1-
INTRODUÇÃO
Nas
pesquisas realizadas para o trabalho de conclusão de curso em Ciências
Sociais sobre o papel da Sociologia nas Escolas Estaduais, um problema
não delimitado anteriormente emergiu nos entremeios do contato com
professores e alunos (não apenas de Sociologia) em reuniões periódicas
realizadas nas escolas. Desde planejamento didático, financeiro,
lazer e até apenas comunicados, a discussão disciplinar permeia os
diálogos. Essa questão, de uma nitidez até certo ponto enfática,
sobrepõe-se a todas as outras problemáticas no cotidiano escolar
constituindo-se, num desafio e uma preocupação essencialmente explícita.
Todo
conteúdo e prática exigidos por lei e conduzidos por parâmetros
curriculares sobre o sentido e objetivo da educação acabam, em
contextos específicos, adquirindo roupagens diferenciadas.
Nas discussões sobre o universo escolar em sua totalidade a fala
predominante não se baseava no processo educacional em si - ações
pedagógicas, melhorias nos programas, materiais didáticos, projetos
educativos, etc - mas sim, na questão disciplinar.
Para
uma reflexão teórica sobre a disciplina, uma dos várias questões
que permeiam o cotidiano escolar, e entendê-la como um conjunto de
relações pertencentes às esferas sociais, a análise de Michel
Focault presente, fundamentalmente, em “Vigiar
e punir” constitui-se na principal referência deste trabalho.
A
disciplina torna-se o grande alvo a ser alcançado e a responsável em
manter o nível de aprendizado em um patamar aceitável. Segundo essa
perspectiva, é através da disciplina dos alunos e dos professores
que o sistema educativo se engrena. Manter o professor em um regime
disciplinar como de operários fabris, produzindo em todo tempo
designado e, impondo ao aluno seu poder como forma de utilizar o tempo
como máximo de proveito, torna-se o objetivo almejado.
A
relação hierárquica no ambiente escolar revela como a disciplina
dociliza os corpos e os coage numa constante utilização.
A
escola configura-se como um ambiente parecido com uma prisão em sua
disposição física, seus mecanismos de disciplinarização, sua
organização hierárquica, sua vigilância constante. Essa analogia
refere-se ao sistema penitenciário no contexto apresentado por
Foucault, em que as prisões disciplinares tinham por objetivo a
readaptação e integração de “corpos dóceis” à sociedade.
Compreender
o porquê da ênfase das escolas com a questão disciplinar e entender
como as mesmas exercem esse poder é o escopo desse trabalho.
Recorrendo conceitos de poder, disciplina, vigilância e, seus
desdobramentos essa análise se assenta, fundamentalmente, numa
abordagem foucaultiana. É através dessa análise que as relações
de poder contidas no universo escolar adquirem uma visibilidade
concreta e sistemática. É uma questão importante em sua teoria
entender essas relações não somente como algo negativo, mas também
produtivo.
Característica
da sociedade contemporânea, a disciplina percorre instituições
apresentando todo seu poder, produzindo indivíduos e
utilizando-os como seus instrumentos.
2-
O PODER E SEUS DESDOBRAMENTOS
Para
uma definição conceitual de poder é necessário remeter a reflexões
indissociáveis à análise política e suas relações. O poder se
expressa nas diversas relações sociais, assim, pode-se falar em relações
de poder.
A
luz dessa afirmação, não atendo-se à profundidade do conceito,
onde existem relações de poder existe política.
A política se expressa nas diversas formas de poder e pode ser
entendida de duas maneiras: num “sentido restrito” e num
“sentido amplo”.
No
sentido restrito refere-se à política relacionada ao Estado e num
sentido mais abrangente consideram-se outras dimensões da vida social
não menos importantes.
Em
sua famosa conferência, “A Política como Vocação”, Max Weber
afirma que a política não se restringe ao campo institucional
estatal e, explicita claramente, que a política permeia outras
atividades da vida cotidiana. “Hoje, nossas reflexões não se
baseiam, decerto, num conceito tão amplo. Queremos compreender como
política apenas a liderança, ou a influência sobre a liderança, de
uma associação política, e, daí hoje, de um Estado” (WEBER,
1974, p. 97).
Apesar
das considerações acerca da abrangência das relações políticas,
nessa abordagem, Weber atém-se à análise do Estado e seus
desdobramentos e, aponta caminhos analíticos sobre outras esferas da
vida social.
