Nos
primeiros onze capítulos d’ O Príncipe, Maquiavel se detém
na apresentação das formas pelas quais os principados podem ser
conquistados e fundados, devotando especial atenção para os
principados novos, segundo ele, “as verdadeiras dificuldades estão
no principado novo”,
pois neste o príncipe necessita passar dos primeiros passos negativos
da conquista e fundação, nos quais, ele “é apenas um destruidor
que quer impor sua lei” (Bignotto, 1994),
para a positividade da conservação do poder. Seguindo esse
itinerário, verificasse que em um primeiro momento o príncipe é um
objeto estranho para o Estado, identificado como um usurpador,
destruidor da ordem vigente, isso se deve ao fato do príncipe ter que
destruir todas as antigas instituições do Estado, para estabelecer
suas próprias. Para retirar de si esta imagem, ele necessita se
fundir com o Estado através do estabelecimento de uma nova ordem, da
qual ele seja o agente, efetivando com isso sua conquista. Entendendo
que essa nova ordem (nuovi ordini), são as novas instituições
que o príncipe deve determinar para regular o Estado, são elas: uma
instituição que regule os humores do povo (populo) e dos
nobres (grandi) como também possibilite a defesa do Estado,
outra que estabeleça leis e impostos e por último uma que julgue a
desavenças dentro do Estado.
Como
foi dito acima, os problemas relativos a conquista e fundação do
Estado são trabalhados, nos primeiros onze capítulos d' O Príncipe.
Cabe então, efetuar uma pergunta: por que Maquiavel opta por
trabalhar o que ele denomina como os principais alicerces de todos os
Estados nos capítulos XII, XIII e XIV? Ora, nos primeiros capítulos
ele procurou estabelecer os meios pelos quais os príncipes podem
obter um Estado, sem com isso demonstrar de que forma esses podem
atacar ou defender-se, assim o objetivo nos capítulos referidos será
o de demonstrar como o príncipe deve proceder para oferecer ao Estado
os melhores alicerces possíveis.
Segundo
nosso autor, “os mais importantes alicerces de qualquer Estado, seja
ele novo, velho ou ainda misto, são as boas leis e os bons exércitos”,
são esses os sustentáculos dos Estados, a falta dos mesmos pode
causar uma instabilidade, privando o príncipe de agir conforme a sua
própria vontade. Isso porque, são esses dois pontos, as boas leis e
o bom exército, que dá ao príncipe possibilidade de agir
politicamente, sendo esses os fatores que oferecem a ele uma ação
direta na esfera social, com os exércitos, que oferecem a base por
meio da coerção às leis, e essas que devem ser cumpridas em nome da
ordem. Sendo esses as principais bases de todos Estados, por que
Maquiavel se abstém em falar das leis, dando preferência a argumentação
com relação aos exércitos? Convém explicar esse raciocínio
detalhadamente.
Maquiavel
apresenta o seguinte raciocínio: “como
não podem viger boas leis lá onde não existem bons exércitos, e
porque onde há bons exércitos convém que vigorem boas leis (...)”.
Pode-se dividir esse argumento em duas partes: primeiro, em que é
demonstrado que existe uma necessidade de antecipar a implantação do
exército, deixando para instituir a lei em um momento posterior, isso
porque o poder político-militar que apresenta o exército como
exteriorização, demonstra-se como um fator do poder político, sendo
ele que dá ao príncipe a capacidade de agir politicamente dentro do
Estado. A falta do poder político-militar impossibilita o príncipe
de fazer com que suas leis sejam cumpridas, sendo possível somente
nos Estado onde a institucionalização dos exércitos é antecipada,
antes desse momento o príncipe não tem a sua disposição uma base
na qual ele possa se fundamentar, falta-lhe o alicerce para instituir
algo realmente durável. Assim o estabelecimento
das boas leis está atrelado de uma forma condicional ao poder político-militar,
pois, enquanto não há exército, não há lei. Segundo ele, o caráter
de necessidade para a determinação inicial do poder militar
nasce da natureza mutável dos homens, que facilmente atentam contra o
príncipe quando estão descontentes com ele. Moisés,
Ciro, Rômulo e Teseu são apontados como exemplos de ação política,
por conseguirem pelo intermédio do poder político-militar, fazer com
que suas leis fossem cumpridas.
