A
hegemonia neoliberal e o capitalismo contemporâneo
Gabriel
Augusto Miranda Setti
RESUMO:
Este
artigo busca
apreender o advento do conjunto de idéias neoliberais, que
acabaram por dominar o cenário político mundial, principalmente
a partir dos anos 90. Tentaremos entender quais foram os fatores
que contribuíram para o incrível alastramento desse pensamento
político, que tende a determinar em muitos aspectos o pensamento
dos governantes da maioria dos países, inclusive na área periférica
do capitalismo, como é o caso do Brasil.
Examinamos
assim alguns dos elementos constitutivos desse processo. Entre
eles destacam-se a globalização e o prejuízo social que
a hegemonia desse pensamento acarreta aos países de terceiro
mundo, tudo isso inserido numa lógica da reprodução do capital
e dos seus campos de acumulação.
TERMOS:
Neoliberalismo,
globalização, capitalismo. Neoliberalism, globalization,
capitalism.
SUMMARY:
This
search article apprehend the advent of the set of neoliberal ideas,
which finished for dominating the world political scenery, mostly
from years on 90. We will try to understand whats they were the
factors that contributed for the incredible spreading of this
political thought, which tends to determine in lots of aspects
rulers thought of the majority of the countries, inclusive in the
peripheric area of the capitalism, as it is Brazil's Case.
We
examine some of the constituent elements of this process. Among
them they highlight for globalization and the social prejudice
that the hegemony of this thought carries to the countries from
third world, all this inserted in a logic of the reproduction of
the capital and of your accumulation field.
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Para
se começar a discutir o advento das idéias neoliberais, não podemos
deixar de observar a sua relação intrínseca com o capitalismo, e mais
precisamente com o capitalismo atual, na sua nova fase, a partir de
meados da década de 70 do século XX.
Poderíamos
dizer, resumidamente, sobre a questão da relação entre capitalismo e
neoliberalismo, que este surge como um ideário supostamente capaz de
oxigenar as formas de acumulação daquele. É sabido que o capital
precisava enveredar por outros modos de acumulação especialmente em
função do esgotamento do modelo social-democrata em países da Europa.
Sendo assim, o capitalismo, como sistema de acumulação de capitais,
necessitava de novas formas de expansão que permitissem uma reconfiguração
do imperialismo.
Essa
expansão do modelo capitalista se alimentou de novas conjunturas
mundiais, nos planos político, econômico e social. É possível
elencar alguns desses fatores preponderantes para a sua difusão e a
conseqüente instauração de seus novos moldes nos últimos anos. São
eles: a queda do Muro de Berlim em 1989, o fim da Guerra Fria, a
desintegração da União Soviética e o subseqüente desmantelamento do
modelo de socialismo real, a formação de blocos econômicos regionais,
grande desenvolvimento tecnológico e industrial, notadamente nos
setores de eletrônica e comunicação, e finalmente a própria
reorganização do capitalismo em sua nova forma atual, o
neoliberalismo.
Já
que o capitalismo encontra na ideologia neoliberal a sua nova ofensiva e
a sua nova justificação de metas e de “receituários”, faz-se
necessário o entendimento de alguns aspectos que contribuíram para
esse empreendimento. Um dos fatores mais importantes foi o advento do
que se costuma chamar globalização, que nos traz vários elementos
para compreendermos a difusão dessa ideologia. Passamos, então, a
fazer algumas considerações sobre a globalização.
As
idéias neoliberais encontram no processo denominado de globalização
terreno fértil para proliferarem e se expandirem aos quatro cantos do
mundo. A globalização é tida e havida como um processo contemporâneo
ancorado nas novas formas de tecnologia, na rapidez do trânsito de
informações, técnicas, produtos, padrões, estilos de vida e
ideologias.
A
globalização, tal como entendida pela maioria dos que a estudam, acaba
por romper todas as barreiras (ou quase todas) dos países, das cidades,
dos continentes, estabelecendo, pelo menos em princípio, padrões
mundiais de consumo e de idéias. Esse processo tende a desmantelar, ou
a enfraquecer, em muitos casos os padrões locais, no sentido de uma
certa uniformidade e uma padronização.
Diga-se, uma padronização de consumo, de valores ocidentais baseados
em símbolos e produtos cada vez mais supérfluos e simplesmente
adequados à lógica do consumismo exacerbado.
