(O) Nada como Princípio Metafísico
na Constituição da Consciência em Sartre
Marcos
Ribeiro de Santana
Resumo
O
presente artigo tem por proposta apresentar a investigação sobre
o conceito de nada em Sartre, especificamente na obra O Ser e o Nada, definindo-o como princípio metafísico na constituição
da consciência. Destacando a crítica sartreana à tradição
metafísica, que aliás não se trata de um rompimento com ela,
mas uma adequação de conceitos e interesses. Tendo como premissa
desse estudo a possibilidade de ler o conceito de Nada como algo
subjacente à metafísica. A pesquisa inscreve-se sob o objetivo
de relatar que o nada,
em Sartre, consiste num conceito que marca a “essência” do
ser humano, na perspectiva de uma “metafísica
da negatividade”
Palavras
chave: Nada
– consciência – metafísica – existência
Abstract
The
present article has for proposal to present the investigation
about the concept of Nothing in Sartre, specifically in the work
“The Being and the Nothing”, defining it as Metaphysical
principle in the constitution of the conscience. Detaching the
Sartrean critical to
the Metaphysical tradition, that by the way is not about a
disruption with it, but an adequacy of concepts and interests.
Having as premise of this study, the possibility to read the
concept of Nothing as something underlying to metaphysics. The aim
of this paper is to
describe that the nothing, in Sartre, consists of a concept that
marks the "essence" of the human being, in the
perspective of a metaphysics of the negativities.
Keywords:
Nothing – freedom – conscience – metaphysics – existence
|
Introdução
A
obra do filósofo francês Jean-Paul Sartre, O
Ser e o Nada, tem como prioridade temática o ser; tanto que ela se
subintitula “Ensaio de Ontologia
Fenomenológica”; e se tratando de uma descrição ontológica o
foco central é o problema do ser; de modo específico, a busca do ser que
caracteriza o homem. Para o autor a realidade humana é definida como
ser-Para-si, especificamente a consciência, esta que tem o mesmo sentido
que é proposto na fenomenologia por Husserl, isto é, “toda consciência
é consciência de alguma coisa”. Desta forma, a consciência é
posicional frente aos objetos, o que faz dela uma abertura constituidora
do mundo. Porém, esta consciência não pode colocar a si mesma como
objeto de investigação, à maneira com que faz perante os objetos, o que
significa que a consciência é não-posicional em relação a si própria,
resultando que o homem não pode pensar a si mesmo, caso contrário, ele
depara com (o) nada. Sintetizando, a consciência é “cheia” de nada,
sendo definida como aquilo “que é o que não é e não é o que é”.
Isto caracteriza a realidade humana como falta, entretanto, por esse dado
faltante do Para-si que o ser humano se constitui como ser dos possíveis.
Simultaneamente a esse nada aparece a liberdade, entendida como autonomia
de escolha. Essa, a liberdade corresponde à possibilidade de ser,
proporcionando uma total responsabilidade do Para-si diante dela, tanto na
escolha de ser, como na relação com o mundo, frente aos próprios atos,
pois nada os justifica, a não ser o próprio indivíduo. Também
paralelamente a liberdade surge a angústia, como constatação de se
colocar enquanto ser (nada) livre diante das próprias possibilidades.
Assim, para Sartre o homem se define num fazer, não havendo nele nada a priori que o constitua,
mas apenas a liberdade, que o possibilita criar a si mesmo.
Desta
forma, o homem existe primeiro como ser livre (nada) para depois se
definir; daí a máxima sartreana de que a “existência precede a essência”
e o nada, neste contexto, aparece como fator importante para essa definição. Assim, o presente texto transita a investigação sobre o conceito
de nada, em Sartre, de modo especial “O
Ser e o Nada”, sob o signo das perguntas: o que é o homem, seu ser?
Ou: como se estabelece a identidade humana? Como o nada vem ao mundo
infestando a realidade humana? Quais as características desse nada?
1. (O)
Nada como Princípio Metafísico
Na
obra de Sartre, O Ser e o Nada,
o objetivo central é o ser que caracteriza o homem, não deixando de ter
como pano de fundo desse objetivo a metafísica. Porém, a metodologia
adotada pelo autor não pode ser confundida com a metafísica tradicional,
pois em Sartre, como em todo o pensamento existencialista,
pelo qual ele faz parte, a metafísica designa uma abordagem que se volta
sobre a totalidade da condição humana, e não há um dualismo tal como
fora pensado no decorrer da história filosófica, mas trata-se daquilo
que faz parte da própria estrutura do ser humano, algo que está no “âmago”
de seu ser. Numa outra obra, do filósofo francês intitulada Situações
II, ele comenta: “A metafísica não é uma discussão estéril
sobre noções abstratas que escapam à experiência, é um esforço vivo
para abraçar de dentro a condição humana na sua totalidade” (SARTRE,
1948, p. 251).
