Ano I - Nº 01 - Maio de 2001 - Bimensal - Maringá - PR - Brasil - ISSN 1519.6178

 

Percepção da sociedade quanto ao Estatuto da Criança e do Adolescente  

 

Maisa Aparecida Santini & Maysa Senise Soda*

 

 

No que diz respeito à promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter uma legislação bem construída nesta área .

Porém , certas falhas existiram no passado , havendo uma evolução gradual através das diversas constituições pelas quais já passamos .

Fazendo–se um retrospecto destas constituições no que concerne aos direitos da criança e do adolescente , chegamos a certas constatações . A constituição de 1824 não faz a mínima menção a assunto tão relevante .Apenas o art.179 ,XXXII  vem regular a educação primária como sendo obrigatória , não sendo necessariamente só para crianças . No Império a proteção a criança e ao adolescente passou despercebida .

Nossa primeira constituição Republicana , de 1891 , também não faz menção a proteção à criança , talvez devido a estrutura extremamente patriarcalista da época . O art.78 traz implicitamente a possibilidade de se ter a proteção à criança pois diz que direitos e garantias consagrados na constituição não excluem outros não expressos no texto .

Temos na constituição de 1934 , pela primeira vez , normas de amparo à criança, isto se deve ao forte sentimento nacionalista desta constituição .Ela estatui ser dever da União , Estados e Municípios amparar as crianças destinando a estas 1% de suas rendas.   O  art.121 , preocupando-se com a produção , proibiu o trabalho ao menor de 14 anos.

 A “polaca”, constituição de 1937, seguindo uma linha fascista veio dar proteção na área da saúde , seria competência da União assegurar condições físicas e morais de vida à criança .

No art.167 inciso X da constituição de 1946 , há uma proibição ao trabalho aos menores de 14 anos e até aos 18 anos se tratando de indústrias insalubres e trabalhos noturnos . O art.164 garante a assistência à infância e à adolescência , e o amparo às famílias de prole numerosa.

A constituição de 1969 , mais autoritária , reduziu para doze anos a idade mínima de trabalho. Seu artigo que  viria contribuir para a proteção da criança não foi regulamentado .     

Nossa atual constituição , que data de 1988 , veio elevar crianças e adolescentes à categoria de cidadãos . O art.227 , que diz ser de competência da família , da sociedade e do Estado assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes , foi regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90) . Este supera de vez o desgastado modelo da doutrina da situação irregular substituindo-o pelo enfoque da proteção integral . O mais notável nesse processo de mudança foi que ele não resultou , como é freqüente acontecer nesses casos , do trabalho isolado de um grupo seleto . Tanto o artigo constitucional como a lei que o regulamenta foram produzidos no seio de um extraordinário processo de mobilização ética , social e política , que envolveu representantes do mundo jurídico , das políticas públicas e do movimento social .

O que temos hoje são diferentes visões quanto ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), sendo criticado em vários aspectos .Muitos acabam por advogar o retorno ao panorama anterior a redemocratização.

Imputabilidade Penal

O art.228 da Constituição Federal consolidou a inimputabilidade dos menores de 18 anos, deferindo a esses infratores a observância de norma especial , consubstanciada na Lei 8069/90 (ECA) , especificadamente em seus artigos 2º e 104.

Este tema vem sendo bastante debatido nos últimos meses , devido a um projeto de lei que propõe a diminuição da maioridade penal para os 16 anos .

Esta idéia é lançada nos meios de comunicação , principalmente no televisivo , e acaba por moldar o pensamento das pessoas . A maioria acata o que escuta sem uma análise mais profunda .

Grande parte da sociedade e seguimentos policiais afirmam que adolescentes de 16 anos possuem consciência de seus atos e por isso deveriam ser punidos como adultos .

Mas , admitir que a imputabilidade ( penal comum ) aos 18 anos se baseia apenas na falta de  entendimento do caráter ilícito , anti-social ou reprovado dos crimes implica em se desconsiderar tudo o mais que envolve assunto tão relevante.

A criminologia (ciência ) , com base em dados , decorrentes da análise da prática do sistema penitenciário , conclui resultar inconveniente aos próprios fins de prevensão e repressão da criminalidade submeter crianças e jovens ao sistema reservado aos adultos .

Diante da delinquência juvenil temos um sistema flexível de medidas protetivas e/ou socioeducativas , capazes de proteger  educar e até punir , melhor prevenindo práticas anti-sociais  .Os adolescentes ficam submetidos a legislação própria , Estatuto da Criança e do Adolescente , nesta a punição tem caráter pedagógico , de menor duração e cumprida em estabelecimento próprio , de caráter educacional .

Todos nós sabemos que o sistema penitenciário brasileiro está falido . A pena privativa de liberdade não reeduca , muito menos ressocializa ; acaba pervertendo .

Já se comprovou que os delitos praticados por adolescentes não ultrapassam 10% de toda a delinquência . Ademais , existem milhares de mandados de prisão para serem cumpridos  , os presídios estão superlotados e há uma verdadeira massa humana de condenados aguardando vagas no sistema carcerário . 

Se aquilo que está no ECA fosse implementado , não haveria razão de se pensar em diminuição da maioridade penal . A falta de boa vontade para que isto aconteça parte já do Estado , que prefere jogar os problemas para frente do que mexer nas bases do que está errado ( FEBEM ) . Mas não depende apenas do Estado , como bem diz o ECA , depende também da sociedade e das instituições de amparo às crianças e aos adolescentes . É fácil fazer críticas quando não há um real comprometimento , achando soluções imediatistas  que apenas acabarão por agravar o problema .

Por  fim é bom lembrar que , mesmo que exista no Brasil uma enorme distancia entre a lei  a  realidade  , o melhor a se fazer para eliminar esta separação não é piorar a lei , mas melhorar a realidade . Quem sabe , pensando desta forma , poderemos um dia ver concretizado tudo aquilo que está consubstanciado no Estatuto da Criança e do Adolescente . 



* Acadêmicas do Curso de Direito – Universidade Estadual de Maringá