VANESSA FURTADO FONTANA

Graduanda  em Filosofia (4º ano) na Universidade Estadual de Maringá (UEM)

 

Razão e intuição: 

o problema da causalidade em Kant e Schopenhauer

 

Vanessa Furtado Fontana

 

Resumo: O objetivo desse trabalho é expor o problema da causalidade em Kant e Schopenhauer. Este conceito será trabalhado em projeto de iniciação científica. Segundo a critica de Schopenhauer a Kant, esse teria negligenciado a importância da lei da causalidade para o conhecimento dos objetos. Para Schopenhauer o mundo exterior e objetivo é conhecido pela sensibilidade, isto é tempo e espaço, e o entendimento que age na intuição, através da lei da causalidade. Em Kant, o entendimento é puro pensar, deste modo a causalidade é um conhecimento abstrato e deve se relacionar a objetos do conhecimento. A pergunta que pretendemos responder é como podemos intuir os objetos do mundo objetivo sem a participação da causalidade para uni-las no espaço e tempo? Este é um papel do entendimento ou da sensibilidade?

Palavras chaves: Kant, Schopenhauer, entendimento, sensibilidade e causalidade.

Abstract: Reason and intuition: the problem of causality in Kant and Schopenhauer.

The objective of this communication is to demonstrate the problem of causality in Kant and Schopenhauer. This concept will be worked in a scientific project. According to Schopenhauer critic to Kant, he would not have given the right importance to the law of the causality to the knowledge of the objects. According to Schopenhauer the external world and objective is known by sensibility, it means time and space, and the understanding of intuition, through the law of causality. In Kant, the understanding is pure thinking, however the causality is an abstract knowledge and must be related to objects of knowledge. The question we intend to answer is how can we sense the objects of the world without the participation of causality to get them together in space and time? Is this the role the  understanding and the sensibility? 

Key words: Kant, Schopenhauer, understanding, sensibility and causality

 

O jovem Arthur SchopenhauerA teoria do conhecimento de Schopenhauer tem uma influência determinante da teoria de Kant exposta na Critica da razão pura. Principalmente na idéia de distinção entre fenômeno e coisa em si. O que para Kant é denominado fenômeno, para Schopenhauer é o mundo como representação (Vorstellung), e a coisa-em-si é a vontade (Wille). Contudo, a teoria de Schopenhauer diverge em um ponto essencial, o qual nos permite afirmar que a sua teoria do conhecimento é bem diferente da kantiana. Este ponto que trataremos neste texto é a causalidade.

A crítica à filosofia kantiana proposta por Schopenhauer chegará a questionar Kant quanto a fonte do conhecimento das coisas. Schopenhauer acusa Kant de retirar a causalidade da intuição, ou faculdade da sensibilidade. Logo, o que conhecemos das coisas ou a nossa primeira intuição, conforme Kant pretende, é uma mera sensação, que não chega a formar uma representação dos objetos.

Conforme faz Schopenhauer temos que tornar claro e por a prova o pensamento fundamental exposto por Kant na “Critica da razão pura”. Para ele, Kant parte do dogmatismo nos seguintes pressupostos:

1) A metafísica é ciência daquilo que fica fora da possibilidade de toda experiência. – 2) Uma tal ciência não pode jamais ser encontrada segundo princípios fundamentais, que são eles próprios hauridos da experiência. – 3) Na nossa razão são encontráveis efetivamente alguns princípios fundamentais deste tipo: são concebidos sob o nome de conhecimentos da razão pura. (Schopenhauer. 1980. p. 94)

Immanuel KantKant se separa da tradição dogmática ao dizer que o conhecimento da razão pura são: meras formas de nosso intelecto, leis, não da experiência das coisas, mas sim de nossas representações delas, valem pois, meramente, para nossa apreensão das coisas e não podem, portanto, ultrapassar a possibilidade da experiência. (Schopenhauer. 1980. p 94)

A aprioridade das formas (tempo e espaço) repousa sobre a subjetividade, estas formas permitem conhecer apenas os fenômenos e nunca podemos conhecer, nem a posteriori e nem a priori, as coisas como são em si mesmas. Aqui apresentamos a filosofia de Kant até o ponto onde pode chegar no que se refere ao conhecer. O que podemos conhecer? É a pergunta que orienta a discussão da Critica da razão pura. A resposta de Kant diz que podemos conhecer apenas os fenômenos das coisas, que estamos limitados pelas formas de conhecer a priori, as intuições de espaço e tempo, e que o que conhecimento da essência das coisas é impossível, conclui então que não podemos conhecer a coisa em si.