Quando
Maquiavel expõe a importância dos exércitos, configurado como um
poder político-militar, oferece-lhe o estatuto de principal alicerce
do novo Estado. Podemos ver essa importância, nos exemplos referidos
no capítulo VI d’ O Príncipe, após a apresentação de
grandes personagens históricos, que utilizaram o poder político-militar
para fincarem seus domínios em bases sólidas, cita Hierão de
Siracusa. A princípio, para um leitor descuidado, isto pode
representar apenas um recurso estilístico, contudo, está sendo
descrito algo muito mais importante. Nosso autor procura demonstrar ao
leitor quão importante é a institucionalização do exército,
porque não apenas repercutiu na história dos grandes homens, como
também está presente em príncipes mais comuns como no caso de Hierão.
Embora esses príncipes mais comuns não tenham a notoriedade dos
grandes personagens históricos, fizeram o mais alto uso de sua virtù,
assim sendo, é possível igualá-lo àqueles grandes exemplos, pois
da mesma forma dependendo apenas de si, estabeleceram reinos.
As
ações de Hierão de Siracusa devem ser vistas também como exemplo
de virtù, sendo necessário analisá-las com cuidado. Quando
ele assumiu o reino de Siracusa, extinguiu os exércitos antigos e
procurou criar um novo que lhe fosse totalmente fiel. Assim, logo que
um príncipe assume o Estado e não tem ao seu lado um exército que
lhe seja fiel, nunca consegue edificar as bases do novo Estado,
ficando a mercê da fortuna.Além do mais, como o exército
corresponde ao poder político-militar, quem o detém está habilitado
a requerer para si o poder do Estado, sendo capaz de subjugar até
mesmo o príncipe, quando ele não tem o domínio total sobre o exército.
Deste modo, é necessário ao príncipe comandar o exército
pessoalmente, pois está é a melhor forma de proceder na instituição
de uma base sólida, sobre a qual se levantará o edifício do novo
Estado. Procedendo desse modo, não somente consegue se estabelecer
como única autoridade dentro do Estado, como também torna-se
admirado pelo povo por conseguir defendê-lo na adversidade.
Como
o exército é o mais importante componente do poder político-militar,
é adequado criar leis que forneçam ao príncipe a regulamentação
do exército como também a do Estado, é importante dizer que a lei não
se sobrepõe ao exército, mas é instrumento dele, sendo útil ao príncipe
na obtenção do controle do exército, como também se demonstra útil
ao exército na normalização da esfera pública. A utilização
tanto do exército quanto da lei deve ser conduzida pelo príncipe de
forma coordenada e uniforme, possibilitando-lhe uma ação política
eficaz. Essa ação decorre da conjugação desses dois fatores à
vontade dele, o exército demonstra-se como base, porque é dele o
poder coercitivo que dá validade à lei por meio da força; quando o
príncipe não o possui ou aquele que o possui não está subordinado
a ele, instaura-se o caos, porque as leis do príncipe não se
demonstraram efetivas, pois não há quem as faça cumprir com
autoridade. É nessa medida, que a segunda parte do argumento
maquiaveliano pode ser vista.
Diante
disso, pode-se perguntar por que o poder político-militar é
importante para a conservação e ação política? As principais
preocupações do secretário florentino residem sobre a fundação e
conquista do Estado, como também sobre sua preservação e defesa.
Ora, faz-se necessário demonstrar como deve ocorrer a implantação
do exército dentro do Estado, pois cabe a ele a indispensável função
de preservação e defesa. Maquiavel procura identificar como os exércitos
podem ser constituídos, faz isso procedendo de maneira negativa, ou
seja, inicia pela enumeração dos tipos de exército que podem ser
prejudiciais aos objetivos de manutenção do Estado, para
posteriormente apresentar o exército que deve ser utilizado pelo príncipe.
