Ano I - Nº 01 - Maio de 2001 - Bimensal - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178

 

A propósito do  texto “História e paradigmas rivais” de Ciro Flamarion Cardoso

 

Magna Maria da Silva1

 

 

Resumo: Este artigo faz apontamentos sobre a atual discussão que envolve a História, suas teorias e seus métodos, tendo como pano de fundo a produção teórica de Ciro Flamarion Cardoso. A crise de paradigma nas ciências sociais particularmente a história é especialmente enfocada.

Palavras chave: Teoria, História, Ciro Flamarion Cardoso, crise paradigmática.

Ciro Flamarion Cardoso pode ser considerado um historiador de renome mundial2 e, no campo da epistemologia da História, tem produzido livros e artigos que vem fomentar as discussões e o debate historiográfico. Neste contexto, sempre vale destinar um olhar mais atencioso para sua produção teórica e, refletir a luz de suas conclusões. Não perdendo de vista a complexidade do tema, não é nossa intenção aqui realizar uma análise mais densa sobre a problemática, nossa abordagem tem por limite as seguintes finalidades: caracterizar brevemente alguns aspectos que na perspectiva do autor desencadeiam o processo de mudança de paradigma nas ciências sociais; particularizar os efeitos desse deslocamento no campo da história-disciplina; e apontar as conclusões de Ciro F. Cardoso quanto ao desvendamento de um paradigma pós-moderno “ideal”.O texto parte da premissa que estamos vivendo neste limiar do século XXI uma crise de civilização e que, é fruto do período de transição em que se encontra a sociedade contemporânea, colocado em xeque seus pilares modernos esta tenta se equilibrar no terreno movediço da pós-modernidade e, nesse percurso são vários os percalços com que as ciências naturais, sociais e humanidades se deparam.

Para nosso autor o que caracteriza a crise de paradigmas no campo das ciências sociais em particular na disciplina histórica é a discussão acerca do conceito de civilização e cultura. Para explanar a afirmação estabelece considerações entre duas vertentes que analisam esta questão: á francesa e a alemã. Na vertente francesa o conceito de civilização é visto em uma perspectiva evolucionista e otimista “as civilizações seriam altas culturas”, ou seja, a civilização estaria no topo do desenvolvimento social (selvageria – barbárie – civilização) e, essa culminação de etapas era considerada positiva. A vertente alemã valoriza a cultura em detrimento da civilização. Postula que a cultura designa os costumes específicos de sociedades, principalmente de grupos pequenos de transformação mais lenta que a “civilização” urbana.

Não se pode negligenciar essa oposição de perspectiva entre as posições francesa e alemã quando se pretende entender a crise paradigmática e a Escola de Frankfurt, é fundamental para Ciro F. Cardoso essa discussão à medida que é justamente desse embate que se configura o esboço de um novo paradigma que, relutante convencionou chamá-lo de paradigma pós-moderno. Ainda nesse viés define o deslocamento de paradigma na área das humanidades e das ciências sociais como sendo uma vitória da visão alemã.

A história (enquanto disciplina) também é afetada por essa nova concepção de cultura e civilização, o que desencadeia uma nova forma de abordagem e uma nova concepção do objeto dentro da ciência histórica. O texto coloca nesse sentido que, a preocupação central dos trabalhos historiográficos pautados nessa concepção é a “diversidade dos objetos e a alteridade cultural, entre sociedades e dentro de cada uma delas”.

O paradigma que essa corrente ao se ascender vem combater ou bater de frente é aquele que se firmou sobre o historicismo3, é o paradigma que prega a razão e o método cientifico das ciências naturais para as ciências sociais.Ciro Flamarion Cardoso concebe tal paradigma como “moderno” ou “iluminista”. Os historiadores inscritos nessa corrente analítica escrevem uma história “que pretendem cientifica e racional (...) voltam-se sempre para a inteligibilidade e a explicação, trata-se de uma história analítica, estrutural” (Cardoso, 1997). O marxismo e a Escola dos Annales são os grandes expoentes desse enfoque teórico no campo da história.

Esse paradigma entra em crise após a Segunda Guerra Mundial e, sobretudo em finais dos anos sessenta, quando há um certo desencantamento não apenas de intelectuais mas, da sociedade como um todo com relação aos modelos explicativos que não davam conta de explicar o que se configurava (Souza, 1999). Nesse sentido, as críticas direcionadas ao paradigma “moderno” se fundamentam na história do século XX, “armas químicas e atômicas, o nazismo, guerras mundiais e genocídios, destruição do meio ambiente, uso das tecnologias modernas no sentido da desumanização e da massificação” criaram uma atmosfera propícia ao questionamento do comprometimento social da ciência moderna (Cardoso, 1997).

No campo temático as críticas que balançaram o paradigma “moderno” nos domínios da historia foram, as relacionadas à posição marginal que essa concepção relegava o indivíduo, o subjetivo em detrimento de uma obsessão pelo que é estrutural e transindividual. No sentido do texto o período pelo qual passamos não é adequado a qualquer visão holística do social o que, reflete decisivamente na disciplina histórica ao pressupor que não há sentido na história.