Assim,
a metafísica sartreana rompe com o sentido tradicional da metafísica,
desenvolvida pelas filosofias classificadas como essencialistas, que
priorizam a essência, cuja forma latina essentia
deriva do verbo esse, que
corresponde aquilo que a coisa é
em si mesma, criando a partir da busca dessa essência uma teoria do
conhecimento que acaba por estabelecer uma dualidade nos objetos cognoscíveis,
ou seja, os objetos possuem duas realidades: uma exterior, que é
caracterizada pela matéria física, que encobre uma outra realidade,
denominada interior, nesta encontra-se a essência dos objetos. O intuito
da metafísica tradicional é ir além da matéria física (exterior) para
desvelar a essência (interior) do ser, a natureza verdadeira do objeto.
A
crítica de Sartre sobre a metafísica tradicional parte de uma influência
do pensamento emergente de sua época, a fenomenologia de Husserl
(1859-1938) cujo objetivo consiste em levar a filosofia a uma “ciência
de rigor”, estabelecendo um método rigoroso de conhecimento tendo
característica marcante “voltar as coisas mesmas”, pela qual o
conhecimento se realiza pela relação entre sujeito – objeto, relação
esta anterior ao dualismo sujeito (cognoscente) e objeto (cognoscível).
Na esteira desse pensamento Sartre muda o foco da descrição fenomenológica,
situando-a na esfera da dimensão humana. Isto significa que
existencialismo sartreano é uma abordagem antropológica, ontológica de
cunho fenomenológico.
Especificamente
o rompimento de Sartre com a metafísica tradicional dá-se frente a
superação do dualismo criado por ela ao longo da história do pensamento
filosófico. Assim, a oposição entre exterior e interior, na filosofia
sartreana, perde seu fundamento, pois o objeto se apresenta com uma
realidade apenas; o exterior e o interior se eqüivalem, como também não
existe a dualidade entre ato e potência, pois, tudo é ato, não existe
uma potência, uma virtude ou passividade que possa definir um objeto. Um
outro contraste superado é o da aparência e essência; tal superação
é devida à fenomenologia, que instaura o monismo fenomênico, ou
seja, o objeto (fenômeno) é o que aparece, se manifesta na sua
totalidade, o que ele é. O que significa que a aparência revela a essência,
ou melhor, a aparência é a essência. Desta forma, a essência de um fenômeno
não é algo embutido no seio desse fenômeno,
como uma realidade oculta, mas ela é a manifestação de sucessivas aparições.
Nas palavras de Sartre: “Assim, o ser fenomênico se manifesta,
manifesta tanto sua essência,
quanto a sua aparência e não passa da série bem interligada dessas
manifestações” (SARTRE. 2002, p. 17).
Contudo,
a superação do dualismo decorrente da metafísica tradicional faz
aparecer em Sartre um outro dualismo: o finito e o infinito, o que
significa que o objeto aparece de forma única finita – é o que é –
mas o sujeito que o apreende multiplica de maneira infinita os vários
pontos de vista sobre essa forma finita.
Nesta
perspectiva, o fenômeno sendo aquilo que se manifesta, o sujeito que o
apreende tem uma certa compreensão desse fenômeno. Havendo em Sartre a
distinção entre fenômeno de ser,
que aparece diretamente em várias formas, o que remete para além de si
próprio uma aparição do ser, tendo uma característica ontológica,
exigindo enquanto fenômeno um fundamento transfenomenal; e o ser
do fenômeno que está voltado à transfenomenalidade do ser e se
constitui como chave de compreensão do aparecer do fenômeno, em que ele
escapa à condição fenomenológica, mas fundamenta o conhecimento que
dele se tem.
Com
relação ao tratado de ontologia fenomenológica, Sartre define o ser em
três dimensões existenciais: o ser Em-si (mundo dos objetos); o
ser-Para-si (realidade humana) e o ser-Para-outro (que diz respeito às
relações sociais).
O
Em-si, que se refere ao mundo das coisas, dos objetos é um ser opaco a si
mesmo, não tendo nenhuma relação com o outro Em-si, não é um derivado
possível, nem um ser necessário: é um ser contingente, definido por Sartre em três
características: “O ser é. O ser Em-si. O ser é o que é”.(SARTRE,
2002, p.40). Em suma, o Em-si
é absolutamente idêntico a si mesmo, identidade pura não havendo nele
nenhuma atividade ou passividade; afirmação ou negação; interior ou
exterior; é fechado em si mesmo. Sendo ele um objeto que transcende a
consciência, pela qual ele não é (consciência), nem habita nela, pelo
contrário, está fora dela, sendo um
ser intransponível para a consciência. O que significa que, o
conhecimento do mundo dos objetos é nulo, o que faz do conhecimento,
segundo Sartre,
ser negatividade pura, no sentido de não acrescentar nada ao Em-si,
apenas o sujeito tem consciência desse objeto transcendente (Em-si), um
conhecer na perspectiva de que “há um ser”. Assim, o conhecimento em
Sartre, embora seja intuitivo, é apenas uma abertura da consciência ao
objeto, ele comenta, por exemplo, que uma mesa não está na consciência
nem a título de representação, “está ai” num determinado espaço,
perto de algo (janela, cortina, etc.), o que faz com que esta abertura
seja uma relação posterior, da consciência com o objeto (mundo); em que
ela é apenas um deslizamento para os objetos, havendo para com eles uma
relação de negatividade. O que resulta na designação do objeto como
aquilo que não é a consciência, significando que a relação originária
de abertura (há um ser) é definida sempre como negatividade; daí o
conhecimento ser pura negatividade.