A
globalização é vista como um processo que transcende o local e
instaura o global, o mundial. E outro fator importante desse novo
processo mundial é a diminuição ou o encurtamento dos espaços e também
a diminuição do tempo para a execução de tarefas. Entretanto,
devemos nos perguntar a quem ou a quê este novo processo serve? Não
podemos ter uma visão unilateral dos fenômenos sócio-políticos, e
também não queremos aqui apontar somente pontos negativos do processo
de globalização. Mas se fôssemos responder a pergunta acima em uma
palavra, diríamos que a chamada globalização (e isso já estava implícito
anteriormente), está intimamente ligada às formas de reprodução do
capital e com as formas imperialistas de dominação.
Embora,
à primeira vista, a globalização seja um processo contemporâneo, do
capitalismo atual, não devemos nos esquecer que Marx e Engels já a
descreviam brilhantemente no seu Manifesto do partido comunista.
Nesse pequeno livro, os autores tratavam de temas recorrentes do
processo de globalização, e, por vezes, ao lê-lo, chegamos a ter a
impressão que estão escrevendo nos dias de hoje. Para tanto, nada
melhor que as próprias palavras dos autores: “Impelida pela
necessidade de mercados sempre novos a burguesia invade todo o globo.
Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos
em toda parte”.
E
prosseguem:
“Pela
exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para
desespero dos reacionários, ela retirou à indústria sua base
nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam
a sê-lo diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja
introdução se torna uma questão vital para todas as nações
civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas autóctones,
mas sim matérias vindas das regiões mais distantes, e cujos produtos
se consomem não somente no próprio país mas em todas as partes do
globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos
nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam para sua satisfação
os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em
lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si
próprias, desenvolvem-se um intercâmbio universal, uma interdependência
das nações. E isto se refere tanto à produção material como à
produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação
tornam-se propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo
nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras
literaturas nacionais e locais, nasce uma literatura universal (MARX
e ENGELS, s/d, p. 26).
Até
parece que Marx e Engels estão fazendo um diagnóstico da situação do
mundo atual, e quando falam de interdependência das nações, em expansão
para além dos limites locais, em rompimento de barreiras nacionais, em
mercado mundial etc, estão nos adiantando as principais características
do processo de globalização vivenciado por nós hoje, (não nos esqueçamos
que o Manifesto foi escrito em meados do século XIX).
É
claro que devemos considerar o atual movimento de globalização em sua
particularidade, visto que este decorre de uma reconfiguração do domínio
dos capitais na ordem mundial contemporânea, no último quarto do século
XX. É preciso levar em conta que, além da atual revolução tecnológica
(fator que é sempre levantado pelos defensores do neoliberalismo como
ponto positivo da globalização, e também outros fatores como a
competitividade, concorrência etc), assiste-se a um movimento de
concentração e internacionalização do capital, de regionalização
do mundo em blocos econômicos, (que se fortificam ainda mais
economicamente, em detrimento dos países da periferia do capitalismo,
que se inserem nessa lógica de maneira subalterna diante dos ditames
imperialistas dos países ricos), de mudanças importantes na estrutura
da cadeia produtiva, de substituição de matérias-primas, de
reestruturação e racionalização empresarial, da propriedade
intelectual e de ataques às conquistas dos trabalhadores.
Como
se não bastassem essas transformações, somam-se também os índices
de degradação ambiental que se avolumam cada dia mais. Esse assunto,
de suma importância, é enfocado num artigo de Chesnais e Serfati, no
qual esses autores sustentam que
“é nos fundamentos das relações de propriedade e de dominação
capitalistas que se situam as origens de sua relação com os recursos
naturais e a biosfera. O capital não põe em perigo suas próprias
condições de reprodução e de funcionamento ao destruir ou danificar
gravemente o ambiente natural.” E
acrescentam: “Segundo
nossa compreensão, por essas destruições cada vez mais graves e, em
alguns casos, irreversíveis, o capital põe em perigo as condições de
vida e a própria existência de certas comunidades, e até mesmo de
certos países. Mas ele não coloca diretamente em perigo as condições
de sua dominação”(CHESNAIS
e SERFATI, 2003, p. 62)
François
Chesnais e Claude Serfati destacam ainda mais que “o
capital, bem como os Estados que embasam sua dominação e as classes
sociais que a ele estão ligadas, têm os meios tanto para suportar as
conseqüências dessa destruição de classes, comunidades e Estados
mais fracos, quanto para transformar a ‘gestão de recursos que se
tornaram raros’ e a ‘reparação das degradações’ em campos de
acumulação (em ‘mercados’)”
(CHESNAIS e SERFATI, 2003, p. 62).