Localizar
o poder em um lugar específico, pontualmente o Estado, é um grande
erro, pois, como foi apresentado, existem relações de poder, e estas
estão presentes não apenas no aparelho estatal. Conceituar as relações
de poder somente interligadas ao campo institucional do Estado parece
ser um pouco simplista, ver o Estado como ponto de referência do
poder não corresponde a toda sua amplitude. Conceber as relações de
poder restritamente mascara seu caráter extremamente amplo.
O
Estado é um órgão que possui poder, mas não se restringe a ele, não
é a única referência de poder. Deve-se tratar o poder inserido nas
relações e não entendê-lo vulgarmente através de concepções que
o coisificam.
Se
somos todos, como já enfatizei, fatores de poder e, além do mais, se
o poder não se resume tão-somente ao poder estatal, todos aqueles
que se integram à luta pela democratização da sociedade e das relações
autoritárias de poder que se expressam tanto a nível de Estado como
no cotidiano da vida social e afetiva. Volto a repetir que as relações
de poder são multiformes, apresentam mil e uma faces e não escolhem
lugares para se manifestarem (PARANHOS, 2000, p.58).
Segundo
a ótica foucaultiana as relações de poder se manifestam de múltiplas
formas, não possuem localização nem sujeitos específicos.
Quero
dizer que em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer
sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam,
caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de
poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma
produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do
discurso (FOUCAULT, 2003, p. 179).
Ter
o poder, buscar o poder são expressões que o transforma em coisa,
que se tira ou se dá, que se conquista ou se perde. O poder é
composto por relações dispersas em toda sociedade, todos são
sujeitos e objetos de poder.
(...)
o poder não deve ser encarado exclusivamente como algo que atua sobre
nós, como se nos limitássemos a ser objeto de sua ação. Ele também
é exercido por nós, o que nos coloca simultaneamente na condição
de sujeitos e objeto do exercício do poder (PARANHOS, 2000, p.56).
Entender
o poder como algo palpável, como uma coisa que se adquire ou se
compra, consiste em um grande engodo.
Dispomos
da afirmação que o poder não se dá, não se troca nem se retoma,
mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o
poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações
econômicas, mas acima de tudo uma relação de força (FOUCAULT,
2003, p. 175).
O
autor apresenta as relações de poder como constitutiva da vida
social concebendo os indivíduos como transmissores que o poder
perpassa sendo, assim, “efeitos de poder”.
O
poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo
que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca
está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um
bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos
só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder, são
sempre centros de sua transmissão (FOUCAULT, 2003, p. 183).
Foucault
afirma que o poder penetra na vida cotidiana não se fixando nas relações
estatais, essa característica denominada “micro-poder”. Analisa
também que esses “micro-poderes” possuem uma história específica
e se relacionam com o poder presente no aparelho do Estado. Essas duas
modalidades de poder se articulam - os micro-poderes não são
subordinados ao poder estatal -, se intercruzam - mas não são
interdependentes - nos diversos níveis das relações sociais.
Muitas
vezes o poder é associado à dominação, aqueles que possuem poder
dominam outros indivíduos que, por sua vez, são destituídos de
qualquer forma poder. Identificar poder e dominação é muito comum,
porém nem toda relação de poder envolve dominação. Não é
correto considerar que “(...) toda relação política envolve
necessariamente uma relação de dominação” (PARANHOS, 2000,
p.59).
Avançando
mais ainda nessa questão, pensar o poder no sentido de dominação o
conota como algo perverso e negativo. Nesse sentido Foucault discorre
acerca dessa problemática, diz que deve-se
(...)
deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos:
ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’, ‘censura’,
‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’. Na verdade o poder
produz; ele produz realidade, produz campos de objetos e rituais da
verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se
originam nessa produção (FOUCAULT, 1977, p. 172).
O
poder não é apenas dominação, mas também produção, é a partir
dessas relações que a realidade se configura. As relações de poder
estão presentes em toda vida social, na igreja, na família, no
namoro, na escola, no Estado, na indústria, nos hospitais, etc.
Foucault
pesquisou e descreveu o papel do poder, especificadamente a
disciplina, na formação histórica de instituições como o presídio,
o hospital, a escola e a fábrica.
Nessa
perspectiva, “(...) o poder e o saber produzidos pelas normas
disciplinares são fundamentais para a organização burocrática. Em
uma sociedade de instituições burocratizadas como a nossa, o poder
disciplinar se desenvolve em todo tecido social” (KRUPPA, 1994, p.
102).
Sobre
esse poder disciplinador direcionado especificadamente para a escola,
pode-se constatar a predominância de mecanismos de vigilância
(disciplinadores) sobre a questão qualitativa da construção do
saber educacional. O ensino é sobreposto pela vigilância.