Diante
do Em-si está o Para-si, que para Sartre é a consciência. Dito de outra
forma, o ser do ser humano antes de ser designado como Para-si, era plena
positividade, plena identificação consigo mesmo, um Em-si, que por
ventura decaiu em processo de nadificação,
que rumou ao Para-si. Contudo, esta nadificação é a própria interrogação
de si sobre si, que resulta que a descompreensão do ser Em-si ao Para-si
é dado pelo ato da interrogação do Em-si diante de si próprio. Esse
desgarramento do ser em relação a si, esta separação é proporcionada
pelo nada. Sartre descreve:
(...)
o nada é esse buraco no ser, essa queda do Em-si a si, pela qual se
constitui o Para-si. Mas essa queda não pode ‘ser tendo sido’ salvo
se a sua existência emprestada for correlata a um ato nadificador do ser.
Esse ato perpétuo pelo qual o em si se degenera em presença a si é o
que denominaremos de ato ontológico. O nada
é o ato pelo qual o ser coloca em questão seu ser ou seja,
precisamente a consciência ou Para-si.(SARTRE. 2002, p.127/128)
Desta
forma, é colocando o si do Em-si diante de si que teve a queda da sua
existência ao Para-si. Em letra sartreana “o Em-si é, para perder-se
em Para-si.” (SARTRE. 2002, p.131). Assim, o Para-si é o Em-si que se
perdeu ao fundamentar-se como consciência, esta que tem como característica
colocar-se frente a si mesma. Sartre destaca: “(...) a consciência é
um ser para o qual, em seu próprio ser, está em questão o seu ser
enquanto este ser implica outro ser que não si mesmo” (SARTRE. 2002,
p.35).
Pelo
fato de ser Para-si, a consciência pergunta por si, obtendo seu próprio
ser consciente devido a sua capacidade de nadificação, e ao perguntar
ela depara com o vazio absoluto, ou seja, o Nada de seu ser. Desta forma,
o Para-si enquanto nada se constitui como um ser lançado no mundo, numa
abertura total, estando abandonado na situação, em pura contingência,
tanto ele como o mundo das coisas (Em-si). Esta contingência esvanece do
Em-si que infesta o Para-si; resultando no termo definido como facticidade. Segundo Sartre, o
Para-si também é um ser fundamentado em si enquanto falta de ser, o que
caracteriza a realidade humana como a própria falta. Este dado faltante
do Para-si é o seu possível. Isto faz com que, o Para-si – como falta
– é por si mesmo uma relação
com o mundo, negando-se e transcendendo essa negação rumo a suas próprias
possibilidades, fazendo com isso que haja mundo. Nota-se que,
a consciência não cria o mundo, apenas constata-o, fazendo que
ele se mostre tal como é.
Contudo,
todo este procedimento da consciência que se projeta é um ato de
interrogação, cujo objetivo é chegar ao seio do ser; o que presume um
ser que interroga e outro que é interrogado, resultando na espera de uma
resposta, ou especificamente em Sartre a possibilidade de uma resposta
negativa, pelo fato dela decorrer do processo de nadificação:
(...)
toda interrogação coloca por essência a possibilidade de uma resposta
negativa. Na pergunta interrogamos um ser sobre seu ser. E este modo de
ser ou esse ser está velado: fica sempre em aberto a possibilidade de que
se revele como Nada. (SARTRE. 2002, p.66)
O
que significa que nesta busca do ser chega-se ao seu núcleo, o que se
revela está rodeado pelo nada, ou melhor, um tríplice não ser: o não-saber
do sujeito que condiciona a pergunta sobre o ser; o ser transcendente e
sua possibilidade de não-saber
e o não-ser limitador,
como determinante da pergunta, ou seja, a resposta - o que o ser será,
terá como pano de fundo o não-ser. Assim a interrogação traz a existência
da negação, uma atitude atribuída
somente à realidade humana (Para-si) e não ao Em-si. Sartre sinaliza que
a negação não é apenas uma função de um julgamento próprio do
mundo, mas de todas as atitudes em face a ele, visto que, a negação está
no âmbito da consciência, como consciência de negação, não havendo
nela nenhuma categoria ou conteúdo que a habite, fazendo com que ela seja
transparente e translúcida. Neste caso, o Não aparece como consciência
(de)
ser consciência de não. Significando que o nada infesta o ser e
fundamenta a negação.
Destaca-se
que, a interrogação quem conduz ao nada, este não pode ser entendido
como um abismo que o ser se origina;
pois, o ser é anterior ao nada e o fundamenta. Assim, em Sartre o nada
pressupõe um ser para que este possa ser negado. Além de ter a precedência
lógica
é pelo ser que o nada adquire eficácia –invadir o ser.