Como conclusão Schopenhauer diz que a metafísica é impossível na filosofia kantiana e a critica da razão pura entra em seu lugar como uma reformulação do conceito de metafísica. Kant diz: O assunto desta critica da razão pura especulativa consiste naquela tentativa de transformar o procedimento tradicional da metafísica e promover através disso uma completa revolução na mesma... (Kant. 1996. p, 41) Neste ponto, o que Kant pretende é fundamentar a metafísica através da crítica, para tanto, Kant limita o conhecimento do homem dizendo que, pelo conhecer o homem não pode falar de Deus, liberdade e imortalidade. Kant diz no prefacio à Crítica da razão pura que, não podemos conhecer a nossa alma do ponto de vista da coisa em si, mas podemos pensa-la do ponto de vista do mundo fenomênico. Podemos dizer que para Schopenhauer a metafísica não chegou a ser efetivada na Crítica da Razão pura, pois esta se limitou ao fenômeno e este por não ser a essência verdadeira do mundo não pode ser considerado para Schopenhauer um conhecimento metafísico.

Apesar de Kant pretender uma metafísica mesmo em sentido negativo, pois esta pretende limitar a razão especulativa, Schopenhauer acusa-o de fundamentar seu primeiro pressuposto[1] em uma petição de princípio e acrescenta ainda a falta de explicação para o conceito mesmo de metafísica e por isso Schopenhauer considera impossível a metafísica na Crítica da razão pura. Segundo Schopenhauer a única explicação que ele dá para tal pressuposto é uma analise etimológica do termo metafísica, o que não é suficiente para deduzir que conhecimento a priori e metafísica são uma e a mesma coisa.

Para Schopenhauer a solução do enigma do mundo tem que provir do próprio mundo que, portanto, a tarefa da metafísica é entender o mundo a partir de seu fundamento, pois a experiência externa e interna é a fonte de todo conhecimento.

Schopenhauer declara que Kant passa por cima do conhecimento intuitivo, no qual para o primeiro encontra-se a causalidade a priori, enquanto ligação entre espaço e tempo para formar as representações. Kant teria negligenciado a explicação do conhecimento intuitivo, saltando então desse para a explicação das tábuas do juízo, o que mostra a sua maior atenção à explicação do conhecimento abstrato.

Kant após ter dito que a nossa sensibilidade é regida por formas puras a priori ou intuições de espaço e tempo, e que estas são as fontes do nosso conhecimento possível, parte para a explicação da lógica transcendental, porém sem se preocupar em explicar, pormenorizadamente, como os objetos nos são dados na sensibilidade. Kant diz “pela sensibilidade nos são dados objetos e apenas ela nos fornece intuições” (Kant. 1996. p, 71), tal expressão é obscura para Schopenhauer, pois dizer que os objetos nos são dados não diz nada. “Depois que despachou todo o mundo dos sentidos com o ‘ele é dado’, que nada diz, faz agora, como foi dito, da tábua dos juízos, a pedra fundamental de seu edifício” (Schopenhauer, 1980, p. 98.)

Passando à exposição do conhecimento abstrato, Kant não explica o que é a razão, e dá tantas definições do termo entendimento, falaremos do conceito de entendimento mais à frente, que esse se apresenta para Schopenhauer como não suficientemente considerado, e isso se deve, segundo Schopenhauer, ao sistema lógico e simétrico que Kant persegue, muitas vezes, ignorando o objeto do seu estudo em nome da simetria. Sobre isto Schopenhauer diz:

Pois uma peculiaridade bem individual do espírito de Kant é o gosto pela simetria, que ama a multiplicidade variegada, para ordená-la e para repetir a ordenação, em subordinação e assim por diante, exatamente como as igrejas góticas. Ele chega a levar isto, às vezes, até o lúdico, quando, por amor dessa inclinação, vai tão longe a ponto de fazer violência manifesta à verdade... (1980, p. 97)

Kant passa a separar os conceitos de entendimento e os conceitos da razão, mas antes deveria ter investigado verdadeiramente o que é um conceito. Conforme Schopenhauer esta investigação foi omitida o que agravou ainda mais a mistura entre conhecimento intuitivo e abstrato ou racional.

