Sobre
a Guerra do Paraguai
Dálcio
Aurélio Milanesi
Resumo
Este artigo tem por meta
principal identificar as causas da Guerra do Paraguai – grande
conflito ocorrido na segunda metade da década de 1860 entre este
país e a Tríplice Aliança. O tema é da maior relevância, pois
está diretamente relacionado às razões do subdesenvolvimento da
América Latina. O texto também apresenta uma análise crítica
da abordagem do assunto presente nos livros didáticos
brasileiros. O corpus é, portanto, composto quase exclusivamente por textos
extraídos de livros didáticos brasileiros de história do Brasil
de 6ª série e de ensino médio.
Palavras-chaves: Guerra do Paraguai; Tríplice Aliança;
Livros Didáticos.
Abstract
This
article intends to find the causes of the Paraguayan War – a
great conflict between this country and the Triple Alliance.
This issue is very important because it relates to the
Latin America’s underdevelopment reasons. The work also analyses,
critically, Brazilian textbooks that deal with this subject.
Key-words: Paraguayan War; Triple Alliance; Textbooks.
|
1.
Introdução
A
Guerra do Paraguai, a mais longa e devastadora da história da América do
Sul, resultou no aniquilamento do Paraguai, o mais desenvolvido país de
toda a América Latina até o início do confronto. Os combates se
realizaram na segunda metade da década de 1860 e envolveram as forças
armadas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai.
Antes
do conflito, desde o início da re-ocupação do território conhecido
hoje como América do Sul, a área da Bacia do rio da Prata – formada
pela Argentina, pelo Uruguai e pelo Paraguai, e banhada por rios consideráveis
como o Paraná, o Paraguai e o Uruguai – foi sempre muito disputada. No
século XIX, a navegação marítima e fluvial predominava sobre os demais
meios de transporte. “Com a implantação da navegação a vapor, a região
se tornava cada vez mais importante, intensificando-se o movimento
comercial nos rios Paraná, Paraguai, Uruguai e no estuário do Prata.”
(CARMO, 1989, p. 45). Daí a importância da Bacia Platina: dela dependia
o comércio da Argentina, do Uruguai, do Rio Grande do Sul, de Santa
Catarina, do Paraná e, principalmente, do Paraguai e do Mato Grosso, que
não dispunham de outro meio para alcançar o oceano. Segundo o
historiador Pedro Bastos (1983, p. 154), ela também escoava a prata extraída
do Peru e da Bolívia.
2.
O Modelo Econômico e Social Paraguaio
O
primeiro governante do Paraguai foi Gaspar Rodríguez de Francia
(1776-1840). Ele governou de 1814 a 1840. Francia tentou estabelecer a
livre navegação no Prata, mas os comerciantes dos portos de Buenos Aires
e Montevidéu insistiam em cobrar pesadas taxas. Nesta época, A Argentina
se recusava a reconhecer a independência do Paraguai. Os poderosos
comerciantes do porto de Buenos Aires - o principal da bacia - desejavam
reunificar toda a região platina.
Isto posto, restou à república guarani trilhar uma política de
desenvolvimento auto-sustentado – ao contrário dos demais países da
região – na qual o Estado controlava a economia de tal modo que a
estrutura sócio-econômica se voltava para os interesses da população e
a independência do país. Tal estrutura era livre de burocratas e cortesãos.
Para Denise Pereira, “(...) a solução foi uma resposta à ameaça
portenha contra a independência paraguaia, e não se deve concluir que o
modelo de desenvolvimento econômico foi livre opção de ditadores afeiçoados
ao povo”. (PEREIRA, 1987, p. 222).
Francia
considerava os grandes proprietários e comerciantes como categorias
perigosas, pois eram aliados em potencial de Buenos Aires. Durante sua
gestão, o Estado atacou os privilégios dos ricos, as oligarquias de seu
país. Ele confiscou as “(...) terras cujo direito de posse as classes
proprietárias não puderam comprovar”. (DANTAS, 1989, p. 157). A Igreja
Católica foi nacionalizada com o confisco de seus bens e propriedades.