(...)
o nada, que não é só pode ter existência emprestada: é do ser que
tira o seu ser, seu nada de ser só se acha nos limites do ser, e a total
desaparição do ser não constituiria o advento do reino do não-ser;
mas, ao oposto, o concomitante desvanecimento do nada: não há não ser
salvo na superfície do ser .(SARTRE. 2002, p.58)
Assim,
o nada aparece somente no bojo do Para-si, ele é o ser que traz em seu
coração o nada. Nas palavras de Sartre “homem é o ser o qual o nada
vem ao mundo” (SARTRE.2002, p. 67). Pois, o Em-si, como afirmado
anteriormente, é um ser totalmente fechado em si, maciço, plena
positividade, uma identidade pura, é o que é, o que impede que nele
apareça o nada, este se revela na sua força, no negativo, que segundo o
autor é o próprio Para-si, abertura total, vazio, um buraco no ser,
sendo definido como aquilo que: “é o que não é e não é o que é”.
(SARTRE.2002, p.116)
Em
suma, o nada da realidade humana advém pela interrogação que ao buscar
um ser na consciência constata o nada. Lembrando que a interrogação, em
Sartre, tem uma vertente metafísica.
Esta que é apresentada como uma abordagem que abraça de dentro a condição
humana e não uma busca de uma essência universal, mas sim algo que faz
parte da estrutura do ser humano, o que está no âmago do ser, que é (o)
nada - uma característica ontológica do Para-si. Assim delimita-se o
rompimento sartreano com a metafísica tradicional, no que se refere à
definição dela como teoria do conhecimento e todas as conseqüências
surgidas a partir dessa teoria (dualismo), que de modo geral, privilegia a
essência sobre a existência. Contudo, o pensamento de Sartre mantém-se
no cenário da metafísica, agora com conceitos e interesses diferentes,
detendo nos processos individuais (existenciais) dentro de uma
singularidade, pela qual a existência é prioritária a essência. Por
este aspecto, na descrição do nada como princípio metafísico, o
conceito princípio, não teria
o mesmo sentido da metafísica tradicional – tudo que alguma coisa por
qual modo depende – que seria em termos metafísicos a causa, o
fundamento, mas em Sartre se define como um “princípio
possibilitador”, isto é, o
que possibilita a constituição da consciência, a possibilidade de ser.
2.
(O) Nada na Constituição da Consciência
A
consciência (Para-si), em Sartre, tem o mesmo sentido que em Husserl,
isto é, toda consciência é consciência de alguma coisa; e pela
intencionalidade que lhe é própria, a consciência é posicional ao
mundo, aos objetos que estão fora dela. Sendo que a consciência apreende
os fenômenos (objetos) nos quais ser e aparência são apenas um, o que
faz com que a consciência se reconheça como absoluta,
como também existe nela a mesma constatação. Sartre define:
A
consciência nada tem de substancial, é pura ‘aparência’, no sentido
que só existe na medida que aparece. Mas, precisamente por ser pura aparência,
um vazio total (já que o mundo inteiro se encontra fora dela) por essa
identidade que nela existe entre aparência e existência, a consciência
pode ser considerada o absoluto.(SARTRE. 2002,
p.28)
E
ao mesmo tempo é consciência não posicional de si mesma. Ela não pode
se colocar como objeto de investigação, como faz com os objetos. Isto
significa que o homem não pode pensar a si mesmo. E se isso ocorrer ele
se depara como o seu nada de ser. Noutras palavras, por não abarcar seu
ser, a consciência é destituída de ser.
Para
Sartre a consciência tem consciência de si, quando tem consciência de
um objeto transcendente, ou seja, a consciência é todo tempo consciente
de si quanto esta consciente de um objeto. Assim, A prova da existência
ontológica da consciência para Sartre é que a consciência é consciência
da consciência, ou seja, ela nasce tendo por objeto um ser que não é
ela. Desta forma não existe ser para consciência fora da necessidade de
ser intuição reveladora de alguma coisa, de um ser transcendente, isto
é, consciência (nada) é revelação-revelada dos existentes. (cf.
SARTRE 2002, p. 34).
Em síntese, a consciência em Sartre se apresenta em duas
instâncias, a consciência pré-reflexiva,
não-posicional de si mesma, em que ela é um ser para o qual acha-se em
seu próprio ser, o nada; caracterizada como negatividade pura, e o que a
nadifica é a sua abertura posicional frente ao mundo, que é a consciência
reflexiva posicional ao objeto. E ao dizer que a consciência é consciência
de algo, significa afirmar que a estrutura constitutiva da consciência é
a de ser transcendência,
isto é, a consciência surge tendo como objeto um ser que ela não é.
A
conseqüência da consciência como nada é a liberdade; pois o Para-si
como nada de ser é um vazio total, totalmente livre pela qual se mover
pelas próprias possibilidades para constituir-se como ser, ou seja, é
livre porque precisamente é nada de ser (Para-si). Caso contrário, se o
ser fosse o que é (Em-si) nunca poderia ser livre, pois estaria fadado,
uma vez para sempre, de um sentido, um ser a priori antes mesmo da sua existência, um determinismo que seria a
causa de seu ser, e os motivos de seus atos. Assim, é livre porque
precisamente é nada (Para-si), e por ele que a liberdade invade o ser
humano, resultando numa consciência de liberdade. Noutras palavras, é
pelo nada que a liberdade pode fazer-se liberdade, ou melhor, segundo
Sartre projetar-se como liberdade de escolha. O que significa que
especificamente o conceito de liberdade em Sartre é definido como
liberdade de escolha.