O modo como Kant deduz a coisa em si é o ponto fraco do sistema kantiano. Conforme explica Schopenhauer, que cita a obra da demonstração detalhada desse erro de Kant escrita por Schulze, Kant funda a coisa em si sobre a inferência da lei da causalidade, isto quer dizer que a intuição empírica, a sensação dos nossos órgãos dos sentidos, da qual parte a coisa em si, tem que ter uma causa exterior. Contudo, a lei da causalidade é conhecida por nós a priori, conseqüentemente é uma função de nosso intelecto de origem subjetiva. Assim, como o espaço é uma forma a priori, também a intuição empírica é um processo que ocorre dentro de nós, é um processo subjetivo e nada diferente dela, da intuição, pode ser introduzido como coisa em si.

Schopenhauer conclui que a intuição empírica é e permanece nossa representação. Deste modo, o caminho para se deduzir a coisa em si deve ser outro, mediante a consulta da consciência de si que anuncia a Vontade (Wille) como o em si de nosso próprio fenômeno.

Schopenhauer diz que o conhecimento intuitivo e o conhecimento abstrato não estão devidamente separados em Kant. Este é o ponto importante para entender a crítica. 

O “objeto da experiência” é representação intuitiva no tempo e no espaço ou meramente um conceito abstrato? Para entender Kant, Schopenhauer analisa a estética transcendental. Ela prova claramente que uma parte de nosso conhecimento nos é consciente a priori, espaço e tempo constituem as formas de nosso intelecto, ou seja, que estas formas por não serem adquiridas pelas vias da experiência, não vindas de fora, são logo partes presentes de nosso intelecto, do nosso ser.

No início da Crítica da razão pura Kant diz que nosso conhecimento possui duas fontes, a saber, a receptividade das impressões e a espontaneidade dos conceitos: a primeira é a capacidade de receber representações, a segunda, de conhecer um objeto por meio dessas representações, pela primeira nos é dado um objeto e pela segunda ele é pensado. A afirmação de Kant diz que, pela sensibilidade os objetos nos são dados por meio de representações, estas representações são conhecidas por nós através das formas a priori de nosso intelecto, as formas de tempo e espaço. Contudo, isto é falso para Schopenhauer. Ele pergunta porque a impressão, para a qual temos apenas mera receptividade, que vem de fora, é a única dada a priori?  Para Schopenhauer, o que Kant expressa com sua formulação do conhecimento intuitivo é falso, pois ele quer derivar deste conhecimento representações quando este, do modo exposto por Kant, apenas produz sensações e está longe de ser um objeto. Diz Schopenhauer que a intuição kantiana “não é, porém, nada mais que uma mera sensação no órgão sensorial” (Schopenhauer. 1980. p, 104) A solução para que este conhecimento intuitivo apresente representações dos objetos é para Schopenhauer a “aplicação do entendimento (isto é da lei da causalidade) e das formas da intuição de espaço e tempo. O entendimento faz a conversão das sensações em uma representação” (Schopenhauer. 1980. p, 104).

Para Schopenhauer faltou na teoria kantiana o entendimento enquanto lei da causalidade, para formar as representações dos objetos, e só deste modo, podemos conhecer o mundo enquanto fenômeno, desde o conhecimento intuitivo, isto significa, para Schopenhauer, conhecer o mundo enquanto representação sem o auxílio da razão ou de qualquer conceito abstrato. Já que, os conceitos abstratos nos “servem apenas para classificar, fixar e combinar os conhecimentos imediatos do entendimento sem nunca produzir nenhum conhecimento propriamente dito (Schopenhauer. 2001.L I. § 6. p, 28).

Certamente Kant pretende que o conhecimento seja algo abstrato, porém ele tem que partir da experiência é o que ele faz ao estabelecer as bases do conhecimento intuitivo, ou a faculdade de receptividade.

Contudo, pela argumentação de Schopenhauer podemos perceber que as intuições são sensações e não chegam a formar objetos enquanto fenômenos, ou seja, a intuição é passiva. Segundo Deleuze a sensibilidade é passiva, mas, sobretudo porque é imediata. “A idéia de submissão implica, ao contrário, a intervenção de um mediador, isto é, de uma síntese que relaciona os fenômenos a uma faculdade ativa capaz de ser legisladora” (Deleuze. 1976. p, 31). Entendemos que Kant precisa de um mediador, do entendimento, o qual, possa formar conceitos e representar o mundo empírico, pois a intuição sozinha não pode conhecer este mundo.  Kant passa ao conhecimento abstrato, ao pensar, fazendo deste o único modo de apreensão dos objetos, o único meio para alcançar o conhecimento do mundo fenomênico. Logo, Schopenhauer denuncia a mistura entre conhecimento intuitivo e abstrato feita por Kant, dizendo que ele “leva o pensar para dentro da intuição” (Schopenhauer. 1998. p, 105). Se for assim, então o objeto do pensar é um objeto individual e real. Logo, o pensar perdeu seu caráter de universalidade e com isso recebe coisas individuais.