Podem ser indicados alguns pontos que corroboram para este tipo de
procedimento. Primeiramente há uma necessidade de mostrar que o
modelo comum de proceder nas questões militares se apresenta
defasado, sendo essa a ruína da Itália, como também a instabilidade
pela qual os príncipes passam em seus territórios. Em segundo lugar,
tendo o exército um caráter de poder político-militar é necessário
demonstrar as desvantagens que são causadas pelos exércitos que tem
a guerra como ofício, para posteriormente mostrar como são
vantajosos os exércitos que são formados dentro dos próprios
Estados.
As
análises efetuadas por Maquiavel com relação à natureza do poder
militar advêm de dois fatores: primeiro por causa da influência que
recebeu de suas observações, durante o período em que foi chanceler
de Florença e posteriormente secretário de guerra do gonfonierre
Soderine, onde viu uma Itália entregue a ação de tropas que se
preocupavam muito mais com o soldo que era pago pelo príncipe, do que
com a proteção desse que lhes pagava.
Segundo alguns historiadores
esse problema era agravado ainda mais por causa da displicência dos
príncipes no tratamento dos problemas militares. As observações
efetuadas por Maquiavel durante esse período foram fundamentais para
a formação de suas concepções com relação aos exércitos e como
eles devem ser ordenadas. O segundo ponto advém precisamente da
importância do poder político-militar, tanto para conquista e fundação
como também para a conservação, “a negligência de um príncipe
em se prover de defesas próprias mostra-se um erro que repercute não
somente sobre as relações de força, como se poderia crer até aqui,
como também sobre a política”(Ames, 2002), assim é necessário ao
príncipe o máximo de cautela nos tramites desse exercício que é
denominado por Maquiavel como a ‘arte da guerra’.
Acompanhando
o percurso de Maquiavel, depara-se no segundo parágrafo do capítulo
XII, com a apresentação da tipologia de milícias que podem ser
usadas por um príncipe para defender seu Estado, “podem ser próprias
ou mercenárias, auxiliares ou mistas”.
Mas, logo em seguida, afirma que as mercenárias e auxiliares são inúteis
e perigosas, não garantem ao príncipe a estabilidade necessária
para a conservação do poder, isso porque essas tropas não tem uma
identificação direta com o Estado, visto que elas têm simplesmente
como oficio a guerra, não sendo leais nem ao príncipe e nem ao
Estado, para o qual são contratadas à defender. Assim, é necessário
demonstrar os motivos dessa infidelidade e os prejuízos que essas
tropas podem causar.
O
autor começa pela elucidação dos problemas que são apresentados
pelas tropas mercenárias, as quais são extremamente prejudiciais à
estabilidade do príncipe sendo impossível permanecer seguro sob o
abrigo dessas tropas. Isso decorre de alguns fatores, tais como a
desunião, a ambição a falta de disciplina e a infidelidade perante
ao príncipe. Porém, segundo ele, esses riscos podem ser expressos
mais claramente com os capitães das tropas mercenárias, os quais
podem ser classificados em excelentes homens de armas ou não. Os
capitães que comandam exército e são excelentes comandantes,
exercem papel de dominância perante os seus soldados, e como o exército
representa o poder político-militar, esses capitães têm em mãos um
fator de poder preponderante. O capitão de exército mercenário que
não tem obrigações para com o seu contratante, ou melhor dizendo
para com o príncipe, pode requerer para si o poder dele, assim é
impossível confiar a eles a defesa do Estado, pois como aspiram à própria
grandeza subjugam tanto o príncipe quanto o Estado. O príncipe acaba
sendo oprimido por eles ou estes acabam oprimindo à outra pessoa
contra a sua vontade, isto decorre do fato do príncipe ter que
depender dessas tropas para sua defesa ou ataque. Caso o comandante do
exército mercenário não seja um exímio homem de armas, provocará
naturalmente a ruína do príncipe, pois sucumbirá ao primeiro ataque
inimigo. Segundo Maquiavel, a única solução para afastar de si os
problemas referentes às tropas mercenárias, consiste em o próprio
príncipe ser comandante e senhor de suas tropas, pois isso lhe
oferece domínio total sobre o exército, não correndo risco de ser
surpreendido por ninguém que tente se impor por meio da força.