Destaca-se
que a liberdade em Sartre não constitui como propriedade que pertença à
essência do ser humano, mas como o próprio ser do homem. Também ela
mesma não tem uma essência. Nas palavras do autor define- se:
A
liberdade humana precede a essência do homem e torna-a possível: a essência
do ser humano acha-se em suspenso na liberdade. Logo, aquilo que chamamos
liberdade não pode se diferenciar do ser da “realidade humana”. O
homem, não é primeiro para ser livre depois: não há diferença entre o
ser do homem e seu “ser-livre” (SARTRE 2002, p.68)
A
liberdade é esse buraco no ser, o nada de ser, que pressupõe o ser,
entendendo esse ser não como um Em-si pleno, fechado; e nem a sua existência
é determinada a partir do nada, o que resultaria no mesmo, fazendo dela
um Em-si. Pois o surgimento da liberdade é proporcionado pela dupla
nadicação do ser, ou melhor, ela é entendida não como um simples poder
indeterminado do Em-si ou do Nada, mas uma síntese entre o Em-si e o
Nada, que pressupõe a escolha. Esta que é absoluta, condenando o homem a
ser livre, para escolher, pois o próprio fato de não escolher, resulta
numa escolha: a de não escolher. Com efeito, a liberdade de escolha nunca
é deliberada, pois ela identifica com a consciência, resultando numa
responsabilidade pelos seus atos como também pela construção de seu
ser.
Sendo
a liberdade a própria consciência (nada), ela se revela ao ser humano
como angústia. Dessa maneira, em Sartre, o nada é que torna possível
tanto a experiência da liberdade como também a da angústia, ou seja, ao
sentir-se como nada de ser, totalmente ancorado na liberdade de escolha o
Para-si experimenta a angústia. Assim, ela aparece frente a dois aspectos
da realidade humana que estão diretamente ligados: a liberdade de
escolha, como um modo de ser da liberdade, uma influência recebida de
Kierkegaard, que apresenta a angústia como a vertigem da liberdade.
Sartre destaca: “É na angústia que o homem toma consciência se sua
liberdade, ou, se prefere, a angústia é o modo de ser da liberdade como
consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser
colocando-se a si mesma em questão.(SARTRE. 2002, p.72). E também como
captação de si mesmo, como nada de seu ser, em que aparece a influência
de Heidegger:” (...) aparece a angústia como captação de si-mesmo na
medida em que existe como modo perpétuo de arrancamento àquilo de que é;
ou melhor, na medida que o si-mesmo se faz existir como tal “(SARTRE.
2002, p. 79)”.
A
angústia, tal como a liberdade, surge num contexto de ausência de
qualquer conteúdo ou fundamento na consciência, nada que justifique uma
ação ou um motivo, havendo somente uma total liberdade de agir,
proporcionando uma total responsabilidade perante as escolhas. Em suma,
para Sartre a angústia é a consciência de si (nada de ser) diante da própria
possibilidade (liberdade) da conduta do sujeito, ou seja, o possível que
possa acontecer torna-se o possível do sujeito. Sartre comenta:
“Significa que, ao constituir certa conduta como possível, dou-me
conta, precisamente por ela ser meu possível, que nada pode me obrigar a
mantê-la”. (SARTRE 2002, p.75).
Assim,
uma consciência de liberdade é uma consciência de angústia, que
consiste numa estrutura essencial da liberdade, esta que, por sua vez, está
caracterizada pela existência do nada.
A
tentativa de fuga da angústia é denominada por Sartre como Má-Fé,
ou melhor, é uma fuga do nada de ser do sujeito, tal como fuga da
liberdade de escolha; isto é, uma
atitude de mascarar uma verdade que desagrada - a consciência como nada
de ser e como liberdade. Assim, a má-fé se caracteriza como a tendência
de estabelecer um ser na consciência nadificada do homem, ou seja, a
instauração de um ser maciço, fechado em si mesmo, instituindo uma
identidade humana, o que seria um Em-si - o ser é – , negando o não
ser da consciência – o Para-si. Como também justificar determinada
conduta, ou ato, fora da responsabilidade do próprio indivíduo. Isto
inclui também a criação de valores, que não sejam criados pelos seres
humanos, da mesma forma negar a liberdade, atribuindo o poder de decisão
de uma escolha a um outro.
Sartre
destaca que a má-fé é diferente da mentira, esta sendo uma atitude
negativa, implica no fato que o sujeito que mente está ciente da verdade
que esconde; no caso da má-fé, como afirmado acima, é uma atitude de
mascarar uma verdade que desagrada, ou seja, a consciência como um nada e
livre para escolher, apresentando um erro agradável, uma identidade de
ser, e o poder decisão atribuindo a um outro. O autor escreve: “A má-fé
tem na aparência, portanto, a estrutura da mentira. Só que – e isso
muda tudo – na má-fé eu mesmo escondo a verdade de mim mesmo. Assim, não
existe neste caso a dualidade do enganador e do enganado” (SARTRE 2002
p.94). A má-fé, é uma unidade da consciência, não é um estado e nem
está fora da realidade humana, ou seja, a consciência se afeta a si
mesma pela má-fé.