O termo entendimento é definido diferentemente na teoria de Kant e de Schopenhauer. Para Kant o “entendimento é a faculdade de julgar” (Kant. 1996, p, 103) Kant se refere apenas ao pensar, isto significa dizer que o entendimento trata apenas de conceitos e é totalmente independente da intuição e das impressões recebidas pela faculdade da sensibilidade. Ele diz:

Logo, o entendimento não é uma faculdade de intuição. Além da intuição não há, contudo, nenhum outro modo de conhecer senão por conceitos. Portanto, o conhecimento de cada entendimento, pelo menos do humano, é um conhecimento mediante conceitos, não intuitivo, mas discursivo. (Kant, 1996, p. 102)

Para Schopenhauer entendimento é a faculdade de representação. O entendimento tem por essência “o conhecimento pelas causas, faculdade de ligar o efeito à causa ou a causa ao efeito...” (Schopenhauer. 2001, L I, § 6, p, 28) O mundo da intuição existe para o entendimento e pelo entendimento. Quer dizer que o entendimento torna possível a intuição, pois é deste que procede a lei da causalidade. O entendimento tem a função de ligar através da lei da causalidade uma sensação à sua causa formando a representação. Um corpo só pode ser conhecido enquanto objeto do mundo empírico pela aplicação da lei da causalidade. Outro aspecto que diferencia Schopenhauer e Kant diz respeito à natureza do entendimento, para Schopenhauer o entendimento tem um aspecto físico para se distanciar da Vontade (Wille) que é metafísica.

Somente quando o entendimento - função não dos nervos separados, mas sim do cérebro, tão artística e enigmaticamente construído... entra em atividade, aplicando sua só e única forma, a lei da causalidade, se opera uma poderosa transformação, porque da sensação subjetiva se faz a intuição objetiva (Schopenhauer. §21, p, 91)

Diz ainda que conhecemos nosso próprio corpo como extenso, articulado e organizado pelo conhecimento e pela representação no cérebro. Já Kant não faz a afirmação de que o entendimento é o cérebro, mas afirma que o entendimento é uma faculdade dos conceitos, totalmente abstratos.

Já que Kant iguala o entendimento a uma faculdade de julgar que é totalmente independente da intuição, Schopenhauer conclui que o mundo intuitivo descrito por Kant existiria para nós mesmo se não tivéssemos nenhum entendimento.

O que Schopenhauer critica é como podemos formar conceitos totalmente independentes da intuição? Para ele, tudo o que conhecemos, este mundo intuitivo, deve estar primeiramente presente em nossa cabeça como representação para que partindo desta possamos formar conceitos e pensamentos abstratos. Isso fica evidente pela primeira frase de O mundo como vontade e representação que diz “O mundo é minha representação(Schopenhauer§1. p, 9), pois o conhecimento deve partir dessa verdade, ou seja, primeiro entender que o mundo é representação minha e só depois de ter conhecido o mundo empírico é que podemos formar conceitos abstratos. Se não for assim como podemos pensar sem ter um objeto para ser pensado. Kant mesmo nos diz na Crítica da razão pura que “pensamentos sem conteúdos são vazios, intuições sem conceitos são cegas” (Kant. 1996.p, 92).

Todavia quando Kant se propõem a explicar os conceitos do entendimento deduz dele as categorias e a idéia de síntese.  Diz na Lógica transcendental que o entendimento introduz a unidade na intuição mediante as categorias, somente o entendimento torna possível a natureza. Kant explica a síntese dizendo:

Por síntese entendo, no sentido mais amplo, a ação de acrescentar diversas representações umas às outras e de conhecer a sua multiplicidade num conhecimento. Tal síntese é pura se o múltiplo não é dado empiricamente, mas a priori (como o múltiplo no espaço e no tempo)... Mas a síntese de um múltiplo (seja dado empiricamente ou a priori) produz primeiro um conhecimento que, é verdade, pode ser de início tosco e confuso e necessita, portanto, da análise, todavia, é a síntese que coleta propriamente os elementos em conhecimentos e os reúne num certo conteúdo, sendo portanto o primeiro a que devemos prestar atenção se quisermos julgar sobre a origem primeira do nosso conhecimento. (Kant, 1996, p. 107)

Porém, Schopenhauer diz que se a natureza é algo de intuitivo e somente o entendimento torna possível o conhecimento da natureza, então o entendimento tem que ser a faculdade da intuição.