Realizou-se a primeira grande reforma agrária da América do Sul: metade
das terras foi arrendada a camponeses e indígenas, os quais receberam
implementos agrícolas, sementes e cabeças de gado. Havia muitas fazendas
sob o controle do Estado.
“Em
1840, o Paraguai praticamente não possuía analfabetos. Seu
desenvolvimento agrícola permitia-lhe produzir tudo quanto sua população
necessitava e sua atividade industrial era capaz de produzir ferramentas,
armas e outros utensílios”. (LUCCI, 1985, p. 36-37). Diante disso,
conclui um autor
que havia pouca pobreza no país.
O
sucessor de Gaspar Rodríguez de Francia, Carlos Antonio López, que
permaneceu no poder até 1862, contratou técnicos e enviou centenas de
estudantes para o exterior com o objetivo de modernizar a economia. O país
atingiu esta meta, a indústria paraguaia tornou-se a mais avançada da América
do Sul. Foram instaladas ferrovias, estaleiros, indústrias bélicas,
metalúrgicas, têxteis, de calçados, de louças, de materiais de construção,
de instrumentos agrícolas, de tintas e de papel, além do telégrafo e da
grande Fundição de Ibicuí.
A
nação mais desenvolvida da América do Sul protegia a produção local.
Assim, a balança comercial era sempre favorável e a moeda era forte e
estável. Claudius Ceccon (1986) afirma que as exportações paraguaias
valiam duas vezes mais que as importações. Para Eduardo Galeano, a
intervenção do Estado na economia era quase total, pois “(...) noventa
e oito por cento do território paraguaio era de propriedade pública”.
(GALEANO, 1985, p. 207).
O
Paraguai havia conseguido eliminar a oligarquia, a escravidão, a violência,
a miséria e o analfabetismo. Era o único país sul-americano que tinha
uma indústria de base. “O único que não tinha dívida externa ou
interna. O único praticamente sem analfabetos”. (CHIAVENATO, 1998, p.
33). A economia crescia sem a interferência de empréstimos estrangeiros.
O desenvolvimento econômico autônomo e sustentado do Paraguai era uma
exceção na América Latina, uma vez que os demais países recorriam freqüentemente
aos banqueiros estrangeiros, notadamente aos ingleses. Enquanto os países
aliados, contra os quais ele lutaria na guerra que estava por vir,
“(...) tinham suas economias voltadas para o mercado externo, a economia
paraguaia voltava-se muito mais para o atendimento das necessidades
internas”. (NADAI, 1985, p. 76).
O
historiador Júlio José Chiavenato (1998) aponta um problema não
superado pelos governantes paraguaios: a inexistência de uma
intelectualidade capaz de apreender a natureza do confronto com o capital
inglês. Como também não havia uma classe dirigente vinculada aos
interesses da nação, a interpretação da conjuntura política
internacional teria ficado comprometida, uma vez que os presidentes
ficariam praticamente “solitários” à frente do governo. Esta tese,
de acordo com nossa “leitura”, é questionável. Seria possível que
poucos indivíduos permanecessem “solitários” no comando de um país
por cerca de meio século, apoiados apenas pelas massas (não
intelectualizadas e afastadas da participação política)?
3.
As Forças Armadas
De
acordo com Borges Hermida (1986); Boni e Belluci (s/d); e Elian Alabi
Lucci (1987), Carlos López aumentou consideravelmente o poder militar de
seu país. Ele sabia que a Argentina ambicionava reconstruir o antigo
vice-reino do Prata, o que pressupunha a re-anexação da nação guarani.
Ao final de seu governo, de acordo com Raymundo Campos (1983), o exército
paraguaio era o melhor da América Latina. Seu sucessor, Solano López,
deu continuidade a esse trabalho de organização e fortalecimento
militar.
3.1
Discordâncias
Pretendemos,
neste capítulo, apresentar um levantamento das informações, presentes
nos livros por nós analisados, a respeito dos efetivos militares à
disposição dos países diretamente envolvidos na guerra da Tríplice
Aliança
em 1864, às vésperas do conflito. Estes “dados” estão listados na
tabela da página seguinte, na qual não estão arroladas as populações
das forças armadas da Argentina e do Uruguai devido à escassez destes
subsídios em nosso corpus.