3-
ESCOLA E DISCIPLINA: RELAÇÕES DE PODER
Posteriormente
a conceituação de poder já apresentada, vale, neste momento,
visualizar o poder da disciplina presente nas instituições
escolares. Nelas existem mecanismos que efetivam a disciplinarização
dos indivíduos que a compõe.
Segundo
Foucault (1977, p. 126), esses mecanismos “(...) permitem o controle
minucioso de operações do corpo, que realizam a sujeição constante
de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade - utilidade
são o que podemos chamar as ‘disciplinas’”. Continuando a
discorrer sobre essa questão afirma que a “(...) disciplina fabrica
assim corpos ‘dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo
(em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças
(em termos políticos de obediência).”
Foucault
(2003, p. 182), oferece referências que permitem “(...) captar o
poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações. Lá onde
se torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais
regionais e locais (...)”, e por conseqüência, analisar a escola
como o lugar onde o poder disciplinar produz saber, mantém-se, é
aceito e praticado por todos os membros da instituição escolar numa
relação hierárquica.
Exercer
pressão constante sobre os alunos para que todos dêem atenção nos
estudos façam as tarefas e respeitem as normas é parte de um sistema
punitivo com função normalizadora. O normal se estabelece como princípio
de coerção e com ele o poder de regulamentação.
3.1-
O espaço físico: a escola-prisão
A
disciplina exige um espaço específico para seu exercício, um espaço
no qual os indivíduos possam ser vigiados nos seus atos, que tenham
seu lugar específico para visualizar seu comportamento para poder
sancioná-lo ou medir suas qualidades.
O
espaço deve ser visto como algo útil e funcional a escola deve ser
dividida através de séries e classes e as mesmas individualizarem os
alunos através da disposição em filas o que facilita a vigilância
e o controle. O professor visualiza os alunos, pois cada um se define
pela sua posição na classe, nesse sentido “(...) a sala de aula
formaria um grande quadro único, com entradas múltiplas, sob o olhar
cuidadosamente ‘classificador’ do professor” (FOUCAULT, 1977, p.
135).
A
exigência da distribuição das classes em fileiras, com alunos em
ordem e uniformizados tem como objetivo garantir a obediência dos
alunos, e uma melhor utilização do tempo. Cria espaços funcionais e
hierárquicos, “(...) trata-se de organizar o múltiplo, de se obter
um instrumento para percorrê-lo e dominá-lo, trata-se de lhe impor
uma ‘ordem’” (FOUCAULT, 1977, p. 135).
A
comparação física das escolas e das prisões procede de acordo com
sua composição arquitetônica. Classes distribuídas lado a lado sem
nenhuma comunicação, grandes nas janelas, refeitório comunitário,
muros altos e com grades, portões sem nenhuma visibilidade com o lado
externo à escola.
A
construção das escolas obedecem a quase todas essas disposições e
com uma peculiaridade importante, a posição da sala da diretoria
permite ter uma visão global de todo estabelecimento, um “olhar panóptico”
- uma construção que se aproxima ao Panóptico de Bentham.
O panoptismo é característica das prisões mas, certamente, está
presente nas instituições escolares. Mesmo que não apresente
efetivamente todas as características descritas, a funcionalidade do
posicionamento da sala da diretoria e supervisão remetem a uma forma
de vigilância efetiva. Nas escolas as práticas transgressoras são
“registradas” na forma de “ocorrências”,
estas relatam as ações dos alunos e dos professores que,
posteriormente são arquivadas e avaliadas. Através dessas “ocorrências”,
ambos podem ser suspensos ou expulsos (no caso dos professores, são
exonerados do cargo por serem funcionários públicos) dependendo da
gravidade do ocorrido.
A
escola torna-se “(...) um espaço fechado, recortado, vigiado em
todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar físico
onde os menores movimentos são controlados onde todos os
acontecimentos são registrados (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 174).
Esse tipo de vigilância permite a diretoria um controle sobre todas
as movimentações na escola: quem está no corredor, quem vai ao
banheiro, a classe “indisciplinada” e outros mais.
O
poder disciplinar exercido através da configuração arquitetônica
e, da mesma forma, o controle da diretoria sobre o professor e o aluno
através do “olhar panóptico” demonstra de forma veemente como a
disciplina faz “(...) funcionar o espaço escolar como uma máquina
de ensinar mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar”
(FOUCAULT, 1977, p. 134).