Assim,
o capitalismo, como sistema de acumulação, não corre perigo ou muito
menos se expõe ao risco de um colapso por causa da questão ambiental
que se coloca, visto que ele acaba por se aproveitar dessa problemática
para gerar novas perspectivas de acumulação. Ainda em relação ao
artigo citado, ressaltamos um último ponto importante para o
enfrentamento dos problemas ecológicos, que é a sublocação do lixo,
da poluição para os países pobres do “terceiro mundo”. Isso
significa que, além dos países capitalistas dominantes serem os
maiores poluidores do mundo (como, por exemplo, os Estados Unidos), eles
acabam tendo a capacidade de despachar os principais resíduos poluentes
por eles produzidos para os países do “sul” do planeta.
Deixemos
de lado, por ora, a discussão da questão ambiental, embora acreditemos
que ela é indispensável na composição desse quadro sobre o processo
contemporâneo de globalização. Discutiremos, então, outros aspectos
da globalização.
Gostaríamos
de destacar as principais conseqüências do modelo de globalização
vigente para os países do “terceiro mundo”, segundo Euclides André
Mance, o qual arrola vinte e cinco efeitos desse processo, dentre eles,
destacamos alguns, que reputamos como essenciais para a compreensão do
nosso tema. São eles:
1)
Incorporação de empresas de capital nacional por empresas
transnacionais em razão de não suportarem a concorrência, trazendo
por conseqüência a rápida desativação de várias unidades
produtivas em razão destes grupos transnacionais produzirem sob novos
procedimentos organizativos e com tecnologias mais avançadas;
2)
Pressão de déficits na balança comercial em razão de importação de
tecnologias para a modernização do parque produtivo, bem como degradação
do valor dos produtos de exportação e, ainda, em razão dos
instrumentos de âncora cambial adotados com a finalidade de manter
estabilidade monetária e de não afastar capitais estrangeiros que
atuam nos mercados de títulos públicos;
3)
As economias ficam dependentes dos fluxos de capital internacional,
sobre os quais não têm autonomia; os fluxos de capitais voláteis,
fictícios ou virtuais especulativos geram um clima de aparente
estabilidade econômica (que nada tem de duradoura), podendo gerar
fortes crises ao sinal seguro de alterações no câmbio ou na taxa de
juros que lhes reduza a rentabilidade;
4)
Ampliação do montante das dívidas externa e interna em razão de empréstimos
feitos para equilibrar pagamentos e rolagem de títulos;
5)
Transferência de poder, para o exterior, sobre importantes decisões
econômicas que envolvem investimentos e produção em amplos segmentos
econômicos, principalmente os setores mais modernos, que ficam
desnacionalizados em razão dos processos de privatizações;
6)
Desemprego em massa, como resultado do processo de modernização dos
setores produtivos que se realiza com a finalidade de ampliar os níveis
de produtividade e competitividade das empresas nos mercados interno e
externo, introduzindo novas tecnologias e sistemas de gerenciamento;
7)
Ampliação da informalidade e de práticas econômicas consideradas
contravenção, como contrabando, pirataria, narcotráfico, prostituição,
etc;
(MANCE, 1998)
Ao
citarmos essas sete conseqüências do processo de globalização, no
universo de muitas outras, podemos fazer uma ponte imediata com a situação
do Brasil, principalmente com o processo de inserção do nosso país
nos novos moldes do capitalismo internacional.
Esses
novos padrões instaurados pela globalização recente estão baseados
em uma ideologia neoliberal, e no plano da ação, se considerarmos tal
fenômeno de maneira mais genérica, nas práticas de desregulamentação,
liberalização e privatização dos Estados. O neoliberalismo, como
parte integrante da ofensiva do capital, ataca conquistas dos
trabalhadores conseguidas historicamente em meio a muitas lutas, o que
pode ser avaliado como uma ação palpável, de natureza objetiva; mas
comete também outro dano avassalador, que é o ataque ideológico, o
ataque à subjetividade do trabalhador.