Chiavenato
acredita que o exército do Paraguai era constituído por cerca de 40 mil
homens em 1864; por sua vez, Antaracy Araújo (1985) assegura que tal exército
era composto por 100 mil homens. Não há consenso sequer a respeito da
população paraguaia da época. Para Max Justo Guedes (1995), ela era
formada por 300 a 400 mil habitantes, menos da metade do número divulgado
pela maioria dos autores consultados – 800 mil pessoas. A divergência
entre as fontes consultadas é tão grande que somos tentados a seguir
pelos caminhos do ceticismo. É preciso, entretanto, tentar entender o que
determina a multiplicação das divergências e das concepções
distorcidas do processo histórico.
TABELA:
Comparação
das informações sobre os efetivos militares disponíveis no início da
campanha
AUTOR
|
EXÉRCITO PARAGUAIO
|
EXÉRCITO BRASILEIRO
|
EXÉRCITO ALIADO
|
FERREIRA
|
140
mil (1)
|
x
(2)
|
x
|
ARAÚJO
|
100
mil
|
x
|
30
mil
|
BASTOS
|
80
mil
|
x
|
x
|
BONI;
BELLUCI
|
80
mil
|
x
|
45
mil
|
HERMIDA
|
80
mil
|
17
mil
|
x
|
GUEDES
|
Entre
28 mil e 57 mil + reservistas (entre 20 mil e 28 mil). Total: de
48 mil a 85 mil
|
17
mil a 20 mil + 200 mil da Guarda Nacional.
|
Entre
232 mil a 240 mil
|
NADAI
|
64
mil
|
x
|
27
mil
|
LUCCI
|
64
mil
|
x
|
x
|
PEREIRA
|
64
mil
|
18
mil
|
27
mil
|
SANTOS
|
64
mil
|
x
|
27
mil
|
COTRIM
|
60
mil
|
x
|
x
|
CHIAVENATO
|
40
mil
|
x
|
x
|
LACAMBE
|
4
vezes o brasileiro
|
¼
do paraguaio
|
x
|
FONTE:
Livros didáticos brasileiros de história do Brasil.
NOTAS:
4.
A Reação da Inglaterra
“Durante
o século XIX, a Inglaterra foi a potência hegemônica no mundo,
ampliando constantemente seu império colonial e impondo sua vontade pela
força, especialmente nos países ao sul do Equador”. (CAMPOS, 1983, p.
136). A independência dos países latino-americanos, com a honrosa exceção
do Paraguai, o único destes ainda não penetrado pelo capital inglês, não
era completa, pois eram dependentes do capitalismo mundial.
A
guerra ocorreu num período caracterizado pela expansão da produção e
das trocas inglesas e pelo aumento do número dos investimentos britânicos
na região. No estuário do Prata, os ingleses realizavam intenso comércio,
“(...) exportando seus produtos industrializados e importando matérias-primas.
(SANTOS, 1990, p. 51). Na segunda metade do século XIX, do ponto de vista
econômico, a Inglaterra substituiu Portugal na condição de metrópole
do Brasil, afirma Elza Nadai.
O
comércio brasileiro era quase todo feito com a Inglaterra: ela era o
principal comprador de café e fornecia a maior parte dos produtos
industrializados que se consumiam no Brasil. Além do comércio, as
estradas, os bancos e muitas empresas eram inglesas; portanto, os valores
e os padrões ingleses acabaram por se impor como modelos para a sociedade
brasileira. (NADAI, 1985, p. 74).
Elza
Nadai e Elian Lucci (1987) asseguram que o Brasil atuava na região
platina, sobretudo quando havia revoltas ou guerras, também como
representante dos interesses da Inglaterra. Estes dois países, assim como
a França, eram contrários à reunificação dos países platinos, à
consolidação de qualquer “grande nação” na região, pois desejavam
a livre utilização da rede hidrográfica platina. Foram, portanto, razões
comerciais que levaram os governos ingleses a apoiar os movimentos de
independência na América Espanhola – inclusive no Paraguai – e no
Brasil.
