à produção weberiana e ainda que esses autores foram amigos e juntos participaram do grupo Sociedade Alemã de Sociologia. É possível averiguar que muitos dos conceitos usados por Weber foram herdados de Simmel. Todavia, em Weber esses conceitos assumem algumas especificidades, como é o caso da concepção weberiana de ação social que se assemelha um pouco com o que Simmel chama de interação social, mas Weber não condiciona a ação a uma reação (COSTA: p. 300).

De acordo com Tenbruck[8], Max Weber sofre diversas influências teóricas como os nomes de Windebland e Rickert. Porém, no que diz respeito ao modo de depuração das formas para se construir tipos ideais, a referência direta é Georg Simmel. Fato que se justifica também pelo método de abstração com que Simmel analisa o processo de interação entre os indivíduos. Esse procedimento metodológico, com que Simmel estuda a sociedade, é partilhado por Max Weber ao construir sua teoria dos “tipos ideais”, isolando as formas de seus conteúdos para definir os tipos sociais

Segundo Gabriel Cohn (1958,p.48), na teoria simmeliana “a passagem da idéia de forma para a de tipo não é completamente realizada”. Para Cohn, isso ocorre porque Simmel coloca-se entre os caminhos empírico e idealista. Portanto, Simmel dedica-se com bastante entusiasmo aos problemas metodológicos da Sociologia. Para Cohn, Weber também partilha desta posição, Todavia, o autor destaca que há um ponto que distingue Weber de Simmel no que se refere à metodologia. Para Weber, o modo como Simmel trabalha com a análise da forma faz com que a prática tipológica mergulhe numa série de vícios, pois o pesquisador, primeiramente identifica cada forma expressa na realidade concreta e, só então, inicia o processo de depuração da mesma.

Gabriel Cohn, ao estudar os fundamentos da Sociologia de Max Weber, salienta que não é possível estudar Weber sem estudar Simmel e destaca quatro momentos importantes da teoria simmeliana que, segundo Cohn, antecipam as concepções de Weber.

O primeiro deles relaciona-se à fragmentação do conhecimento histórico-social. O segundo diz respeito ao modo de abstração que deve compor a análise dos fenômenos sociais, os tipos são resultados da forma de depuração. O terceiro ponto que une Weber a Simmel está relacionado à postura do cientista diante de seu trabalho. Para analisar a sociedade, é preciso que haja um distanciamento do pesquisador em relação ao seu objeto. Para comprovar esta afirmação Cohn cita Simmel textualmente quando este enfatiza que “não é preciso ser César para compreender César”.

Ao mencionar um quarto ponto de ligação entre Simmel e Weber, Conh aborda a questão da unilateralidade do conhecimento sobre a realidade, ou seja, Simmel acredita que é possível se fazer várias interpretações do real. Entretanto, Cohn destaca algumas diferenças entre os dois pesquisadores, acreditando que a principal delas esteja na “insistência de Simmel em construir sua análise em termos da distinção entre formas e conteúdos e essa noção de caráter irracionalista que é a vida concebida como fluxo dos eventos”. Cohn afirma também que sistematizar a questão metodológica não é preocupação central na obra de Simmel, tal como é em Weber. Cohn acredita que:

(...) Weber dedica muito mais atenção que Simmel às questões relacionadas com o constitutivo do tipo. É como se no confronto entre ambos Simmel se distinguisse como o mais complexo e matizado nas análises concretas, ao passo que Weber levasse vantagem na sofisticação do tratamento de questões metodológicas (p.149).

Contudo, acredito que a influência mais marcante da obra de Simmel sobre o trabalho sergiano está ligada ao procedimento metodológico, Sérgio Buarque constrói a tipologia dos pares antagônicos com fundamentação tanto na teoria weberiana como na simmeliana.

No artigo “Elias, Weber e a singularidade Cultural Brasileira”, Jessé Souza (1999) enfatiza que a questão da disciplina é um tema central em Max Weber, pois esse autor acredita que a disciplinarização constitui-se numa parte fundamental do processo de racionalização da sociedade ocidental. Souza também menciona a preocupação de Weber em comparar as culturas, acreditando que a cultura ocidental seja apenas uma cultura dentre outras.

Ao tratar da racionalização das culturas enfatizando o papel das religiões, em especial do protestantismo, na formação da sociedade moderna, Weber pretende investigar alguns elementos da formação do capitalismo como um dos fundamentos dinâmicos da cultura ocidental.