Quanto
a essa questão da ofensiva do capital, principalmente no plano ideológico,
remeto à notável obra de Ricardo Antunes, Os sentidos do trabalho,
em que ele discute justamente o advento de um conjunto de idéias que
atingem o trabalhador em sua essência subjetiva. Nas palavras do autor,
“Opondo-se
ao contra-poder que emergia das lutas sociais, o capitalismo iniciou um
processo de reorganização das suas formas de dominação societal, não
só procurando reorganizar em termos capitalistas o processo produtivo,
mas procurando gestar um processo de recuperação da hegemonia nas mais
diversas esferas da sociabilidade. Fez isso, por exemplo, no plano ideológico,
por meio do culto de um
subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao
individualismo exacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação
coletiva e social” (ANTUNES,
1999, p. 48).
Efetivamente,
como diz Antunes, o capitalismo em sua nova forma, o neoliberalismo,
atacou o trabalhador no plano das idéias, da subjetividade, buscando
introjetar valores individualistas, que têm por objetivo fragmentar,
dividir os trabalhadores, para que eles diluam cada dia mais sua revolta
contra a opressão capitalista, perdendo, cada dia mais e o mais possível,
sua capacidade de organização e de luta.
Com
o império do neoliberalismo várias organizações sindicais aderiram
ao seu receituário,
e conseqüentemente arrefeceram seu poder de luta. Segundo Edilson José
Gracilolli, esse receituário favoreceu, nos últimos anos, a crise do
movimento sindical, que se tornou visível pela “progressiva
natureza defensiva das lutas cotidianas dos trabalhadores”, do “significativo
refluxo dos projetos anticapitalistas” e a crescente integração
dos sindicatos à ordem do capital, quadro esse que se deu praticamente
em âmbito global.
O
neoliberalismo representa a retomada do modelo liberal clássico
aplicado ao capitalismo contemporâneo. Apesar do conceito de
liberalismo político apresentar dificuldade de ser descrito
exaustivamente, é relevante relembrar que, na ótica do liberalismo clássico,
o Estado não deveria intervir na sociedade senão para garantir os
direitos à propriedade do indivíduo, ou seja, prega-se um Estado que não
se intrometa nas relações entre os homens, notadamente nas relações
econômicas.
Entretanto, nessa corrente de pensamento, admite-se, e mais do que isso,
exige-se, a intromissão estatal, pela mão da repressão, a fim de
conter conflitos que ponham sob ameaça a “ordem social”.
Sendo
assim, o liberalismo dá sustentação aos valores cultuados pelo
capitalismo, servindo de referencial teórico para as classes burguesas
clamarem, historicamente, pela não-interferência do Estado nas relações
econômicas e nas relações entre patrões e empregados. O que se prega
na teoria liberal é justamente a ausência de um Estado interventor
para que, pretensamente, possa existir uma livre-concorrência, uma
livre disputa, um aumento da eficiência e até um preço justo das
mercadorias. O que se observa, na prática, é que os líderes políticos
adeptos desse pensamento atuam, na maioria das vezes, com o intuito de
auxiliar e colaborar acima de tudo com o capital, com as classes
dominantes, relegando a uma posição absolutamente secundária as
classes trabalhadoras, que poucas vezes se beneficiam dessas políticas
liberais.
As
idéias e práticas liberais acabam quase sempre por beneficiar as
classes dominantes, visto que, para o sistema capitalista de produção,
os direitos à liberdade, à igualdade e à propriedade (e seria um
tanto quanto jocoso falarmos aqui em propriedade das classes
trabalhadoras, para além da sua própria força de trabalho) têm a sua
universalidade circunscrita, em grande parte, às leis, ou seja, ao âmbito
formal.
Os
ideais de democracia burgueses, apesar de terem sido construídos ao
longo da história através de muitas lutas e revoluções, são ideais
que hoje, mais e mais, servem bem no plano da retórica. O ideal
liberal-burguês-democrático incensa valores como igualdade e
liberdade, mas esses se tornam cada vez mais abstratos, devido à opressão
sofrida pelas classes trabalhadoras de boa parte do mundo, a falta de
emprego, miséria, violência etc, que estão conectadas ao
funcionamento perverso do próprio sistema capitalista de acumulação.