A
Inglaterra, no século XIX, exportava aproximadamente 70% da sua produção,
constituída por produtos industrializados. Ela necessitava de novos
compradores para estas mercadorias e de diversificar suas fontes de
suprimento de matérias-prima. Além de não ser um grande exportador
destes produtos, nem um voraz consumidor de mercadorias inglesas, o
Paraguai impedia a entrada dos capitais provenientes da Grã-Bretanha.
Deste modo, seu modelo econômico independente “(...) não era bom para
o comércio inglês, que do Paraguai comprava o mate e a ele nada
vendia”. (ARAÚJO, 1985, p. 37). José Dantas (1984) afirma que os
produtos industrializados do Paraguai já começavam a abastecer a América
do Sul. Para outro autor, Elian Lucci (1985), a guerra de Secessão
norte-americana lançou a economia britânica em uma crise que acentuou
ainda mais sua necessidade de destruir a república guarani, a qual possuía
terras férteis e excelentes para o cultivo do algodão – matéria-prima
vital para a fortíssima indústria têxtil da Inglaterra, que até então
dependera das provisões dos Estados Unidos.
Os
capitalistas ingleses estavam inquietos com o perigoso exemplo da experiência
paraguaia de desenvolvimento, que poderia influenciar as políticas de
outros países sul-americanos. Conseqüentemente, não foi por acaso que
tais capitalistas estimularam e alimentaram a Guerra da Tríplice Aliança
contra o Paraguai, financiando os aliados – Brasil, Argentina e Uruguai
– com grandes empréstimos.
4.1
Imperialismo Inglês Versus Imperialismo de Solano López
Muitos
autores discordam da interpretação acima. Diferentemente de nós, eles não
incluem os interesses dos capitalistas ingleses entre as principais causas
do conflito. Dentre aqueles por nós consultados, integram este grupo os
seguintes historiadores: Max Justo Guedes (1995); Américo Lacambe (1979);
Arthur da Costa Sobrinho (s/d); Olavo Leonel Ferreira (1986); Álvaro de
Alencar (1985); Ana Maria de Morais e Maria Efigênia Lage de Resende
(1979); Sérgio Buarque de Holanda (s/d); Vital Darós (s/d); Geraldo Arcênio
(s/d); Boni e Belluci (s/d); Milton B. Barbosa Filho e Maria Luiza
Santiago Stockler (1988); Borges Hermida (1986); e Lúcia Carpi (1985).
Elza Nadai também pode ser incluída graças a um livro publicado em
1985, mas ela muda sua interpretação no livro didático que publica em
1990. Entre os 39 textos consultados, pelo menos 14 pertencem a esse
grupo, sendo que 13 deles sequer citam o nome da referida potência.
Em
geral, os escritores mencionados no parágrafo anterior substituem a
argumentação baseada nas determinações do capitalismo internacional, o
qual se manifesta mais claramente nas ações imperialistas da maior potência
econômica do planeta, por uma versão que culpa as iniciativas
imperialistas de Solano López, realizando a condenação moral deste
presidente. Foi interessante constatar que cinco dentre eles não se
preocupam em descrever o modelo econômico e social do Paraguai e que três
não mencionam as trágicas conseqüências do conflito para a república
guarani – lacunas que não verificamos em nenhum dos historiadores esforçados
em relacionar a atuação da Inglaterra com a destruição do exemplo
paraguaio de desenvolvimento.
Existem,
entretanto, estudiosos que combinam os dois fatores para compor suas
interpretações.
5.
O Projeto de Solano López
Na
gestão de Francisco Solano López, a orientação da política econômica
do Estado não sofreu grandes modificações. Assim como seu antecessor,
ele contratou vários profissionais de alto nível de instrução na
Europa para fortalecer o parque industrial de seu país. Eduardo Galeano
(1985) assegura que o protecionismo sobre a indústria nacional e o
mercado interno foi muito reforçado em 1864. Para Gilberto Cotrim, o
objetivo daquele presidente “(...) era fazer do Paraguai um país forte
e soberano”. (COTRIM, 1987, p. 54). Mas, em boa medida, o Paraguai já
era um país forte e soberano. Quantos países europeus, chamados por nós
de desenvolvidos, podiam, em meados do século XIX, afirmar que estavam
livres da miséria, da violência e do analfabetismo? Solano López,
provavelmente, apenas desejava consolidar o desenvolvimento de seu país.