Procedendo assim o príncipe afasta o perigo dos capitães mercenários
que podem tentar subjugá-lo, como também as próprias milícias
mercenárias que não oferecem a estabilidade ao príncipe, causando
apenas danos.
Maquiavel
procura identificar a relação que se estabelece entre o poder das
armas, que devem ser próprias daquele que governa, com a paz que
surge por esse exercício, cita Roma e Esparta como exemplo, pois elas
só estiveram livres, porque tinham a seu favor armas próprias. Dessa
forma, quando o príncipe detém sobre seu comando exércitos próprios
tem a possibilidade de efetuar ações realmente concisas, pois não
fica exposto a ambição dos capitães mercenários, muito menos as
tropas que são infiéis e vis, isso se deve ao interesse dessas, pois
tendo a guerra como ofício estão preocupadas única e exclusivamente
com o soldo que é pago pelo príncipe, e tendo interesse apenas no
soldo, nunca demonstram a fidelidade necessária para o príncipe
implantar as novas instituições, que fornecem ao príncipe a
normalização da esfera social, e ao povo a liberdade. Com os exércitos
mercenários o príncipe sempre ficará exposto a fortuna, ou
melhor dizendo, o príncipe que depende desses exércitos para sua
defesa ou ataque não tem virtù, porque não consegue
antecipar a infidelidade desses exércitos. A dependência dessas milícias
causa não somente uma instabilidade ao príncipe, mas também sua ruína.
Nas
análises de Maquiavel, insere-se também outro tipo de exército, os
auxiliares. Embora esses exércitos sejam tão prejudiciais quanto os
exércitos mercenários, eles apresentam algumas outras características
que comprometem ainda mais as ações dos príncipes. Pode-se observar
a preocupação do secretário florentino com esse tipo de exército já
no capítulo III d’ O Príncipe, onde ele procura alertar o
príncipe com relação à entrada de um estrangeiro tão forte quanto
ele em seus domínios.
Disso decorre o seguinte fato: quando um príncipe chama a seu
auxílio uma força exterior, que seja mais forte que a sua, ocorre
que essa força auxiliar pode tentar subjugá-lo, requerendo para si o
poder do príncipe. Esse gênero de exército auxiliar, além de não
fornecer ao príncipe conquistas seguras, porque sempre requereram
essas para si, pode ocasionar desastres ainda maiores, visto que esses
exércitos por terem grandes poderes, podem galgar não só o território
para o qual foram chamados a auxiliar, como também aos demais
pertencentes ao príncipe, podendo com isso causar-lhe uma ruína
muito maior. Conquanto esses problemas são apenas enunciados, a
investigação pormenorizada deles
é efetuada no capítulo XIII d’ O Príncipe.
Diz
Maquiavel, “quem decidir que não quer vencer, valha-se dessas
tropas [auxiliares]. São muito mais perigosas do que as mercenárias,
pois, com elas a ruína é certa”.