De
toda forma, o neoliberalismo se apresenta como uma retomada do
liberalismo clássico e se constitui como uma corrente teórica (e não
só teórica, mas prática) que se disseminou principalmente a partir
das décadas de 80 e 90. É claro que essa nova construção hegemônica
do pensamento político mundial se baseou em obras de teóricos que
defendiam o “Estado mínimo”, o Estado como um agente que deveria se
recolher ao máximo, transferindo a tomada de decisões, de forma
crescente, para o plano privado e repassando serviços básicos estatais
para as mãos de empresas particulares, deixando assim a sociedade sob a
égide da “eficiência” e da “livre concorrência”.
Como
exemplo de teórico que forneceu embasamento para a ideologia
neoliberal, destacaríamos aqui F.A. Hayek, autor dos mais conhecidos
entre os que professam esse credo. Hayek
desempenhou papel importante ao sair em defesa de um Estado reduzido e
apontar as deficiências do planejamento estatal. Ganhador do Prêmio
Nobel de Economia em 1974 pela sua obra mais conhecida, O caminho da
servidão, nela ele faz críticas ferrenhas, embebidas de ironia, ao
modelo de planificação socialista. Ao criticar esse modelo, Hayek
defende os critérios para uma sociedade baseada na livre concorrência
e praticamente na ausência do Estado como agente regulador da sociedade
(HAYEK, 1990).
Milton
Friedman, divulgador do neoliberalismo e seguidor do pensamento de
Hayek, também defende, em sua principal obra, Capitalismo e
liberdade, a redução do Estado perante a sociedade. Igualmente
vencedor do Prêmio Nobel de Economia, em 1976, Friedman admite apenas
que o Estado atue em setores que o mercado não pode fazer por si só,
ou seja, o Estado para ele deveria apenas funcionar como uma espécie de
árbitro e colocar as “regras do jogo”, com um mínimo de interferência
possível, principalmente no tocante à vida econômica.
Uma
passagem da obra de Friedman ilustra bem a concepção de Estado liberal
dos sonhos do autor:
“Um
governo que mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedade;
sirva de meio para a modificação dos direitos de propriedade e de
outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a interpretação
das regras; reforce contratos; promova a competição; forneça uma
estrutura monetária; se envolva em atividades com relação ao monopólio
técnico e evite os efeitos laterais considerados como suficientemente
importantes para justificar a intervenção do governo; suplemente a
caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se
trate de um insano ou de um louco; - um tal governo teria evidentemente,
importantes funções a desempenhar” (FRIEDMAN, 1977, p.38).
No
universo teórico proposto por ambos os autores, o Estado cumpre
economicamente a função de atuar em setores que não interessam ao
mercado, ficando responsável pela garantia de direitos mínimos,
abandonando a sociedade, quanto ao mais, em função de uma regulação
gerida pelos fatores econômicos de livre concorrência. A afirmação
de Friedman, segundo a qual “o liberal consistente não é um
anarquista” (FRIEDMAN, 1977, p.38) é bem sugestiva, ou seja, o
Estado, para os liberais não é de todo ausente, pois deve atuar para
garantir a “ordem”, a livre atuação do mercado e, por último, mas
não em último lugar, garantir a propriedade. Não é à toa que
Friedman e Hayek foram ganhadores do Prêmio Nobel de Economia!
Outra
corrente teórica que se coloca na discussão contemporânea é a do filósofo
John Rawls, que por vezes é confundida vulgarmente com uma teoria
liberal. Rawls, em sua Teoria da justiça, aponta para uma teoria
social baseada no que ele chama de “justiça como eqüidade”. Ele
procura, de fato, elaborar uma teoria da sociedade, uma teoria da
igualdade, algo mais amplo que simplesmente uma teoria de governo ou uma
teoria do poder.
Assim,
para estabelecer o lugar de Rawls no debate contemporâneo poderíamos
fazer uma espécie de quadro comparativo entre o seu pensamento e o de
outras correntes em determinadas épocas. Entre os aristocratas e os
liberais dos séculos XVII e XVIII, Rawls ficaria entre os liberais,
entre os socialistas e os defensores da democracia formal dos séculos
XIX e XX, Rawls ficaria entre os socialistas; e atualmente, entre os
liberais conservadores e os progressistas, Rawls ficaria com os
progressistas.
Ele
se situa justamente na ponta oposta aos liberais conservadores como
Hayek e Friedman, e defende uma teoria que poderia ser chamada de
liberal-igualitária, mais identificada com a atuação do Estado em
diversos setores da sociedade com o intuito de garantir à população
direitos básicos, baseados em princípios de uma “justiça como eqüidade”.