Mesmo
defendendo e realizando o protecionismo econômico, interessava à república
guarani ver suas embarcações e mercadorias navegando com liberdade a
bacia rio-platense. “Do ponto de vista paraguaio, a independência do
Uruguai era a melhor garantia para manter livre o trânsito no estuário
do Prata”. (PEREIRA, 1987, p. 222). A independência do Uruguai era
vital para a manutenção de um equilíbrio de poderes na região. Tal
equilíbrio garantia, na opinião de Solano López, a segurança, a
integridade territorial e a independência do Paraguai.
Muitos
historiadores declaram que a maior preocupação de Francisco López era
garantir o controle sobre os rios platinos ou conseguir uma saída direta
para o oceano por meio da ampliação do território paraguaio. Mariana
Nunes, por exemplo, sustenta ser isto “(...) imprescindível para a
continuidade do processo de modernização do Paraguai”. (NUNES, s/d).
É preciso questionar esta afirmação de Nunes e descobrir o quão necessário
era para esse país assegurar a comunicação direta com o oceano na gestão
de Solano López. Isto é muito importante, pois o argumento utilizado por
Mariana Nunes fundamenta uma tese que denominaremos de “Paraguai
Maior”.
5.1
Projeto “Paraguai Maior”
“Paraguai
Maior” e “Grande Paraguai” são os nomes atribuídos por dezenas de
autores aos supostos planos expansionistas de Solano López. Segundo eles,
o território deste “Grande Paraguai” se estenderia até o mar. Em
verdade, porém, as descrições não coincidem. Osvaldo de Souza, por
exemplo, afirma que o “Grande Paraguai” iria dos “Andes ao Atlântico”,
“(...) abrangendo o Uruguai, províncias argentinas e, no Brasil, o Rio
Grande do Sul e Santa Catarina”. (SOUZA, 1987, p. 48). De outro lado, Sérgio
Buarque de Holanda e Denise Pereira garantem que Solano López desejava
incorporar ao seu país apenas “(...) antigas áreas das missões
argentinas e das reduções jesuítas no sul do Brasil”. (HOLANDA, s/d,
p. 33).
Consultamos
cerca de 20 livros didáticos que incluem este projeto de expansão
territorial entre as causas fundamentais da guerra. A maioria deles
utiliza a expressão “Paraguai Maior” ou a expressão “Grande
Paraguai”. Entretanto, nenhum destes historiadores se preocupa em
revelar a procedência de tais nomes, o que consideramos uma falha grave
de documentação.
6.
A Formação da Tríplice Aliança
“Desde
sua independência, em 1811, o Paraguai procurou se isolar dos conflitos
platinos”. (SILVA, 1994, p. 28) .
Francisco Solano López, porém, por considerar fundamental para seu país
a manutenção da independência do Uruguai, abandona essa posição de
neutralidade e firma com este país um tratado militar de ajuda mútua.
Este pacto era conhecido pelo governo brasileiro, pois o presidente
paraguaio deixou claro que declararia guerra ao Brasil caso as tropas do
Império invadissem o Uruguai.
Em
um livro didático publicado em 1989, José Dantas menciona que a
Argentina e o Brasil assinaram em 1857, sete anos antes de “explodir”
o conflito, “(...) um protocolo secreto onde manifestavam a intenção
de se aliarem contra a nação guarani caso esta se recusasse a abrir o
rio Paraguai à livre navegação”. (DANTAS, 1989, p. 158).