O novo modelo de abordagem que se convencionou chamar de pós-moderno4 reflete-se nos estudos históricos, a noção que correntemente se aceita nesse modelo e que melhor explicita na análise de Ciro Flamarion Cardoso o que seria a história-disciplina no interior desse paradigma é a seguinte: “a história é um discurso mutável e problemático – ostensivamente a respeito de um aspecto do mundo, o passado – produzido por um grupo de trabalhadores cujas mentes são de nosso tempo e que fazem seu trabalho em modalidades mutuamente reconhecíveis que são posicionadas epistemológica, ideológica e praticamente; cujos produtos, uma vez em circulação, estão sujeitos a uma série de usos e abusos” (Cardoso, 1997),  não há História, há histórias. Não se pretende criar modelos explicativos menos ainda, modelos explicativos globais, o que se privilegia no paradigma pós-moderno é a multiplicidade de interpretação.

Esse modelo parte da premissa que as ciências sociais são objetivamente diferentes das ciências naturais e, portanto seus métodos devem seguir a mesma lógica, tais ciências necessitam de métodos, técnicas, teorias que, sejam absolutamente próprios e que, possam dar conta de suas especificidades levando em consideração toda a complexidade de seu objeto e a subjetividade do pesquisador.

A Escola de Frankfurt é a principal irradiadora dessa nova ordem no campo epistemológico da história, Ciro Flamarion Cardoso abre parênteses e coloca sua posição perante essa corrente no tocante a pretensão desta em reivindicar uma posição de continuidade dos “Annales”, esclarece que com a saída de Fernand Braudel da revista Annales esta toma rumos sensivelmente diferente que, num determinado momento se torna Escola de Frankfurt. Sua critica postula que há um corte no desenvolvimento da tendência “Annales” e, o que se chama de terceira geração dos “Annales” não seria uma continuidade, mas antes uma ruptura, em outras palavras, a Escola de Frankfurt não se configura na terceira geração dos “Annales” na perspectiva do autor. Isto posto, guarda o termo “Nova História” para a produção historiográfica dos adeptos da tendência frankfurtiana para distinguir dos trabalhos “analíticos” (grifo meu).

Agora, para arranjar a proposta inicial deste texto vamos procurar de maneira breve projetar a melhor alternativa para a História nesse contexto de crise no recorte do autor.

A crise paradigmática no campo da História está associada à utilização de modelos explicativos rígidos que, para se firmar enquanto paradigma dominante marginalizava toda e qualquer forma de conhecimento que fugisse de suas balizas teóricas, um paradigma que na pós-modernidade se desejar dominante deve antes de tudo ser democrático e estar disposto a dialogar com outras posições teóricas. É esse o ideal de paradigma dominante para Ciro Flamarion Cardoso, ou seja, não “dominar”.

A crítica que o texto estabelece aos novistoristas esta relacionada ao fato de que estes na tentativa de estruturar suas posições acabam cometendo os mesmos erros que, num passado remoto criticavam ostensivamente, as limitações causadas pela “ditadura” do rigor formal foram superadas mas, as limitações causadas pela busca interpretativa culturalmente contextuada impedem o desenvolvimento da ciência histórica assim como as limitações anteriores. Nas palavras do autor: “As ciências sociais, entre elas a história, não estão condenadas a escolher entre teorias determinista da estrutura e teorias voluntaristas da consciência (...) nem a passar de uma ciência freqüentemente mal conduzida – comprometida com teorias defeituosas da causação e da determinação e com uma análise estrutural unilateral – às evanescências da "desconstrução” e ao império exclusivo do relativismo e da microanálise” (Cardoso, 1997), os horizontes vão se abrir, nessa perspectiva, depois que a poeira baixar e, se descortinará uma gama de possibilidades que, proporcionará a disciplina histórica reavaliar suas teorias a luz de uma nova consciência que preze a configuração de saberes e não sua  hierarquização. 


Notas:

1 Graduada em História pela Universidade Estadual de Maringá. Participante do programa de Especialização em História e Sociedade da mesma Instituição. E-mail: magna-mag@bol.com.br

2 Cf. Funari, 1995: 171-2; Cardoso está ao lado, por exemplo, de R. Chartier, G.G. Iggers e J. Kocka na organização do II Congresso Internacional “História em Debate”, realizado em julho de 1999, em Santiago de Compostela.
3 Corrente historiográfica que prega o método estritamente hermenêutico ou interpretativo, se apresentou como dominante sobretudo no século XIX.
4 O termo é usado a contra gosto por vários autores, entre eles Cardoso. Colocam  que o termo não é o mais adequado mas que, expressa bem o momento de transição em que se encontra a sociedade contemporânea.  

 

Referências Bibliográficas

 

CARDOSO, Ciro Flamarion. História e paradigma rivais. In: Cardoso & Vainfas, 1997.

_______. Narrativa, sentido, história. Campinas, SP: Papiros, 1997.

FALCON, Francisco. História das Idéias. In: Cardoso & Vainfas, 1997.

FREITAS, José Vicente de. “Algumas considerações sobre a crise paradigmática nos quadros da sociedade contemporânea”. In: Cultura histórica em debate. São Paulo, 1994.

SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. Cortez. Rio de Janeiro, 1999.