Nesse sentido, ao falar da teoria rawlsiana, definiríamos o seu
pensamento mais como da defesa de uma social-democracia eficiente, que
minimizaria os efeitos do capitalismo por meio da participação do
Estado que buscasse assegurar garantias democráticas e preceitos de
igualdade.
Fechando
este grande parêntesis sobre a produção teórica de caráter
neoliberal e a hegemonia ideológica do neoliberalismo no contexto da
reorganização do capital em face da situação contemporânea, podemos
elencar alguns fatores essenciais sobre as dimensões da crise
estrutural com que o capitalismo se deparava a partir da década de 70.
Sobre esse assunto nos remetemos mais uma vez a Ricardo Antunes, que
discute os fatores fundamentais que levaram ao declínio o modelo de
acumulação capitalista baseado nas técnicas de produção
fordista/taylorista, até então dominantes.
Antunes
considera que “após um longo período de acumulação de capitais,
que ocorreu durante o apogeu do fordismo e da fase keynesiana, o
capitalismo, a partir do início dos anos 70, começou a dar sinal de um
quadro crítico” (ANTUNES, 1999, p. 29) Sobre o modelo de produção
taylorista/fordista esse autor salienta:
“De
maneira sintética, podemos indicar que o binômio taylorismo/fordismo,
expressão dominante do sistema produtivo e de seu respectivo processo
de trabalho, que vigorou na grande indústria, ao longo praticamente de
todo o século XX, sobretudo a partir da segunda década, baseava-se na produção
em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de
uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada”
(ANTUNES, 1999, p. 36).
Mais
à frente ele chama a atenção para elementos importantes desse modelo:
“esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla
da produção em série fordista com o cronômetro taylorista,
além da vigência de uma separação nítida entre elaboração
e execução”
(ANTUNES, 1999, p. 37).
Antes
de continuar com Antunes, que na seqüência nos apresentará os traços
mais evidentes do quadro da crise do capitalismo, façamos aqui também
um pequeno parêntesis para definirmos o que veio a ser o modelo
keynesiano e qual a sua relação com o capitalismo do século XX.
Sobre
esse tema apresentamos aqui alguns aspectos discutidos por Przeworski,
para quem, até a década de 1930, os social-democratas não dispunham
de nenhuma política econômica própria. Segundo o autor, “a única
teoria econômica da Esquerda era aquela que criticava o capitalismo,
afirmava a superioridade do socialismo e conduzia a um programa de
nacionalização dos meios de produção.” (PRZEWORSKI, 1989, p.
52).
Przeworski
considera
que logo que os social-democratas descobriram as idéias de Keynes,
baseados principalmente na publicação de sua Teoria geral, eles
acharam algo de que precisavam urgentemente, “uma política econômica
para a gestão de economias capitalistas.” Daí considerar que a
chamada revolução keynesiana “forneceu aos social-democratas um
objetivo e, com isso, a justificativa para seu papel no governo,
simultaneamente transformando o significado ideológico de políticas
distributivas que favoreciam a classe trabalhadora” (PRZEWORSKI,
1989, p. 52).