Renato
Mocellin (1985), Claudius Ceccon (1986), Júlio José Chiavenato (1998),
José Dantas (1984) e mais um autor,
cujo nome não conseguimos identificar, destacam o fato de que o Tratado
de Tríplice Aliança entre o Império do Brasil, a República Argentina e
a República Oriental do Uruguai foi secretamente engendrado um ano antes
de sua publicação. Chiavenato (1998) cita documentos – cartas e
artigos de jornal – que provam o caso. Segundo Mocellin e Chiavenato
(1998), esta farsa tornou-se pública na época, uma vez que vários países
“(...) protestaram contra esse plano premeditado de destruir e partilhar
o Paraguai”. (MOCELLIN, 1985, p. 33). É certo que a versão oficial dos
signatários tenta encobrir o nascimento precoce do pacto.
As
bases do Tratado de Tríplice Aliança foram lançadas numa reunião entre
José Antônio Saraiva, político brasileiro; Rufino de Elizalde,
diplomata argentino; Venâncio Flores, militar e político uruguaio; e o
diplomata inglês Thornton. O acordo tinha como seus objetivos principais
estabelecer a partilha de uma grande fração do território paraguaio;
“(...) tirar do Paraguai a soberania sobre seus rios; (...)
responsabilizar o Paraguai por toda a dívida de guerra; não negociar
qualquer trégua (...) até a deposição de Solano López”. (CARPI,
1985, p. 158) .
Ele estipulava o saque do país e a destruição de suas instalações
industriais. Seu texto é contraditório, pois afirma respeitar a
integridade territorial da república guarani ao mesmo tempo em que
determina unilateralmente novas fronteiras.
7.
Os Efeitos da Guerra
7.1
Paraguai
Este
país – o qual era o mais desenvolvido da América do Sul antes da
guerra – ficou arrasado: sua população foi reduzida a uma pequena
parcela e sua economia foi destruída. “Desde então o Paraguai não
mais se recuperou, sendo até hoje um dos países mais pobres da América
Latina”. (BARBOSA FILHO; STOCKLER; 1988; p. 38). Os vencedores
implantaram o “livre-cambismo” e o latifúndio. Tudo foi saqueado e
vendido: as terras e as propriedades estatais foram vendidas a
capitalistas estrangeiros. Em poucos anos o Paraguai contraiu uma enorme dívida
com os ingleses. O país, até mais que o Uruguai, ficou sob a influência
e o controle do Brasil.
O
conflito entre os aliados e a nação guarani foi um dos maiores massacres
da história das Américas. Os historiadores divergem enormemente a
respeito do número de mortos e do tamanho do território perdido pelo
Paraguai. Morais e Resende (1979) afirmam que, para cumprir o tratado de
aliança, a integridade territorial e a independência do Paraguai foram
mantidas. Isso é falso. Estas autoras devem partir de um curioso ponto de
vista. Para elas, as terras incorporadas pelo Brasil e pela Argentina
estariam sob o poder ilegítimo do governo paraguaio ou eram “terras de
ninguém”. Somente desta maneira pode-se compreender a posição das
autoras e o próprio Tratado da Tríplice Aliança como algo diferente de
propaganda cínica.
Chiavenato
(1998) e Mocellin (1985) declaram que a república paraguaia perdeu 140
mil km² de terras. Para Dantas (1984), foram 40 mil km². Max Justo
Guedes (1995) acredita numa perda de 40% do território. Segundo ele e
Costa Sobrinho (s/d), as perdas populacionais do Paraguai foram
grosseiramente exageradas pela grande maioria dos historiadores e devem
ser de 15% a 20% da população pré-guerra – entre 50 mil e 80 mil
mortes. Em geral, os autores informam que mais de 75% dos paraguaios foram
mortos.
Ao
contrário dos aliados,
o Paraguai teve de confiar em seu próprio arsenal e estaleiros, pois não
comprou armas e navios com dinheiro emprestado em Londres. Infelizmente,
ele foi obrigado pelos vencedores a assumir uma pesada dívida de guerra
que nunca teve condições de pagar. Muitos anos depois, “(...) os próprios
aliados reconheceram que o Paraguai jamais teria condições de saldar as
dívidas de guerra e acabaram por perdoá-las”. (NADAI, 1985, p. 78).