O
problema da má-fé, conclui Sartre, é o fato dela ser uma fé, ou
melhor, uma crença em que há uma adesão do ser ao seu objeto, na busca
de uma identidade, o ser que é. Assim a má-fé ameaça o projeto do ser
humano, negando o ser da consciência- é o que não é e não é o que é.
Em
suma, é partir dessa da consciência, plena de nada (falta de ser) faz
com que ela se constitua como liberdade de escolha, como angústia, como
possibilidade de construir-se a si mesmo e ao mundo, fazendo-se totalmente
responsável pelos seus atos. Dito de outra forma, é pela consciência
como nada que o ser se projeta
como ser ou como possibilidade de ser.
3. (O) Nada como “Marca” da Essência do
Ser Humano
Para
Sartre a consciência, o Para-si não é, este não ser (nada) não
significa que seja ele a essência do ser humano, se assim o fosse, o
Para-si como nada seria uma identidade petrificada, fechada em si mesmo e
plena, o que impossibilitaria o ser humano ser alguma coisa além desse
nada. O que é exatamente contrário ao pensamento do filósofo francês,
em que na realidade humana o ser se define no fazer, proporcionado pelo
agir livre. Pois como relatado anteriormente a consciência nada tem de
substancial, não existe algo determinado a priori,
que defina o que ela é, mas a consciência existe como abertura (vazio)
ao mundo. E sendo ela pura existência, enquanto nada de ser, vazio total,
ela é pura indeterminação, radicalmente livre; e por essa liberdade
movendo-se através de suas possibilidades é que procura criar algo.
Noutras palavras, o Para-si (nada) como ser livre está condenando a fazer
escolhas que lhe criem uma essência. Daí a máxima sartreana de que
existência precede a essência, cujo
significado se apresenta de maneira bem elaborada na conferência “O
Existencialismo é um Humanismo”.
Sartre comenta:
O
que significa aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa
que, em primeira instância, o homem existe, encontra-se a si mesmo, surge
no mundo e depois se define. O homem como o existencialista concebe, só não
é passível de uma definição porque de inicio é nada; só
posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer de si
mesmo. (SARTRE. 1987, p. 06)
A
definição dessa prioridade, a existência precede a essência só é cabível
ao ser humano, pois nada há a priori que defina o homem quanto à concepção de uma natureza
humana, um caráter essencial que se constitua como algo dado desde sempre
para sempre. Assim, a essência, para Sartre, surge num momento posterior
a existência, sendo ela o resultado dos atos do ser humano (Para-si),
daquilo que ele faz de si mesmo, ou seja, não é ele nada mais do que se
projeta ser. Isto significa que não existe na concepção do ser humano
idéias inatas que determine seu destino, que neste caso o homem teria
como única tarefa desvelar essa idéia para assim constituir sua vida.
Todavia, em Sartre o procedimento é outro, pois é pela ação, pelo agir
(existência) que o Para-si torna aquilo que quiser ser na sua vida, e o
que será é entendido como essência;
havendo somente a liberdade de escolha como base para constituir seu
caminho, traçar seu destino e constituir-se como ser, nas palavras de
Sartre “o homem é aquilo que ele faz de si mesmo” (SARTRE, 1987).
Contudo
para ter uma maior clareza nesta questão, é preciso deter-se no conceito
de essência, enquanto esta se refere ao ser humano
que se apresenta no pensamento sartreano de forma especial na obra “O
Ser e o Nada”, em que a essência
corresponde a tudo o que “tendo sido”
ao invés de “isso é” – aquilo que a coisa é em si mesma. Sartre
escreve: “O homem leva consigo, continuamente, uma compreensão pré-justificativa
de sua essência, mas, para isso, acha-se separado dela por um nada. A essência
é tudo que a realidade humana apreende de si mesma como havendo sido
(SARTRE. 2002, p. 79)”.
O
que significa que na busca dessa essência, nesta construção do ser o
Para-si é temporalização, ou seja, ele não é “se faz”, o que
torna um fator importante a análise da temporalidade,
que para Sartre compreende um estudo fenomenológico das três dimensões
temporais (Passado, Presente, Futuro), pela quais permitem mostrar que o
Para-si só pode ser sob a forma
temporal. Sartre comenta:
Sendo
Presente, Passado, Futuro ao mesmo tempo dispersando seu ser em três
dimensões, o Para-si, apenas pelo fato de nadificar, é temporal. Nenhuma
dessas dimensões tem prioridade ontológica sobre as demais, nenhuma pode
existir sem as outras duas.(SARTRE. 2002,
p. 198)
Destaca-se
que o tempo, para o filósofo francês, é dado pela consciência do
homem, portanto algo somente atribuído à realidade humana; assim,
escreve ele: “A temporalidade não é, mas o Para-si se temporaliza
existindo”.(SARTRE. 2002, p. 192), ou seja, a temporalidade não existe
fora da realidade humana, e como também a consciência não existe no
tempo, mas o tempo que existe na consciência.