Esse
autor ressalta ainda que
“Os
social-democratas suecos descobriram que o desemprego podia ser reduzido
e a economia inteira revigorada se o Estado instaurasse políticas anticíclicas,
permitindo déficits para financiar obras públicas produtivas durante
as depressões e saldando as dívidas nos períodos de expansão. A
sociedade não estava à mercê dos caprichos do mercado capitalista, a
economia podia ser controlada e o bem-estar dos cidadãos continuamente
intensificado pelo papel ativo do Estado - essa era a nova descoberta
dos social-democratas” (PRZEWORSKI, 1989, p. 53)
A
partir das considerações desse autor, podemos afirmar que o modelo
keynesiano foi o modelo econômico adotado historicamente pelos governos
social-democratas, que em seu período de vigência procurou minimizar
os efeitos devastadores do capitalismo com políticas compensatórias
por parte de um Estado que se configurava como ativo no tangente ao
atendimento de necessidades básicas da população e na adoção de políticas
voltadas para o ideal do pleno emprego. A adoção das idéias
keyneisanas levou, portanto, os social-democratas a desenvolverem uma
ideologia abrangente do “Estado do bem-estar”, instaurando, por
assim dizer, um projeto que, “na verdade implicava um
compromisso fundamental com aqueles que ainda eram denunciados como
exploradores, mas era economicamente viável, socialmente benéfico e,
talvez mais importante, politicamente praticável sob as condições
democráticas” (PRZEWORSKI, 1989, p. 55)
Depois
de definirmos, em suas linhas mais gerais, os aspectos principais do binômio
fordismo/taylorismo e do modelo keynesiano, termos recorrentes no
assunto em pauta, retornemos à análise sobre os traços de esgotamento
do capitalismo atual desenvolvida por Antunes. O autor enumera seis
fatores:
“1)
queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo
aumento do preço da força de trabalho, conquistado durante o período
pós-45 e pela intensificação das lutas sociais dos anos 60, que
objetivavam o controle
social da produção. A conjugação desses elementos levou a uma
redução dos níveis de produtividade do capital, acentuando a tendência
decrescente da taxa de lucro;
2)
o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção
(que em verdade era a expressão mais fenomênica da crise estrutural do
capital), dado pela incapacidade de responder à retração do consumo
que se acentuava. Na verdade, tratava-se de
uma retração em resposta ao desemprego estrutural que então
se iniciava;
3)
hipertrofia da esfera
financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos capitais
produtivos, o que também já era expressão da própria crise
estrutural do capital e seu sistema de produção, colocando-se o
capital financeiro como um campo prioritário para a especulação, na
nova fase do processo de internacionalização;
4)
a maior concentração de capitais graças às fusões entre as empresas
monopolistas e oligopolistas;
5)
a crise do welfare
state ou do "Estado do bem-estar social" e dos seus
mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado
capitalista e a necessidade de retração dos gastos públicos e sua
transferência para o capital privado;
6)
incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às
desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos
mercados e da força de trabalho, entre tantos outros elementos contingentes
que exprimiam esse novo quadro crítico” (ANTUNES, 1999, p. 29).
Mais
à frente Antunes acrescenta outros elementos a respeito da crise
estrutural do capital, ao citar Robert Brenner:
“o
grande deslocamento do capital para as finanças foi a conseqüência da
incapacidade da economia real, especialmente das indústrias de
transformação, de proporcionar uma taxa de lucro adequada. Assim, o
surgimento de excesso de capacidade e de produção, acarretando perda
de lucratividade nas indústrias de transformação a partir do final da
década de 1960, foi a raiz
do crescimento acelerado do capital financeiro a partir do final da década
de 1970. (...) As raízes da estagnação e da crise atual estão na
compressão dos lucros do setor manufatureiro que se originou no excesso
de capacidade e de produção fabril, que era em si a expressão da
acirrada competição internacional” (ANTUNES,
1999, p. 30)
É
a partir desse panorama que podemos chegar a compreender o alcance da
ideologia neoliberal como uma resposta do capitalismo à sua própria
crise estrutural, que se configurou como uma alternativa político-ideológica
às barreiras impostas pelo seu desenvolvimento histórico devido ao seu
próprio caráter contraditório, e que veio acompanhada da privatização
dos Estados, da flexibilização
dos direitos do trabalho e do desmonte do setor produtivo estatal.
A
isso tudo somou-se também a intensificação do “processo de
reestruturação da produção e do trabalho com vistas a dotar o
capital do instrumento necessário para tentar repor os patamares de
expansão anteriores” (ANTUNES, 1999, p. 30).Além desse fatores
explicitados por Antunes, configurou-se no plano da ação um encontro
– o chamado Consenso de Washington - que visava determinar as metas a
serem cumpridas nesse novo contexto em que o capitalismo se meteu a
partir dos anos 70 e serviria para afinar ideologicamente o discurso que
se tornaria hegemônico.
Sendo
assim, para entendermos bem o significado do neoliberalismo não podemos
deixar de falar um pouco sobre o famoso “Consenso de Washington”,
instrumento marcante para a difusão não somente das idéias
neoliberais, mas também das políticas a serem executadas pelos
governantes dos países periféricos que acataram esse modelo.