Quando ele expôs o problema das milícias mercenárias, o principal
foco de atenção residia na infidelidade, na desunião e na falta de
vigor que elas demonstravam, isso impossibilitava o príncipe de
efetuar ações que tivessem eficácia garantida. Com os exércitos
auxiliares, o grande perigo é a virtù que eles demonstram,
pois são extremamente unidos e fortes, sendo prejudiciais porque
representam os interesses de outro soberano que não aquele pelo qual
estão combatendo. Assim a partir do momento que conquistam uma vitória,
o príncipe que as chamou se encontra em uma situação extremamente
delicada, porque não tendo força suficiente para dissipar esses exércitos,
acaba ficando prisioneiro da vontade daqueles que o comandam. Deste
modo, como o exército representa o poder político-militar, essa
atitude de chamar outros exércitos para atuarem em nome de um príncipe,
pode lhe custar o comando soberano de seu território, ficando exposto
ao domínio dessas tropas, pois eles obtêm o poder político-militar
facilmente desalojam o príncipe e instituem o seu próprio governo. Conseqüentemente,
qualquer vitória que se obtenha com exércitos auxiliares rapidamente
se transforma em derrotas, porque as vitórias que se conquistam com
armas de outros não são realmente vitórias e sim derrotas, porque
sempre dependeram desses que o ajudaram a vencer.
A
um terceiro caso de exército, os mistos. Estes exércitos são
conjugados ao exército próprio, que não sendo forte o bastante para
combater, tem necessidade de angariar mais força, embora o príncipe
detenha o poder sobre parte do exército isso não é suficiente, pois
sempre terá que partilhar o domínio do território com os que
chamou, e como geralmente esses exércitos são mercenários, fica-se
exposto a ambição dos mesmos. Dessa forma, o príncipe não detendo
o comando total dos exércitos, não obtém o poder político-militar,
pois precisa se submeter a outros para desempenhá-lo.
Segundo
Maquiavel, a única medida que pode garantir ao príncipe domínio
total do exército é fundá-lo no próprio Estado, não dependendo de
mais ninguém além de si mesmo. Assim, o príncipe como líder político,
deve ter segurança e domínio total da ação que empreende. Aqueles
que a todo o momento recorrem a terceiros para fortalecer a própria ação
política, não se demonstram dotados de virtù, pois não
observam o mal ao nascer. O príncipe que é dotado de virtù
ao contrário antecipa o mal, procura agir sozinho com suas próprias
forças, pois esperando manter-se à frente do poder, cria seus próprios
exércitos que são a base de todo Estado, através do qual o príncipe
age com o poder político-militar. Dessa forma, “um príncipe não
deve ter outro objetivo nem outro pensamento, nem praticar arte alguma
fora a guerra”,
pois é essa arte que dá ao príncipe não só o poder político-militar
dentro do seu próprio Estado, como também a autonomia na sua ação,
porque não depende de mais ninguém além de si mesmo. Quando um príncipe
está desarmado, ele não pode obter respeito daqueles que se
apresentam armados, ficando fragilizado a qualquer ação externa; um
príncipe só obtém respeito tanto dentro quanto fora de seus domínios
quando está munido de exércitos seus e atua no exercício da guerra.
Como o príncipe pode agir na excussão da arte da guerra? Ora, o
exercício da guerra depende muito mais dos tempos de paz, do que dos
tempos de guerra.
Para
nosso autor, existem dois tipos de exercícios que devem ser efetuados
em tempos de paz para garantir ao príncipe, domínio total da arte da
guerra e de suas tropas, são elas: os exercícios de campo, que são
práticos e os exercícios com a mente, que dependem do estudo do príncipe.
Convém analisar detalhadamente cada um desses exercícios,
primeiramente o exercício de campo, serve tanto para manter os
soldados do exército em forma e exercitados, como também se tem a
possibilidade de conhecer o próprio território. Esse exercício
aparentemente simples desempenha funções fundamentais na relação
do príncipe com seus exércitos. A partir do momento que o príncipe
está à frente dos exercícios de campo do exército, comprova sua
perícia no trato da guerra, demonstrando aos seus soldados que ele é
o único detentor do poder dentro do Estado, evitando que qualquer
outro tente assumir o seu posto, reivindicando o poder para si. Como o
exército é formado por cidadãos do próprio Estado, demonstra ao
povo sua força, pois é ele que comanda pessoalmente o poder político-militar
do exército. Com o próprio povo armado, ocorre uma identificação
dele com o príncipe e com o Estado, promovendo com isso conquistas
realmente concisas.