7.2
Aliados
O
Brasil perdeu muitas vidas e grandes recursos financeiros. “O temor de
que os bolivianos ajudassem Solano López levou o governo brasileiro a
ceder ao ditador boliviano Melgarejo a região do Acre”. (MOCELLIN,
1985, p. 35). “Para Argentina e Brasil [e também para o Uruguai], a
guerra aumentou a dependência ao capital inglês, mas desafogou suas
dificuldades financeiras imediatas”. (CHIAVENATO, 1998, p. 93).
O
número de negros no Brasil sofreu uma grande queda, uma vez que havia um
branco para cada 45 negros nas forças brasileiras. A navegação
brasileira dos rios Paraná e Paraguai foi garantida. O Império, de
acordo com Eduardo Galeano (1985), ganhou mais de 60 mil km² de território
e levou muitos prisioneiros paraguaios como mão de obra escrava. O exército
brasileiro ficou mais unido e ganhou importância política. Ele tornou-se
um centro de contestação à escravidão e ao Império, e aderiu às
campanhas abolicionista e republicana. A guerra do Paraguai foi uma das
causas da queda do Império brasileiro.
As
províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes tiveram grandes lucros
vendendo provisões aos exércitos aliados. A Argentina ficou com 94 mil
km² de terra paraguaia, segundo Eduardo Galeano (1985) e Claudius Ceccon
(1986).
7.3
Inglaterra
Os
bancos ingleses financiaram os aliados e receberam altos juros. “(...)
Os prejuízos que os países envolvidos tiveram foram muito maiores do que
os benefícios. Só a Inglaterra saiu ganhando, e duplamente: recebeu com
juros o dinheiro que havia emprestado (...) e passou a vender seus
produtos ao Paraguai”. (PILETTI;
PILETTI; 1989, p. 22).
8.
Considerações Finais
Classificamos
as interpretações da Guerra da Tríplice Aliança em três grupos. No
primeiro se encontram aqueles que identificam o “Projeto Paraguai
Maior” de Solano López como causa principal do conflito; no segundo, os
que afirmam que o conflito foi causado “(...) pelo rompimento da
estrutura dominante do imperialismo inglês” (CHIAVENATO, 1998, p. 37);
e no terceiro, intermediário entre os outros dois, os historiadores que
combinam em suas explicações os interesses de todos os países
envolvidos e não apontam uma causa principal.
Não
acreditamos nos autores do primeiro grupo. Eles incorrem na ideologia “estatista”,
que considera o Estado como um sujeito autônomo. Assim, por exemplo,
Mariana Nunes realiza uma inversão de causas e conseqüências ao afirmar
que os comerciantes de Buenos Aires impuseram restrições ao comércio
paraguaio em represália à política econômica de Francia, “(...) que
acabava com o poder de infiltração de Buenos Aires”. (NUNES, s/d). Em
nossa interpretação, e também na de Denise Pereira (1987), a política
econômica e social de Francia é uma resposta à ameaça portenha contra
a autonomia do Paraguai.
Em
segundo lugar, não encontramos nada que prove a necessidade absoluta de
Solano López ampliar o território paraguaio. Para nós, a presença de
um diplomata inglês nas negociações que resultaram no secreto pacto dos
aliados não é simples acaso. O nome Tríplice Aliança esconde a existência
de uma outra aliança presidida pela Inglaterra. Sabe-se que a participação
das forças do Uruguai foi quase insignificante se comparada com a ajuda
dos empréstimos ingleses aos países aliados. Os aliados provavelmente não
seriam os vencedores sem este apoio.
Encontramos
contradições e, principalmente, lacunas nos livros didáticos. Estas
obras apresentam muito resumidamente os temas. A documentação
praticamente inexiste neles. Desta forma, o risco de realizar simplificações
é bastante grande. Apenas uma pequena fração dos autores se preocupa em
apresentar o conteúdo de forma não dogmática, mostrando as diferentes
interpretações existentes. Alguns realizam isto de maneira atrapalhada
ao oferecer textos contraditórios entre si.
Seria
muito interessante realizar um estudo que comparasse as interpretações
da Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai apresentadas pelos
livros didáticos paraguaios com as interpretações apresentadas pelos
livros didáticos brasileiros. Isto nos ajudaria a compreender a influência
do sentimento nacionalista e do etnocentrismo na elaboração dos textos
dos historiadores.