Tal
“consenso” foi produto de um encontro ocorrido no ano de 1988 entre
economistas de diversos países, de perfil liberal, funcionários do FMI
(Fundo Monetário Internacional), BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), Banco Mundial e do governo norte-americano. Essa reunião
visava avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da América
Latina. John Williamson, economista inglês e diretor do instituto
promotor do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como
consensuais entre os participantes. Foi ele também que criou a expressão
“Consenso de Washington”, através da qual ficaram conhecidas as
conclusões daquela reunião, resumidas nas seguintes regras
“universais”:
“1.
Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à
arrecadação, eliminando o déficit público; 2. Focalização dos
gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura; 3. Reforma
tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária,
com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos
impostos diretos; 4. Liberalização financeira, com o fim de restrições
que impeçam instituições internacionais de atuar em igualdade com as
nacionais e o afastamento do Estado do setor; 5. Taxa de câmbio
competitiva; 6. Liberalização do comércio exterior, com redução das
alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a
impulsionar a globalização da economia; 7. Eliminação de restrições
ao capital externo, permitindo investimento externo estrangeiro; 8.
Privatização, com a venda de empresas estatais; 9. Desregulação, com
redução da legislação de controle do processo econômico e das relações
trabalhistas; 10. propriedade intelectual”
(NEGRÃO, 1998)
As
conclusões do “consenso”, embora à primeira vista tivessem apenas
um valor de simples recomendação, acabaram servindo de receituário
imposto por agências de concessão de crédito internacionais, como o
FMI e o Banco Mundial, a fim de que os países subdesenvolvidos
conseguissem empréstimos. Para tanto estes deveriam se adequar às
regras definidas pelo “consenso”. Como se sabe, essas agências
internacionais estão quase que tão-somente ligadas a países ricos e
dominantes economicamente, principalmente aos Estados Unidos.
O
“Consenso de Washington” foi um dos instrumentos de dominação dos
países hegemônicos, com os Estados Unidos à frente, para que países
subdesenvolvidos como o Brasil pudessem se inserir nos novos padrões do
capitalismo contemporâneo, a famosa globalização da economia, de
maneira periférica, e para que se continuasse a garantir as formas de
dominação e exploração global convenientes ao imperialismo.
Caminhando
para o fim deste trabalho, vale a pena frisar, resumidamente, alguns
pontos fundamentais pertinentes ao tema debatido. Vimos que o cenário
internacional do início dos anos 80/90 foi marcado pela crescente
hegemonia do ideário neoliberal como modelo de ajuste estrutural das
economias e pela reafirmação do domínio político e militar dos
Estados Unidos, com o fim da guerra fria e o colapso do chamado
socialismo real do Leste Europeu e na antiga URSS.
O
modelo neoliberal vem dentro desse contexto sendo adotado a partir dos
anos 80, em países ocidentais que têm como principal característica o
afastamento do Estado em relação à gestão de diversos setores da
economia. Nesse contexto o neoliberalismo diferencia-se do liberalismo
clássico quanto à circulação internacional de bens e capitais e também
em relação à preocupação em se formar blocos econômicos, que, sob
a justificativa de maior facilidade na circulação da produção, cria
verdadeiras fortalezas protecionistas em torno das economias mais
fortes.
Podemos
considerar como inauguradores do modelo neoliberal os governos de
Margareth Tatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos Estados Unidos,
no início dos anos 1980, quando ocorrem profundos cortes de
investimentos sociais, internamente, e percebe-se uma grande preocupação
com a formação de blocos econômicos que ajudem a suprimir gastos com
a circulação de produtos e capitais. No entanto, os setores estratégicos
das economias norte-americana e inglesa continuam apoiados em medidas
protecionistas.
Para
que essas metas neoliberais fossem ao menos em parte atingidas fez-se
necessário que os organismos institucionais ligados aos países hegemônicos
realizassem o “Consenso de Washington”, que, acabou por ditar políticas
a governantes conservadores, de perfil liberal, com o intuito de fazer
as mudanças supostamente necessárias para se modificar o papel do
Estado frente à sociedade, sob o argumento de que elas seriam
imprescindíveis para a inserção de seus respectivos países no mundo
contemporâneo globalizado.
Essas
idéias neoliberais estenderão sua influência sobre a política
interna brasileira, acima de tudo nos dois mandatos do Governo FHC. Para
tanto contarão não só as tendências globais, mas também os diversos
fatores internos que contribuíram para a mudança significativa da relação
entre Estado e sociedade no Brasil, especialmente na década de 90. Mas
esta é uma outra história que fica para uma outra vez.
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Acessado em julho 2003.