3.2-
Os mecanismos de controle e punição
Nas
reuniões da diretoria com professores,
o centro dos discussões centrava-se em elaborar meios ou mecanismos
para os alunos estudarem de maneira disciplinar e, cumprir com a
programação anual.
A
diretoria, de forma contundente, exige o cumprimento de todo o horário
de aula, pois os professores como funcionários devem produzir sua
tarefa e, de forma hierárquica “obrigar” os alunos a se adequarem
a esse sistema. Deve garantir que as individualidades se integrem a
uma funcionalidade “orgânica”, ou seja, que funcionem como um
organismo com atividades controladas e codificadas.
De
acordo com Foucault (1977, p. 141), “(...) o corpo, do qual se
requer que seja dócil até em suas mínimas operações, opõe e
mostra as condições de funcionamento próprio a um organismo. O
poder disciplinar tem por correlato uma individualidade não só analítica
e ‘celular’, mas também natural e ‘orgânica’.”
O
horário esgotado e totalmente utilizado requer do professor um
controle bastante rígido. A configuração espacial - como já
apresentado - permite esse controle, um olhar disciplinador e
consistente.
Não
basta apenas o cumprimento do horário por parte dos professores e
alunos, “(...) procura-se também garantir a qualidade do tempo
empregado: controle ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de
tudo que possa perturbar distrair; trata-se de constituir um tempo
integralmente útil (...)” (FOUCAULT, 1977, p. 137).
A
diretoria fiscaliza se o professor está utilizando o tempo de maneira
proveitosa e este fiscaliza o aluno e o vigia para que cumpra com sua
tarefa.
Como
Foucault (1977, p. 155-156) específica, o “(...) edifício da
Escola devia ser um aparelho de vigiar (...)”, mas esse aparelho
necessita para a eficácia da disciplina de uma vigilância hierárquica,
“(...) o olhar disciplinar teve de fato, necessidade de escala
(...). É preciso decompor suas instâncias, mas para aumentar sua função
produtora. Especificar a vigilância e torná-la funcional.”
Nessa
perspectiva a vigilância se efetiva na escola com a presença do
diretor, dos vice-diretores, da supervisão pedagógica, da orientação
educacional, dos professores e finalmente dos alunos.
Essa
hierarquia fundamenta um controle, “(...) um poder que, em vez de se
apropriar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem
dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor”
(FOUCAULT, 1977, p. 153).
Esse
poder disciplinar não procura reter as forças, mas sim interligá-las,
multiplicá-las e utilizá-las, sua consolidação utiliza-se dessa
vigilância hierárquica e outros meios coercitivos de punição.
A
entrada na escola dos alunos só é permitida se estiverem
uniformizados, já na portaria entregam uma “carteirinha” de
identificação para fiscalização do comparecimento, os alunos só
podem sair da classe em horário de aula munidos com o cartão do
professor, essas são algumas das normas sobre circulação no
interior do estabelecimento escolar.
Esse
controle rigoroso aliado a outras regulamentações forma um sistema
punitivo, este, composto por dispositivos disciplinares que fazem
funcionar normas gerais da educação. Essas normas permitem a medicação
dos desvios e a redução desses se daria pela aplicação de
“(...)
micropenalidades do tempo (atrasos, ausências, interrupções das
tarefas), da atividade (desatenção, negligência, falta de zelo), da
maneira de ser (grosseira, desobediência), dos discursos (tagarelice,
insolência), do corpo (atitudes incorretas, gestos não conformes,
sujeira), da sexualidade (imodéstia, indecência) (FOUCAULT, 1977, p.
159).
São
inúmeros os exemplos que caberiam nessas colocações, no cotidiano
escolar esses fatos permeiam a maioria das relações. Constatada a
transgressão à norma, a penalidade é uma conseqüência lógica.
(...)
trata-se ao mesmo tempo de tomar penalizáveis as frações mais tênues
da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente
indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo
possa servir para punir a mínima coisa; que cada indivíduo se
encontre preso numa universalidade punível-punidora (FOUCAULT, 1977,
p. 159).
O
receio dos alunos quanto às sanções que vão receber caso infrinjam
as normas, demonstra a eficácia das penalidades, e o funcionamento da
engrenagem do sistema punitivo. Essas punições são expressas através
de suspensões, expulsões, reunião com os pais, redução nas notas,
mudança de classe e, dependendo da gravidade, ocorrência policial.
Essas
formas de punição fazem parte de um sistema duplo que Foucault chama
de “gratificação-sanção”.