Em
linhas gerais, analisando cada uma dessa três dimensões da
temporalidade, num tempo que se baseia no nada, tem-se o passado como não
é mais, ou seja, ele é o modo do Para-si existir como não sendo
mais, tornando-se um Em-si (é o que é). Nas palavras de Sartre “(...)
o passado que eu era é o que é,
é um Em-si como as coisas do mundo. E a relação de ser que tenho de
sustentar como passado é uma relação do tipo do Em-si, ou seja, de
identificação consigo mesmo” (SARTRE. 2002,
p 169).
Este
modo de existir é apenas uma retomada do Para-si ao passado que se
caracteriza como Em-si, fazendo que o Para-si se assuma como aquilo que foi.
E é nadificando o que foi que o Para-si constitui o passado como não-ser.
O
futuro corresponde à maneira do Para-si existir como sendo o que ainda não-é.
E através da nidificação do Presente, o Para-si projeta ao futuro como
um ainda não-ser. Dito de outra forma, é um projetar ao futuro
fundindo-se com o ser naquilo que lhe falta para este ser no futuro. Desta
forma, Sartre afirma que o futuro é um poder sê-lo. Enquanto um ainda-não.
Assim, o Para-si é separado de seu Futuro pelo nada que ele é, sendo o
futuro uma possibilidade dos possíveis como sendo um sentido do presente
do Para-si (presente), ou seja, o Para-si é uma infinidade de possíveis
com relação ao futuro, lembrando que foge de qualquer determinação.
Ele comenta:
Significa
que o futuro constitui o sentido de meu Para-si presente, como projeto de
sua possibilidade, mas não determina de modo algum meu Para-si porvir, já
que o Para-si está sempre abandonado nesta obrigação
nadificadora de ser fundamento de seu nada. (SARTRE. 2002,
p. 183)
Por
fim, o presente torna-se uma ligação entre o passado e o futuro, ele se
defini como nada, estando separado do passado enquanto não sendo mais o
que é; e do futuro como sendo o que ainda não-é, e ao mesmo tempo
permanece num instante incontável com eles, o que faz com que o presente
se misture com ambas. Sartre escreve:
(...)
o presente não é somente não-ser presente do Para-si enquanto Para-si,
este tem seu ser fora de si, adiante e atrás. Atrás era
seu passado; adiante, será seu
futuro. É fuga do ser co-presente de que era, rumo ao ser que será.
Enquanto presente, não é o que é (passado) e é o que não é (futuro).
(SARTRE. 2002, p. 177)
Em
suma, o Para-si no presente é o nada, no passado mantém uma certa
estrutura ontológica, ou seja, no passado o ser humano é algo (foi –
tendo sido) o que caracteriza o Para-si como um Em-si, pelo qual
ele foge. Sartre destaca, destaca que o Para-si é sempre fuga do
Em-si, até que este o vença, fazendo que o torne um Em-si, deixando de
existir como Para-si. Dito de outra forma, o presente é um buraco no ser
(nada) o que faz do presente uma fuga constante da ameaça de ser à
maneira do Em-si, até que este vença concretizando num Passado o
Para-si, essa vitória, segundo Sartre, é a morte “(...) porque a morte
é detenção radical da Temporalidade pela preterificação
de todo o sistema, ou, se preferirmos, a recuperação da
Totalidade humana pelo Em-si” (SARTRE. 2002,
p. 204). Quanto ao futuro, este compreende a
possibilidade do ser, no sentido de não-sê-lo, um ainda não, pois a
realidade humana é um projeto rumo aos seus fins, em que é (passado) um
porvir desse nada (presente), ou seja, este porvir enquanto possibilidade
(futuro) – numa ação no tempo rumo a seus fins. Assim é a
temporalidade que dá sentido da transcendência do ser humano,
enquanto este de princípio nada
é.
Considerações
Finais: A “Metafísica da Negatividade”
No
texto (O) Nada como Princípio Metafísico
na Constituição da Consciência conclui-se que a consciência
(presente), em Sartre, é “cheia” de nada, especificamente é
o que é não é (passado – tendo sido) e
não é o que é (futuro – ainda-não). No entanto, toda esta
estrutura do Ser e o Nada
permanece em “solo”
metafísico, pois pelo ato interrogativo, um procedimento de características
metafísicas, traz por um lado, busca o ser no mundo – o Em-si – um
objeto maciço, opaco a si mesmo não havendo nele nenhum dualismo, mas
ele aparece tal como é: uma identidade pura, plena de si; e, por outro,
uma metafísica antropológica que pela interrogação de si, o Para-si
constata (o) nada de ser. Com efeito, a metafísica em Sartre se apresenta
com algumas alterações com relação à metafísica tradicional, que se
consolida numa teoria do conhecimento que busca a essência escondida no
interior do ser; pois, para o filósofo francês, a concepção de metafísica
atém-se à reflexão centrada na descrição do homem na sua
singularidade, abraçando de dentro a condição humana, uma busca de um
“princípio” singular existencial da realidade humana e não um princípio
essencial, abstrato e universal. Esse “princípio” consiste no nada
que surge no seio do Para-si, em seu coração, não havendo a dicotomia
entre ser - essência e aparência; mas o aparecer do ser revela a
totalidade de ser. Uma consciência que se revela como vazia, estéril de
conteúdo e fértil de nada.