O
príncipe que não observa essa relação de identificação entre
povo e Estado, dificilmente matem-se à frente do poder. O príncipe
quando fica instalado somente em seu palácio, e não se desloca por
todo o seu território não se demonstra prudente, pois afasta de si
algo que lhe é muito importante, a identificação do povo com o seu
governante. O povo é peça fundamental na manutenção do poder do príncipe,
“a um príncipe é necessário a amizade do povo, do contrário, não
terá salvação na adversidade”,
sendo somente o povo que pode dar ao príncipe a materialidade necessária
para a manutenção do poder.
O
exercício da arte militar com a mente deve se focar na leitura de
livros de história e na reflexão da atitude dos grandes homens.
Quando o príncipe se detém no exame detalhado dos procedimentos nos
quais grandes personagens históricos obtiveram sucesso ou derrotas em
sua empreitada na arte da guerra, pode procurar evitar os erros já
cometidos e tomar como modelo àqueles que obtiveram sucesso.
Maquiavel cita grandes personagens históricos que agiram tendo outros
como exemplo, como é o caso de Alexandre o Grande que imitava
Aquiles, César imitava Alexandre, Cipião imitava Ciro, etc., assim a
melhor forma de proceder é procurar usar como espelho os que
obtiveram vitórias, e agiam bem professando a arte da guerra.
Então,
o príncipe que não observa a necessidade do exército que é o poder
político-militar, bem como o encaminhamento da arte militar, pensando
antes nos prazeres da vida, dificilmente se manterá à frente do
poder, pois falta-lhe a base de ação política. Como Maquiavel
disse, os Estados que não se apóiam em bases firmes, dificilmente se
manterão em pé, pois como tudo na natureza que não tem raízes
firmes perece, sendo a base do Estado o poder político-militar não
se atentar ao seu desenvolvimento significa não construir aquilo que
o sustenta, ficando exposto a fortuna.
Conclusão
Para
concluir queria lançar uma pergunta: o poder militar é realmente
importante para formação e manutenção de um Estado? Ora, pelo
percurso aqui apresentado, parece pouco improvável que ele não
desempenhe um papel de destaque na formação e manutenção de um
Estado, visto que é dele que emana a base que dá sustentação ao
governo. Sendo somente com a formação de um exército forte, que o
príncipe tem a possibilidade de determinar o andamento da esfera
social.
Conseqüentemente,
sem o exército que representa o poder político-militar, dificilmente
o príncipe se manterá à frente do poder. Para Maquiavel não é
qualquer exército que representa o poder político-militar, mas
apenas o exército que é próprio. Quando se depende de forças
externas, tais como tropas mercenárias, auxiliares ou mistas para
defender o Estado, dificilmente se evita a ruína, uma vez que se
oferece aquilo que deve ser próprio dele - Estado - a outros.
Portanto, é somente o exército próprio que representa o poder político-militar
e sem ele, nenhum principado está seguro, dependendo exclusivamente
da fortuna, visto que não tem a seu favor um exército que o defenda
na adversidade. O armamento do povo garante ao príncipe total segurança,
pois o povo vê na defesa da liberdade do Estado a sua própria
defesa, o povo não sendo ameaçado e sim convocado a respaldar o
governante, garante-lhe segurança e estabilidade. Ora, da negligência
disso decorre instabilidade e inobservância da arte da guerra, pois
de um príncipe só se espera isso.
_____________
Bibliografia
Obras
de Maquiavel:
MACHIAVELLI,
Niccolò. Opere Politiche, cura di Mario Puppo, Firenze,
Monnier, 1969.
______________,
Nicolau. O Príncipe; [tradução Maria Lucia Cumo]. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996.
Obras
de Referência:
AMES,
José Luiz. Maquiavel: a lógica da ação política. Cascavel:
Edunioeste, 2002.
BIGNOTTO,
Newton, Maquiavel Republicano.São Paulo: Loyola, 1994.
LERIVAILLE,
Paul.
A Itália no
tempo de Maquiavel: Florença e Roma.[tradução
Jônatas Batista Neto]. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.