Esse
sistema consiste em tornar operante a correção dos alunos no tocante
às relações em sala de aula. O professor deve utilizar mais de
gratificações do que de sanções, pois os infratores serão
incitados a procurar mais as recompensas e se afastarem das
penalidades garantindo assim, que os comportamentos se inclinem na
busca por gratificações e reconhecimento.
Todo
ano a diretoria da escola promove uma premiação, com medalhas e
certificados, para os “melhores” alunos do ano, aqueles com
melhores notas e comportamentos disciplinares exemplares.
O
poder disciplinar usa como forma de coerção uma relação que
compara os melhores e piores alunos, construindo essencialmente, uma
relação hierárquica de qualidades. Essa hierarquização não
remete somente aos alunos dentro de uma classe, ela existe entre as
classes ( Ibid., p. 166). Na escola existem classes “boas” e
classes “ruins”, ou seja, as classes são classificadas dessa
forma porque os alunos que a integram possuem essas qualificações. A
mudança de classe, de sair de uma posição “vergonhosa” para uma
“posição honrosa” reforça ainda mais o poder disciplinar da
instituição escolar.
Outro
mecanismo indicador do poder disciplinar nas escolas é o exame ou
provas. Através dele o professor conhece seus alunos, descritos,
mensurados, comparados a outros, treinados, classificados,
normalizados. “O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia
e a sansão que normaliza. É um controle normalizante, uma vigilância
que permite qualificar, classificar e punir” (FOUCAULT, 1977, p.
164).
Nas
escolas, a aplicação do exame envolve todo um ritual desde a
padronização de sua estética até a conduta disciplinar e temporal.
Os exames são aplicados em classes com alunos em ordem alfabética,
enfileirados, com um horário mínimo para término, com a proibição
de qualquer conversa ou gestos. O exame deve ser feito de maneira
sistemática e objetiva. Esse ritual renova constantemente o poder,
demonstra a força que a disciplina possui no cotidiano escolar. O
exame compara os alunos e permite analisá-los e se necessário,
sancioná-los.
Através
dele, obtém-se o conhecimento sobre o aluno, sobre suas aptidões e
deficiências, sobre sua evolução ou desvio ao mesmo tempo de
transmissão do saber, esse método pressupõe “(...) um mecanismo
que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de
exercício do poder” (FOUCAULT, 1977, p. 166).
Pode-se
dizer que o exame constitui-se uma das peças fundamentais para a
edificação da pedagogia (Ibid., p. 166).
De
maneira geral pode-se afirmar que na escola o poder disciplinar
torna-se natural e legítimo. A construção de um saber qualitativo
na educação, de ações e projetos pedagógicos é sobreposta pelo
caráter disciplinar das escolas.
O
educar significa ensinar, qualificar, esclarecer mais também,
disciplinar, vigiar, punir.
4-
CONCLUSÃO
Essas
qualificações do caráter educativo das escolas constatadas através
da vivência com alunos e das reuniões pedagógicas freqüentes
demonstram como os alunos se habituaram com o sistema disciplinar e
legitimam a eficácia desse poder.
As
reuniões entre diretoria, pais e professores são transformadas em seções
de queixas disciplinares, em constatações e repressão dos alunos
“desviados” no ambiente escolar.
A
contribuição de Foucault é fundamental para o entendimento dessas
questões presentes na escola, pois é a partir dela que a realidade
efetiva se clareia, que as relações de poder cotidianas ganham seu
devido status.
A
escola passa a constituir-se num observatório político, num aparelho
que permite o conhecimento, o controle perpétuo de seus componentes,
através dos diretores, dos professores, dos funcionários e dos próprios
alunos. Essa relação hierárquica induz todos a se sentirem sempre
vigiados e controlados.
A
escola e suas técnicas disciplinares fazem com que os indivíduos
aceitem o poder de punir e de serem punidos.
Nessa
perspectiva, o poder disciplinar conquista um lugar privilegiado nos
discursos e nas ações, sendo a principal personagem das relações
que compõe o universo escolar.

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
FOUCAULT,
M. Microfísica do poder.
Rio de Janeiro: Graal, 2003.
_____________.
Vigiar e punir: nascimento da
prisão. Petrópolis: Vozes, 1977.
KRUPPA,
S. M. P. Sociologia da
educação. São Paulo: Cortez, 1994.
MAAR,
W. L. O que é política.
São Paulo: Brasiliense, 1986.
PARANHOS,
A. Política e cotidiano: as mil e uma faces do poder. In:
MARCELLINO, N. C. (org.) Introdução
às Ciências Sociais. Campinas: Papirus, 2000.
WEBER,
M. A Política como Vocação. In: Ensaios
de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.