Desta
forma, o pensamento sartreano se apresentando como uma “metafísica da
negatividade”, visto que, esta inferência “negativa” está presente
nos interlocutores de Sartre, precisamente em Hegel e Heidegger, em que
todos invertem a concepção clássica
que define o nada como aquilo que não
tem ser, no sentido de não estabelecer na realidade (no ser) o
conceito de nada. Cabe a Hegel, no
entanto, inserir no ser esta dimensão (nada), ficando claramente explícito
na sua obra Ciência da Lógica,
em que o ser e o nada se apresentam numa contemporaneidade dialética,
como a mesma equivalência ontológica, ou seja, são idênticos. Em
Heidegger há pergunta clássica em seu pensamento: “Por que existe
afinal o ente e não o nada?”,
textualmente presente em: Que é
Metafísica?, cuja obra propõe investigar o nada, este que aparece
condicionado a transcendência se caracterizando como os limites temporais
do Dasein, o ser-ai (realidade
humana), isto é, o Dasein
emerge do nada, que significa que antes do nascimento do Dasein
ele é nada, e se totaliza completando-se diante e na morte (ser-para-morte),
tornando-se nada.
Para
Sartre, o nada não tem a mesma contemporaneidade do ser (Hegel) e nem é
o abismo pelo qual o ser emerge (Heidegger), ou seja, o nada não traz em
coração o ser, mas ao contrário, o ser (homem) traz em seu âmago o
nada, e por ele que o nada vem ao mundo, havendo, desta maneira, uma
posterioridade lógica do nada em relação ao ser. Possibilitando assim,
afirmar que em Sartre há uma “metafísica da negatividade”,
priorizando a existência (o nada de ser) sobre a essência (o fazer-se).
No entanto, a realidade humana (Para-si) mantém-se uma certa estrutura
ontológica como algo que foi
(tendo-sido) que se refere ao passado. Porém, nadifica o que foi,
projetando-se rumo a seus fins, num futuro de possibilidade de ser, ou
seja, um ainda-não (tende-sê-lo); enquanto no presente segregado no nada
de ser (tende-ser), estando separado do Passado como não sendo o que é
(foi) e do futuro como não sendo o que será (ainda-não) e ao mesmo
tempo o Para-si no presente se mistura com ambos, em que ele se apresenta
como é o que não é (passado) e não é o que é (futuro); portanto, a
realidade humana é um porvir desse nada (presente) enquanto
possibilidade, por meio da ação livre e no tempo, rumo a seus fins
(tende-ser-não-sê-lo), ou seja, um fazer-se continuo, enquanto ser
existente, sem que petrifique seu ser numa identidade plena, fechada em si
mesma, um Em-si.
Destaca-se
nesta perspectiva, que o rompimento de Sartre com a metafísica
delimita-se a esta quanto formula uma teoria do conhecimento; – numa metáfora
– o pensamento de sartreano aparece como um espelho que reflete os
conceitos da metafísica, revertendo os interesses. A primeira evidência
clara está presente na máxima sartreana de que a existência precede a
essência, o “ser não é”, “ele se faz”, tal como inversão dos
conceitos: de Absoluto, não
mais pensado como algo que é em si mesmo, uma substância – universal,
mas como algo concreto particular, singular pertencente exclusivamente à
existência humana; caindo por terra também o conceito de transcendente,
como aquilo que pertence a uma ordem de uma natureza superior, para uma
transcendência como abertura da consciência ao mundo, um sair para fora
de si posicionando-se aos objetos; também ainda num sentido figurado, a
metafísica sartreana, reflete esses objetos sem o dualismo que foi
elaborada no pensamento tradicional, salvaguardando apenas o dualismo
infinito e finito e ser do fenômeno e fenômeno de ser, mas de forma
geral o objeto é aquele que é, e como aparece.
E por fim, o terno princípio o nada não aparece como: fundamento,
uma causa primeira, conceitos presente numa metafísica essencialista,
assim não consiste na essência humana, uma identidade plena, fechada,
acabada. Caso isto ocorresse impossibilitaria o ser humano ser algo além
desse nada. Assim, o nada é caracterizado como um princípio
possibilitator na constituição da consciência, o que torna
possível à realidade humana a construção de seu ser, partir da
liberdade de escolha.
Contudo,
ao afirmar a constatação do pensamento sartreano como uma “metafísica
da negatividade”, de maneira alguma não pode ela ser entendida num
sentido pejorativo e pessimista, ou de um niilismo reativo, mas a constatação
da total liberdade dos ser humano em escolher, em se fazer em meio a sua
situação e facticidade, o que
possibilita uma outra vertente a responsabilidade de escolha. Assim, a
consciência enquanto nada é a condição de possibilidade de uma
identidade humana, ou seja, (o) nada é um princípio (possibilitador)
metafísico na constituição da consciência humana.