Jessé Souza acaba discutindo o peso desta concepção nos estudos sobre a sociedade brasileira. Souza acredita que parte do pensamento social brasileiro conceba a democracia e o capitalismo competitivo a partir de uma relação com o puritanismo, assim como fez Max Weber. Dentre esses pensadores brasileiros, Souza insere Sérgio Buarque de Holanda ao discutir o homem cordial “como tipo de personalidade mais singular de uma sociedade como a brasileira que remete como contraponto necessário ao protestantismo ascético weberiano”.

Jessé Souza assemelha o homem cordial de Holanda ao confuciano de Weber que é o oposto do protestante acético. No entanto, Souza entende que o homem cordial buarquiano seja expressão pura da negatividade. Penso que este ponto deva ser relativizado um pouco, pois entendo que a cordialidade significa um tipo característico da sociedade brasileira tal como ela é concebida na obra.

Assim, como os tipos ideais de Weber e os tipos sociais ambíguos de Simmel não fazem parte de um julgamento. Esse tipo específico, construído por Holanda, também não constitui, a meu ver, um modo de avaliação, mas é um recurso metodológico utilizado pelo autor na busca de uma compreensão da nossa sociedade. O próprio autor de Raízes do Brasil adverte em notas que: “pela expressão cordialidade, se eliminam aqui, deliberadamente, os juízos éticos e as intenções apologéticas (HOLANDA: 1998, p. 205).

Tal como Simmel e Weber, Sérgio Buarque também interpreta os valores culturais por meio das ações dos indivíduos. É deste modo que Holanda analisa a ética do aventureiro, onde é um valor cultural que vai dar sentido e mesmo orientar a ação colonizadora.

Tanto em Simmel quanto em Weber o conhecimento é sempre parcial. O cientista pode formular hipóteses e não construir verdades absolutas. A construção do “tipo ideal” assume caráter transitório, pois, de acordo com Weber, as disciplinas históricas estão sempre formulando novas hipóteses e abrindo espaço para se debater questões que giram em torno da cultura e do social. Além disso, criam sempre novas problemáticas renovando assim o conhecimento sobre a realidade concreta.

O que se pretendeu fazer neste artigo foi discutir a possibilidade de uma outra leitura da obra, centrada na discussão de dois clássicos da sociologia alemã. Ainda que pesem as influências dos pesquisadores alemães sobre Holanda, o autor não transporta teorias sociológicas prontas e acabadas para pensar a realidade brasileira, mas parte de alguns elementos teóricos (e aí a influência tanto weberiana quanto simeliana), para compreender formação social do país de um modo bastante peculiar.

Diante do exposto, fica evidente a possibilidade de interlocução entre Max Weber, Georg Simmel e Sérgio Buarque de Holanda o que permite uma compreensão dos argumentos expostos pelo autor de Raízes do Brasil na construção de uma interpretação da sociedade brasileira.

[1] Na apresentação da obra “Tentativas de Mitologia”, Sérgio Buarque fala do período que passou na Alemanha, dos autores que conheceu, bem como das leituras que o levaram a Max Weber. HOLANDA, Sérgio Buarque. “Tentativas de Mitologia.” São Paulo: Perspectiva, 1979.

[2] Os Autores HAM MESTEDT e DAHME, citando idéias desenvolvidas por Talcot Parsons. In: “A Study in Social Theory with Specil, Reference to a Group of Recent.”

[3] Evaristo de MORAES FILHO, recordando a fala de Ronald Levini.

[4] MORAIS FILHO parafraseando SIMMEL

[5] Conclusões de Barbara Freitag ao estudar a paisagem urbana de Berlim no final do século XIX e parte do XX. No artigo “Berlim Fronteiras Imaginárias, Fronteiras Reais Tempo Social.” São Paulo: n 1 –  2 Vol. 6, p. 127 – 145. Apud. COSTA, Simone Pereira da. 132.

[6] Grifo meu

[7] SIMMEL adverte em notas que não está pretendendo definir o conceito de prestigio. Sua intenção é analisar algumas formas de interações humanas, p.109.

[8] TENBRUCK, Friedrick: 1958. Gabriel Cohn analisa os trabalhos de Tenbruck sobre Geoge Simmel no texto. Simmel e a Depuração das Formas. In: Critica a Resignação: Fundamentos da Sociologia de Mas Weber. São Paulo.

 

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Última atualização: 03 dezembro, 2004.