Kant afirma ainda que a sucessão e a simultaneidade dos objetos na natureza são introduzidas pelo entendimento. Contudo, para Schopenhauer a seqüência dos acontecimentos e a simultaneidade dos sentidos são puramente intuitivas enquanto que para Kant, como dissemos anteriormente, não pode ser pois, o entendimento tem a função de faculdade abstrata.

A realidade empírica, a experiência, já está dada na própria intuição, sendo que esta só pode se realizar mediante a aplicação da lei da causalidade. A lei da causalidade é função a priori do entendimento. Ela relaciona a sensação à sua causa. Se não se aplica a lei da causalidade então não podemos obter nenhuma representação, permanecendo a representação mera sensação subjetiva, porque “o entendimento entra em atividade aplicando sua única forma, a lei da causalidade, sae opera uma poderosa transformação, porque da sensação subjetiva se faz a intuição objetiva” (Schopenhauer. 1998. § 21. p, 92).

Das doze categorias propostas por Kant como funções do entendimento Schopenhauer conserva apenas a causalidade e sua atividade já é reconhecida na intuição empírica, esta intuição não é meramente sensual, mas intelectual, quer dizer que esta intuição é intelectual porque tem o entendimento agindo sobre as sensações e formando representações, ou como diria Schopenhauer formando o “véu de Maya da existência” (Schopenhauer explica que os antigos indianos já tinham este conhecimento de que o mundo é representação. O véu de Maya é o véu da ilusão, o mundo enquanto representação submetido ao princípio de razão. Schopenhauer. 2001. L I, § 3. p, 14).

Para schopenhauer é na causalidade que repousa a materialidade, pois ele explica que a essência da matéria é ser causa e efeito. A matéria tem como essência ainda o tempo e o espaço agindo juntos. “Ser causa e efeito, eis a própria essência da matéria, o seu ser consiste unicamente na sua atividade” (Schopenhauer. 1998. P. 93). Para expressar o conjunto das coisas materiais ele usa o termo Wirklichkeit que significa realidade no sentido de ação.

O conhecimento abstrato no qual reside, conforme Kant, o entendimento e a categoria da causalidade é o único que pode formar representações do mundo fenomênico, sem este conhecimento racional não podemos conhecer o mundo, pois só teríamos sensações de tempo e espaço sem conceitos, ou seja, só teríamos intuições vazias de conteúdo. Logo, para a teoria do conhecimento que Kant propõem o conhecimento intuitivo é sensação se não se aplica a síntese do entendimento. Podemos dizer que o conhecimento da razão é o único capaz de formar o mundo. Logo, estamos limitados as categorias e a razão, já que sem ela não podemos conhecer este mundo fenomênico, porém nem mesmo com ela podemos conhecer a coisa em si, que é a essência de tudo.

A causalidade para Schopenhauer está na intuição. O entendimento é o responsável pela transformação da sensação subjetiva à intuição objetiva do mundo, possui a causalidade como única função. A causalidade permite formar a representação. Diferente de Kant a causalidade já esta presente no conhecimento intuitivo.

Como conclusão podemos dizer que a causalidade que faz formar o mundo enquanto nossa representação, para Kant é racional, um conhecimento abstrato. E para Schopenhauer não é racional, é antes intuitivo, mas isto não significa que seja apenas sensorial, pois a intuição é organizada pelo entendimento e este é a regido pela lei da causalidade.

[1] Trata-se do pressuposto: “1) A metafísica é ciência daquilo que fica fora da possibilidade de toda experiência”.

 

Referências Bibliográficas

DELEUZE, Gilles. Para ler Kant. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.

KANT, I. Critica da razão pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1996. (Col. Os Pensadores).

________. Prolegómenos a toda metafísica futura que queira apresentar-se como ciência. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1987.

________. The Critique of pure reason. In The greats books. London: Encyclopedia Britannica, 1952.

SCHOPENHAUER, A. Crítica da filosofia kantiana. Trad. Wolfgang Leo Maar e Maria Lúcia Mello e Oliveira Cacciola. São Paulo: Abril Cultura, 1980.

________. De la cuadruple raíz del principio de razón suficiente. Trad. Leopoldo-Eulogio Palacios. Madrid: Editorial Gregos, 1998.

________. O mundo como vontade e representação. Trad. M. F. Sá Correia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.

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Última atualização: 01 dezembro, 2004.